Saiba como policiais militares irão registrar TCOs digitais no Ceará; medida divide instituições policiais

PMs são treinados para realizar a lavratura dos documentos de dentro da viatura, a partir dos próximos dias. Atividade era restrita a policiais civis no âmbito estadual

O Termo Circunstanciado de Ocorrência passará a ser lavrado de dentro das viaturas da Polícia Militar, no Ceará
Legenda: O Termo Circunstanciado de Ocorrência passará a ser lavrado de dentro das viaturas da Polícia Militar, no Ceará
Foto: Divulgação/ SSPDS

A Polícia Militar do Ceará (PMCE) começará a registrar Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCO) digitais nos próximos dias, como antecipou o governador Elmano de Freitas (PT), em entrevista ao Sistema Verdes Mares, na última quinta-feira (26). A medida, que antes se restringia à Polícia Civil do Ceará (PCCE) em âmbito estadual, dividiu a opinião de instituições policiais no Estado.

Questionada pela reportagem sobre detalhes do projeto, a PMCE revelou, em nota, que "o marco se deu com apoio da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), que disponibilizou o sistema Procedimento Policial Eletrônico (PPE) e treinamento aos policiais militares. Os TCOs serão lavrados por meio de ferramenta eletrônica e disponibilizados para as partes envolvidas e Justiça através de links".

Já o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) informou que a Corregedoria-Geral da Justiça atendeu um pedido do Comando-Geral da Polícia Militar do Ceará, no dia 22 de novembro último, e autorizou a lavratura de TCOs por meio digital, o que possibilitará às partes envolvidas o registro do comparecimento por assinatura digital ou até gravação audiovisual. Segundo o governo Elmano, os policiais militares irão lavrar o TCO de dentro da viatura e já enviarão o documento direto para o Juizado Especial.

A desembargadora Maria Edna Martins considerou, na decisão, que os princípios norteadores dos Juizados Especiais são "especialmente os da oralidade, simplicidade e informalidade" e autorizou que os TCOs podem ser lavrados com "a) assinatura digital do autor do fato via plataforma gov.br no sistema PPE; ou b) registro audiovisual do compromisso no sistema PPE, nos casos em que não for possível a coleta da assinatura digital".

A Polícia Militar acrescentou que "designou uma comissão, composta por oficiais e praças, para preparar e realizar todos os procedimentos necessários à execução do projeto de implantação ainda em 2024 e expansão em 2025. Além das atividades administrativas e operacionais conduzidas por essa equipe, também foram realizadas visitas a outras Polícias Militares do Brasil que já lavram o TCO há anos, como às de Santa Catarina, Goiás e Piauí."

Segundo a PMCE, "mais de 18 Polícias Militares no Brasil fazem esse procedimento e as demais estão se organizando para implantar". A Corporação espera capacitar todo o efetivo policial para registrar o procedimento em 2025, "com o fim de avançar no processo de implantação em todo o Estado". 

O objetivo da PMCE é, cada vez mais, seguir as diretrizes governamentais, especialmente no campo da cooperação mútua e integrada com todos os órgãos de segurança pública, bem como, levar à população cearense segurança pública de qualidade e de resultados sólidos e perenes."
Polícia Militar do Ceará
Em nota

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Medida divide opinião de instituições policiais

O Diário do Nordeste procurou instituições representativas de policiais civis e militares do Ceará para opinar sobre a lavratura de TCOs por PMs e recebeu as respostas de três instituições.

A Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará (Adepol-CE) se posicionou contrária ao registro de TCOs por policiais militares. "A Adepol acha que isso é uma invasão das atribuições da Polícia Judiciária. A gente não vai, se necessário for, dar continuidade a um trabalho inicialmente feito pela Polícia Militar", apontou o presidente da Associação, o delegado Jaime Paula Pessoa Linhares.

No dia 26 de setembro deste ano, a Adepol enviou um requerimento ao secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, Roberto Sá, para pedir informações claras "sobre a regulamentação da lavratura de Termos Circunstanciados de Ocorrência pela Polícia Militar" e solicitar "que qualquer regulamentação nesse sentido não atribua à Polícia Civil qualquer responsabilidade sobre guarda de bens apreendidos e continuidade procedimental".

Ao reduzir o Termo Circunstanciado de Ocorrência a uma mera peça narrativa de um fato que, em tese, constitua crime de menor potencial ofensivo, retirando-lhe sua natureza investigativa, o que, por conseguinte, estende a atribuição de sua lavratura a outras instituições policiais, conclui-se que o STF não conferiu poderes investigativos à Polícia Militar. Ao contrário, ratificou-se a atribuição investigativa exclusiva à Polícia Judiciária."
Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará
Em documento enviado à SSPDS

Entretanto, o documento não foi respondido pela SSPDS, após 90 dias. "Lamentamos a falta de diálogo e de respostas ao nosso questionamento", conclui o delegado Jaime Paula Pessoa Linhares.

A Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (Assof-CE) se posicionou favorável à medida. A Instituição acredita que a atividade irá proporcionar uma maior agilidade no atendimento das ocorrências, presença policial - com a redução de deslocamentos -, integração e cooperação, além de eficiência operacional.

Segundo a Assof-CE, a eficiência da medida foi "comprovada em outros 19 estados brasileiros como Santa Catarina, Goiás, Paraná, Piauí e Alagoas, onde a Polícia Militar já realiza a lavratura de TCOs no local dos fatos, além da própria Polícia Rodoviária Federal, garantindo maior agilidade e eficiência na atuação policial".

A ASSOF-CE acredita que a medida, além de constitucional, é um avanço para a Segurança Pública do Ceará, promovendo um modelo mais eficiente e integrado de atendimento ao cidadão, ao mesmo tempo em que fortalece a atuação conjunta das forças de segurança. Reiteramos nosso compromisso com a eficiência, legalidade e transparência, e reafirmamos o apoio ao Governador Elmano de Freitas, à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) na implementação total desta importante iniciativa."
Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará
Em nota

Já o presidente da Associação dos Profissionais de Segurança (APS), cabo Cleyber Araújo, ponderou que "o Termo Circunstanciado de Ocorrência apresenta pontos positivos e negativos para os policiais militares". "De um lado, a possibilidade de realizar o TCO aumenta a autonomia dos policiais, agiliza o atendimento de ocorrências em regiões afastadas, como destacamentos situados a mais de 50 km de uma delegacia, e facilita o trabalho em horários críticos, como durante a madrugada, quando muitas vezes é necessário buscar uma delegacia plantonista aberta. Essa atribuição poderia representar um avanço na eficiência e no atendimento à população", apresenta.

Por outro lado, essa nova responsabilidade implica um aumento significativo na carga de trabalho dos policiais, que já enfrentam jornadas exaustivas e condições adversas. O maior problema, entretanto, é que essa tarefa adicional não é acompanhada de valorização profissional, reconhecimento ou reajustes salariais. Os policiais militares, que já recebem salários abaixo do ideal e enfrentam desafios estruturais, podem se sentir ainda mais desmotivados e sobrecarregados."
Cabo Cleyber Araújo
Presidente da Associação dos Profissionais de Segurança (APS)

Segundo Araújo, a maior preocupação da Associação é que "a implementação dessa nova função sem a contrapartida de melhorias salariais ou incentivos adequados aprofunde o grau de insatisfação da categoria". "A falta de valorização gera um cenário de frustração, colocando em risco não apenas a qualidade do serviço prestado, mas também o bem-estar dos profissionais que estão na linha de frente", completou.

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