Fortaleza tem apenas dois leitos psiquiátricos ativos em hospital geral

No Ceará, a extinção das instituições psiquiátricas é prevista em lei desde 1993. Isto, para reduzir o isolamento dos pacientes com doenças mentais. Mas, a criação de leitos em unidades gerais segue muito aquém da real demanda

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(Atualizado às 11:19, em 26 de Fevereiro de 2019)

O sofrimento psíquico profundo gerou uma crise psiquiátrica. A cabeça padece. O corpo também. Desequilíbrio e correria para o atendimento emergencial. Pedir socorro para conter a dor e, de repente, outro dilema: onde internar? Para onde ir com o paciente?

A Reforma Psiquiátrica brasileira, em curso desde a década de 1980, orienta a aceitação desse paciente em hospitais gerais em detrimento do acolhimento dos mesmos em unidades específicas de psiquiatria. Isto, na tentativa de reduzir a segregação histórica do atendimento desse público.

No Ceará, desde 1993, a extinção progressiva dos hospitais psiquiátricos é prevista em lei. Mas, Fortaleza, hoje, conta com 460 leitos em hospitais psiquiátricos especializados, enquanto, em hospitais gerais, há só dois leitos psiquiátricos ativos.

No cenário nacional, a Lei Federal 10.216/2001 regulamentou a política de substituição gradual dos leitos psiquiátricos, projetando que os hospitais especializados dariam lugar a outros recursos assistenciais. Mas, a demanda por internações continua alta, e o ritmo de abertura desses serviços segue aquém da necessidade dos pacientes.

No Hospital da Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM), em Messejana, a procura por internações, nos últimos seis meses, chegou à média de 15 por dia.

Em Fortaleza, o único hospital geral que possui leitos psiquiátricos é o Hospital Universitário Walter Cantídio. O modelo na unidade obedece às orientações da Reforma Psiquiátrica. Mas ainda assim são apenas dois leitos. Uma nota técnica do Ministério da Saúde, que veio a público em fevereiro e, em seguida, foi retirada do ar, desincentiva a criação de leitos como os que existem no Walter Cantídio.

Modelos

O documento apregoa a manutenção dos hospitais psiquiátricos e a criação de enfermarias específicas de saúde mental em unidades gerais. O Ministério da Saúde garante que o texto é um documento interno e passa por revisão. A Secretaria da Saúde do Estado não quis se pronunciar.

Para profissionais da área da saúde mental, embora seja um desafio materializar a inclusão de pacientes psiquiátricos em hospitais gerais, tendo em vista a ausência de leitos nessas unidades, a ideia de permanência dos hospitais específicos vai na contramão dos modelos modernos.

"Imagine um paciente agitado psicótico e que está com insuficiência renal. Ele tinha uma coisa e teve outra. Onde ele vai ser internado? No Hospital Mental não tem estrutura para dar conta das coisas clínicas", relata o presidente da Sociedade Cearense de Psiquiatria e médico do Hospital de Messejana, Joel Porfírio Pinto.

O psiquiatra argumenta que o mais adequado continua sendo a abertura de áreas psiquiátricas em unidades gerais, com destaque, segundo ele, também para a criação de leitos psiquiátricos nos hospitais regionais, para reduzir o deslocamento de pacientes e familiares para Fortaleza.

No Walter Cantídio, explica o psiquiatra José Gurgel, os leitos são para atendimento de pacientes psiquiátricos que muitas vezes entram por outras demandas como, por exemplo, patologias clínicas. "O paciente tem uma úlcera e se interna por conta disso, mas está com uma depressão grave. Ele se interna por conta disso, é tratado e depois vai para o nosso leito para tratarmos conjuntamente a doença mental" reforça.

Se você criou enfermarias em hospitais gerais, pode muito bem contemplar os pacientes que estão em crise"

Conforme o médico, este modelo de atendimento é ideal, pois nele o paciente é atendido integralmente equacionando as necessidades clínicas com as psiquiátricas. Na forma atual, essa integralidade não é assegurada.