Governador anuncia que policiais militares começarão a registrar TCOs no Ceará
A atividade, em âmbito estadual, era realizada apenas por policiais civis. A Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará se posicionou contrária à medida, enquanto a Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros é favorável à mudança
O governador Elmano de Freitas (PT) anunciou, em entrevistas ao Sistema Verdes Mares, nesta quinta-feira (26), que os policiais militares começarão a registrar Termos Circunstanciados de Ocorrência (TCOs), de dentro das viaturas, no Ceará. A atividade, em âmbito estadual, era realizada apenas por policiais civis.
"No ponto de vista digital, isso está absolutamente resolvido. Tem uma determinação do Poder Judiciário de que se adote essa prática. Não há obrigatoriedade de ter que ser o policial civil. Isso pode ser feito pelo policial militar, do ponto de vista legal", explicou Elmano, na Live PontoPoder.
Elmano afirmou que o projeto 'TCO Digital' será lançado pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), com apoio do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), nos próximos dias, mas não antecipou a data e o valor investido pelo Estado. Segundo o chefe do Executivo, os PMs já foram treinados e as autoridades cearenses visitaram, nos últimos meses, os estados de Goiás e Santa Catarina, que já implantaram a medida.
"Eu tenho impressão que nosso ganho é muito importante. É só você imaginar um distrito no Interior. Duas pessoas começam a discutir, se chama a Polícia. A viatura da cidade vai até um distrito, a 20 km. No projeto que vamos implementar, o policial chega, toma conhecimento da ocorrência, já faz o TCO, já fica marcado e é enviado para o Poder Judiciário, que vai marcar uma audiência para um certo dia", exemplifica Elmano.
Conforme o governador, "no modelo atual, a Polícia Militar tem que pegar esses dois cidadãos, colocar na viatura, trazer para a cidade a 20 km, esperar que o delegado não tenha saído para alguma diligência. Se tiver saído, tem que esperar o delegado chegar, para ele fazer um TCO, que é fundamentalmente ouvir as pessoas e marcar uma audiência no Juizado Especial".
O chefe do Executivo acredita que a medida será benéfica também para os policiais civis: "Efetivamente, o modelo que vamos implementar melhora muito. Primeiro, porque especializa o policial civil naquilo que é mais importante, que é estar investigando facção, tráfico de drogas, gente perigosa, para localizar e prender".
A SSPDS já havia divulgado, em seu site, no dia 8 de novembro último, que oficiais da Polícia Militar do Ceará (PMCE) tinham realizado visita técnica à Polícia Militar do Piauí (PMPI) para trocar informações sobre o registro de TCOs. Segundo a Secretaria, a PMPI já realiza a atividade desde dezembro de 2018, enquanto a PMCE criou uma Comissão para Organização, Planejamento e Coordenação das Atividades Necessárias à Implantação do Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) na Polícia Militar do Ceará, em agosto deste ano.
Veja também
O que dizem as instituições policiais?
A Associação dos Delegados de Polícia Civil do Ceará (Adepol-CE) se posicionou contrária ao registro de TCOs por policiais militares. "A Adepol acha que isso é uma invasão das atribuições da Polícia Judiciária. A gente não vai, se necessário for, dar continuidade a um trabalho inicialmente feito pela Polícia Militar", apontou o presidente da Associação, o delegado Jaime Paula Pessoa Linhares.
No dia 26 de setembro deste ano, a Adepol enviou um requerimento ao secretário da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará, Roberto Sá, para pedir informações claras "sobre a regulamentação da lavratura de Termos Circunstanciados de Ocorrência pela Polícia Militar" e solicitar "que qualquer regulamentação nesse sentido não atribua à Polícia Civil qualquer responsabilidade sobre guarda de bens apreendidos e continuidade procedimental".
Ao reduzir o Termo Circunstanciado de Ocorrência a uma mera peça narrativa de um fato que, em tese, constitua crime de menor potencial ofensivo, retirando-lhe sua natureza investigativa, o que, por conseguinte, estende a atribuição de sua lavratura a outras instituições policiais, conclui-se que o STF não conferiu poderes investigativos à Polícia Militar. Ao contrário, ratificou-se a atribuição investigativa exclusiva à Polícia Judiciária."
Entretanto, o documento não foi respondido pela SSPDS, após 90 dias. "Lamentamos a falta de diálogo e de respostas ao nosso questionamento", conclui o delegado Jaime Paula Pessoa Linhares.
A Adepol-CE se apoia no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a atribuição para lavrar Termo Circunstanciado de Ocorrência é da Polícia Judiciária, feita no julgamento Ação Direita de Inconstitucionalidade nº 3.614 do Paraná, de 20 de setembro de 2007.
Em 22 de fevereiro de 2023, o STF emitiu uma Decisão Vinculante sobre um pedido da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) pela inconstitucionalidade do registro de TCOs por policiais militares. "O Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) não possui natureza investigativa, podendo ser lavrado por integrantes da polícia judiciária ou da polícia administrativa", concluiu o Supremo, ao rejeitar o pedido.
Já a Associação dos Oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (Assof-CE) se posicionou favorável à medida. A Instituição acredita que a atividade irá proporcionar uma maior agilidade no atendimento das ocorrências, presença policial - com a redução de deslocamentos -, integração e cooperação, além de eficiência operacional.
Segundo a Assof-CE, a eficiência da medida foi "comprovada em outros 19 estados brasileiros como Santa Catarina, Goiás, Paraná, Piauí e Alagoas, onde a Polícia Militar já realiza a lavratura de TCOs no local dos fatos, além da própria Polícia Rodoviária Federal, garantindo maior agilidade e eficiência na atuação policial".
A ASSOF-CE acredita que a medida, além de constitucional, é um avanço para a Segurança Pública do Ceará, promovendo um modelo mais eficiente e integrado de atendimento ao cidadão, ao mesmo tempo em que fortalece a atuação conjunta das forças de segurança. Reiteramos nosso compromisso com a eficiência, legalidade e transparência, e reafirmamos o apoio ao Governador Elmano de Freitas, à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) na implementação total desta importante iniciativa."
O presidente da Associação dos Profissionais de Segurança (APS), cabo Cleyber Araújo, ponderou que "o Termo Circunstanciado de Ocorrência apresenta pontos positivos e negativos para os policiais militares". "De um lado, a possibilidade de realizar o TCO aumenta a autonomia dos policiais, agiliza o atendimento de ocorrências em regiões afastadas, como destacamentos situados a mais de 50 km de uma delegacia, e facilita o trabalho em horários críticos, como durante a madrugada, quando muitas vezes é necessário buscar uma delegacia plantonista aberta. Essa atribuição poderia representar um avanço na eficiência e no atendimento à população", apresenta.
Por outro lado, essa nova responsabilidade implica um aumento significativo na carga de trabalho dos policiais, que já enfrentam jornadas exaustivas e condições adversas. O maior problema, entretanto, é que essa tarefa adicional não é acompanhada de valorização profissional, reconhecimento ou reajustes salariais. Os policiais militares, que já recebem salários abaixo do ideal e enfrentam desafios estruturais, podem se sentir ainda mais desmotivados e sobrecarregados."
A reportagem procurou outras instituições representativas de policiais civis e militares do Ceará sobre a lavratura de TCOs por PMs, mas não recebeu mais respostas, até a publicação desta matéria. O texto será atualizado, caso as respostas sejam recebidas.