Sobrevivente da Chacina do Benfica tenta reconstruir a vida
Professor foi baleado na cabeça, passou 50 dias internado e carrega sequelas físicas, além do trauma psicológico. Ajudado principalmente por familiares - que também tiveram de alterar a rotina - o jovem cobra apoio do Estado
Os tiros efetuados no bairro Benfica, em Fortaleza, na noite de 9 de março do ano passado, ceifaram a vida de sete pessoas. Mas também viriam a alterar drasticamente o dia a dia de mais pessoas. Uma delas é o professor Paulo Victor Policarpo, de 27 anos, alvejado na cabeça. Depois de 50 dias internado no hospital, ele tenta reconstruir a vida.
Paulo Victor não lembra de tudo que aconteceu naquele trágico dia. Recorda que estava com cerca de 12 amigos para se despedir de um colega que ia morar em outra cidade e foi parar no Bar da Loura, na Praça da Gentilândia, porque o estabelecimento desejado pelo grupo estava fechado. E, depois disso, apenas alguém dizendo "não se mexa, fique parado, o socorro vai chegar".
Criminosos atiraram para todos os lados, sem distinção, em meio a uma multidão. De lá, o professor foi levado ao Instituto Doutor José Frota (IJF). Ficou entre a vida e a morte. Até receber alta médica e voltar para casa.
No convívio com os familiares, ele luta diariamente para recuperar a locomoção. A capacidade de se alimentar e o raciocínio lógico já foram retomados; a visão, nem tanto. Uma vida distante daquela que levava como estudante assíduo - graduado em Letras, mestrando na área e aprovado em seleção pública para professor substituto na Universidade Estadual do Ceará (Uece) poucos dias antes de sofrer um tiro na cabeça.
"Eu tenho uma ossificação grande no quadril, que me impede de andar. Eu ainda sinto dores. Estou numa cadeira de rodas, completamente dependente da minha família. Não estou enxergando perfeitamente, não consigo ler um livro, não consigo estudar nem trabalhar", relatou, em entrevista ao Sistema Verdes Mares (SVM) na manhã de ontem.
O sobrevivente da Chacina cobra o Estado por apoio e pensa em entrar com uma ação judicial.
Eu me sinto muito frustrado, é ultrajante! Você é colocado numa condição de que a vida não vale nada. Quem sabe se eu vou conseguir voltar a trabalhar, a estudar?! Eu não tenho garantias de nada. O Estado é omisso, nada foi feito"
Resposta
O Governo do Estado, em nota, respondeu que criou, em janeiro de 2019, a Secretaria de Proteção Social, Justiça, Mulheres e Direitos Humanos (SPS) para atuar no atendimento de vítimas e familiares de episódios como a Chacina do Benfica. "A SPS esclarece que os familiares das vítimas fatais do caso foram contactados à época pelas equipes técnicas do Centro de Referência às Vítimas de Violência (CRAVV), instância então vinculada à Secretaria da Justiça e Cidadania (Sejus). Algumas famílias recusaram o acompanhamento e outras receberam o atendimento".
Apenas dois suspeitos de cometerem os assassinatos foram presos, em mais de um ano. Apesar das detenções, Paulo Victor não sente que a justiça foi feita.
Não me alivia, porque não resolve meu problema. O sentimento de Justiça é quando eu voltar minha vida normal, retomar minhas atividades".
O tiro na cabeça alterou a vida dos familiares do professor também. "Depois que aconteceu isso, nossa vida mudou completamente. Eu fiquei trabalhando só até ele sair da UTI e depois pedi demissão. Aqui, a gente faz uma força-tarefa para dar atenção a ele. O pai dele ficou trabalhando como autônomo, só sai depois que a gente banha, dá os remédios. Minha filha de 16 anos realiza os exercícios com ele. A gente faz o que pode para ele se sentir bem, mas para ele é difícil, muita coisa mudou", relata a mãe, Valceli Policarpo.
Alvejado na cabeça no episódio que ficou conhecido como a Chacina do Benfica, Paulo Victor Policarpo escapou da morte, mas ainda sofre com dores e limitações