Toffoli veta “legítima defesa da honra” para justificar feminicídio; o que dizem juristas do Ceará

Decisão é em caráter liminar e ainda será votada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira (5). Juristas do Ceará consideram entendimento progressista, porém, temem abertura de precedente para limitar a defesa

Legenda: Decisão do ministro Dias Toffoli ainda deve ser votada em plenário no STF na próxima sexta-feira (5).
Foto: Shutterstock

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), entende ser inconstitucional a alegação de “legítima defesa da honra” para justificar crimes de feminicídio. Divulgada na última sexta-feira (26), a compreensão do magistrado divide opiniões entre juristas no Ceará. 

De um lado, a decisão monocrática, que ainda deve ser votada pelo Supremo em plenário na próxima sexta-feira (5), é vista como progressista e alinhada à Constituição Federal. De outro, é criticada por abrir precedente para a limitação de outros argumentos defensivos.

O que aconteceu?

O entendimento do ministro Toffoli sobre o tema foi provocado por uma ação movida em janeiro pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779. 

Na ação, o PDT alegou que o assunto tem “controvérsia constitucional relevante”, visto que há tribunais do júri que absolvem e outros que não absolvem réus processados por feminicídio e que se sustentam na tese da “legítima defesa da honra” para justificar o crime.

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Em seu entendimento, o ministro do STF afirmou que a tese contraria princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Além disso, escreveu, a decisão exclui a “legítima defesa da honra” do âmbito do instituto da legítima defesa e impede que advogados utilizem o argumento, direta ou indiretamente, sob pena de invalidar o ato ou mesmo o julgamento.

Para sustentar a decisão, Toffoli cravou: “Aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa”. 

Repercussão

Arsenia Breckenfeld, presidente da comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), corrobora que “alegar legítima defesa da honra para matar uma mulher, hoje, é algo que causa revolta a qualquer pessoa”, que isso já vem sendo evitado e que a decisão do ministro deve ser validada pelos demais na sexta-feira.

“Antes dos valores constitucionais, o marido podia invocar a legítima defesa da honra ao matar sua mulher para a defesa, por exemplo, no caso de um adultério, ou no de alguma conduta que ele entendesse como subversiva da mulher. Há muito tempo, isso vem sendo banido do nosso ordenamento jurídico”, assegura. 

Breckenfeld recorre, ainda, ao artigo 28 do Código Penal, que diz que não excluem a imputabilidade penal a emoção ou a paixão, ou seja, não impossibilitam de serem acusados os que alegarem “emoção ou paixão” para praticar o crime.

A jurista diz, ainda, que o entendimento do ministro Toffoli não é inovador, não está inadequado à sua função na Corte e, na verdade, se adequa ao que já entende o Superior Tribunal de Justiça (STJ). “O que causa espanto é isso ter sido usado como forma de absolver um réu que mata uma mulher. Um homem que mata sua esposa. Isso, um dia, ter sido aceito não apenas pelos tribunais, mas pela própria lei”, critica.

Outras justificativas

Para o promotor de Justiça Ythalo Loureiro, titular da 111ª Promotoria de Justiça de Fortaleza e estudioso do assunto, a notícia da decisão de Toffoli foi recebida “com muita esperança” de que o Supremo determine, consensualmente, que essa argumentação não seja mais válida. “Se trata de uma tese ofensiva, que ofende a dignidade humana e a Constituição”, entende.

Feminicídio
Foto: Antonio Rodrigues

Contudo, o jurista ressalta que outros argumentos igualmente ofensivos podem ser moldados para obter o mesmo resultado, que é o de absolver quem mata uma mulher em razão do seu gênero. Ele cita, por exemplo, o argumento de que agressores seriam vítimas de uma cultura discriminatória ou que a defesa poderia apelar para a clemência. Portanto, de acordo com Loureiro, apesar de inibir o argumento em específico, a decisão pouco afeta a realidade. "É preciso mudança legislativa e mobilização política constante para combater o feminicídio".

“A gente não pode utilizar uma construção social para dizer que um homicida é vítima cultural. É uma inversão de argumento que torna a vítima vilã”, compara o promotor, lembrando do caso de Doca Street, condenado por assassinar a socialite Ângela Diniz. “Aquele que mata por gênero faz por escolha. Por arbítrio. Não faz porque é vítima”, sustenta.

Precedente para limitar a defesa

Em nota, a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Ceará (Abracrim-CE), viu o entendimento de Toffoli como “mais um ataque” ao direito criminal e ao tribunal do júri. 

Segundo o órgão, “não se nega que o Brasil é um país machista e com práticas culturais completamente avessas ao respeito à dignidade da mulher. [...]”. Contudo, continua, atribuir ao tribunal do júri a difusão dessa violência é “absolutamente falacioso”. E complementa: “Não se permitir a alegação da tese de legítima defesa da honra, cuja origem remonta aos anos 1950 e foi desenvolvida justamente para a defesa de uma mulher, abre portas para que outras teses defensivas sejam igualmente proibidas por força da caneta ministerial”.

Esse é o medo, também, do defensor público Manfredo Rommel Cândido Maciel, supervisor das defensorias criminais da Defensoria Pública do Ceará (DPCE). “Qualquer limitação ao direito de defesa é sempre preocupante. E, nos tempos em que estamos vivendo, nem se fala. Pode ser um precedente para limitações posteriores”, compreende, embora entenda a decisão. 

“Concordo em parte com ela na medida em que tenta combater o machismo estrutural com base no princípio da igualdade entre homens e mulheres. Mas, na medida em que limita uma tese, está, também, colidindo com outros princípios constitucionais que dizem respeito à plenitude da defesa e da soberania”, alega o defensor.

Apesar de não achar a “legítima defesa da honra” uma tese “simpática”, Rommel acredita que limitar a defesa não é a melhor forma de combater a violência de gênero e que decidir se a tese é ou não cabível deveria ser atribuição dos jurados e apenas diante de um caso concreto



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