Polícia investiga denúncia de violência sexual contra irmãs autistas em escola municipal de Fortaleza

O suspeito, que seria um funcionário terceirizado da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEF) Gabriel Cavalcante, no Presidente Kennedy, também teria ameaçado as crianças

Escrito por Luana Severo , luana.severo@svm.com.br
Mão de criança
Legenda: As irmãs ficaram tristes e agressivas antes de uma delas conseguir contar para a mãe a agressão sofrida no banheiro da escola
Foto: Shutterstock

Duas irmãs, ambas de 11 anos, e com transtorno do espectro autista (TEA), teriam sido vítimas de violências sexuais e ameaças em uma escola pública de Fortaleza, no bairro Presidente Kennedy. Segundo a mãe das crianças, autora da denúncia à Polícia, o suspeito seria um funcionário da instituição.

De acordo com o boletim de ocorrência sobre o caso, registrado no último 14 de maio, as meninas foram abordadas por um servidor terceirizado da Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental (EMEIEF) Gabriel Cavalcante, que, com a promessa de "doces", as aliciou para um dos banheiros da unidade, onde forçou relações sexuais com as duas e as ameaçou com uma faca se contassem para alguém o que tinha acontecido.

O caso só chegou ao conhecimento da mãe, que terá sua identidade preservada, no último dia 7, quando uma das filhas decidiu revelar os abusos sofridos por ela e a irmã. "Foi um choque. Senti o chão abrir debaixo dos meus pés. Uma sensação de ser inútil, de não estar lá na hora para acabar com a raça desse desgraçado", desabafou a familiar.

Conforme os relatos das crianças à mãe, os crimes foram cometidos entre março e abril. Com medo das intimidações do criminoso, elas, inicialmente, guardaram o segredo, mas, como tradicionalmente ocorre em casos de violência sexual infanto-juvenil, aos poucos, as pequenas mudaram de comportamento, o que preocupou a família.

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'Não toque em mim'

Como são autistas, as irmãs "têm um comportamento diferente das outras crianças", lembra a mãe. Por isso, segundo ela, inicialmente, as mudanças de postura das filhas não chamaram tanto a atenção da família. Foi percebido que alguma coisa estava errada somente quando uma das meninas apresentou uma piora drástica.

Segundo a mãe, a filha chegava todos os dias da escola com febre e dores de cabeça muito intensas, mas não falava a razão. A criança teria sido avaliada, inclusive, por médicos, em um posto de saúde, mas não houve diagnóstico de nenhuma doença. E, conforme os dias iam passando, ela se tornava mais calada e agressiva, até que começou a se isolar e a não querer mais conversar com ninguém ou mesmo brincar e assistir à televisão. Preferia se trancar no quarto e se esconder atrás das portas.

"Elas têm uns movimentos devido ao autismo, de ficarem se balançando. Ela começou a fazer o dia todo. E, nesse movimento, começou a fazer hematomas pelo corpo", relatou a mãe. O quadro ficou ainda mais grave quando a menina decidiu parar de se alimentar. "Ela já tem dificuldade de comer, tem uma seletividade, mas foi parando de comer totalmente, e de beber água. Foi começando a definhar. Não falava para a gente por que estava chorando. A outra [criança] também foi ficando triste. Elas foram perdendo o interesse nas coisas. Não queriam sair, não queriam brincar, ficavam chorando, e começaram a ter pesadelos", continuou a mulher.

Dentro de casa, as meninas começaram a ter crises cada vez mais severas, especialmente na hora do banho, quando não deixavam que figuras como a mãe e a avó tocassem em seus corpos para lavar regiões íntimas. "Ficavam: 'Não toque em mim!'. Não queriam nem que a gente olhasse para elas. [...] Elas perderam confiança".

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'Um homem, mamãe, um homem da escola'

Diante do comportamento das crias, que piorava sempre que elas tinham de ir para a escola, a mãe decidiu deixá-las faltarem às aulas. "Elas chegavam a cravar as unhas no meu pescoço. Tinha dias que eu nem deixava elas irem, deixava faltarem", disse a mulher. Ela afirmou ainda que comunicou à gestão escolar que as meninas iriam se afastar. "A gente deixou de levar. Elas ficaram extremamente doentes, uma delas só está pesando 20 quilos. Depois de toda essa crise, de mudança de comportamento, de autoagressão, isolamento, de ter pânico de conversar com as pessoas", acrescentou a mãe.

Até que, na noite de 7 de maio, quando estava se preparando para dormir, uma das filhas decidiu revelar o motivo do comportamento: "Ela veio chorando, falando: 'Mamãe, me desculpa, por favor. Eu não queria, a culpa não foi minha. Me perdoa'. Eu comecei logo a ficar desesperada, chorando, a avó delas também, e ela contou: 'Um homem, mamãe, um homem da escola ofereceu doce para mim e para minha irmã. Chamou a gente em troca do doce para o banheiro'. E ela começou a me contar o que ele tinha feito".

Ouvidas as cenas de extrema violência, contadas na ingenuidade de quem não entendeu direito o que aconteceu, a mãe decidiu procurar as autoridades policiais. "Procurei as autoridades, comuniquei, fiz a denúncia", garantiu. As meninas, então, foram encaminhadas para exames no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), e tiveram de tomar medicações profiláticas. "Me decepcionei foi com a escola. Fui relatar, apresentei o B.O, a escola falou para mim que daria todo o apoio, mas não é isso o que está acontecendo. Em nenhum momento, a diretora quis acreditar", criticou a mãe.

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Investigações

O "possível caso de estupro de vulnerável" é investigado pela Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca). Em nota, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informou que o crime foi registrado no dia 14 de maio e que a unidade ainda "realiza oitivas e diligências com o intuito de elucidar o caso".

Nesta segunda-feira (27), dois dias após o envio do comunicado, o Diário do Nordeste voltou a procurar a pasta, que afirmou apenas que não há atualizações.

Enquanto isso, a mãe das crianças relata que a família teme sair de casa, por achar que o agressor sexual pode cumprir a promessa que fez às meninas, de matá-las ou feri-las por terem exposto a história.

crianças autistas vítimas de abuso
Legenda: O caso só chegou ao conhecimento da mãe, que terá sua identidade preservada, no último dia 7, quando uma das filhas decidiu revelar os abusos sofridos por ela e a irmã
Foto: Shutterstock

O Diário do Nordeste também procurou a Secretaria Municipal da Educação (SME) para tratar do assunto. Em nota, a pasta disse que "acompanha, junto à família das crianças, todos os encaminhamentos dados diante da grave denúncia" e que acionou os órgãos competentes, como Conselho Tutelar, Rede Aquarela, Dceca e Guarda Municipal.

"Logo que a família trouxe a denúncia à escola, foi acionada a Comissão de Proteção e Prevenção à Violência Contra a Criança e o Adolescente, existente em todas as unidades municipais de educação de Fortaleza. Escutas qualificadas estão sendo realizadas junto aos agentes da Célula de Mediação Social e Cultura de Paz da SME. Esta medida tem como objetivo o acolhimento das crianças e seus familiares, bem como orientá-los. A SME reitera que preza pela integridade física e moral da comunidade escolar. Repudiamos quaisquer atos que infrinjam o direito da criança e do adolescente", concluiu a secretaria, afirmando, ainda, que "realiza uma apuração interna" sobre o fato.

A pasta, contudo, não informou qual exatamente é o vínculo do funcionário denunciado com a escola, nem se ele foi afastado de suas atividades.

Violência sexual infanto-juvenil: escolas devem estar preparadas para lidar com a situação

Por ser um dos principais locais de proteção para crianças e adolescentes, e por ser um espaço em que elas passam uma considerável parte do dia, as escolas devem estar preparadas não só para prevenir esse tipo de violência como, também, para lidar com a situação e apoiar as vítimas caso o crime venha a ser cometido.

"Não só no ambiente escolar, mas, na vida como um todo, quando a gente discute o tema, a orientação é falar sobre. É uma forma de prevenir", entende a coordenadora do Núcleo de Atendimento do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE), Aurislane Abreu. 

Segundo a profissional, além de trabalhar o assunto didaticamente, em uma linguagem e uma metodologia apropriada para o público dessa faixa etária, é preciso envolver os demais colaboradores da comunidade escolar para que eles estejam aptos a identificar, intervir e fazer os encaminhamentos necessários caso a violência se concretize. "Se o ambiente escolar está minimamente preparado para prevenir esse tipo de situação ou para lidar, acaba reduzindo as possibilidades [de violência]", acredita Aurislane.

Devido ao tipo de crime e à sensibilidade da faixa etária, que está em pleno desenvolvimento físico e mental, a escola deve saber, também, reparar o dano causado à vítima.

A depender do nível [da violência], a criança vai precisar de um atendimento de saúde [física] ou de saúde mental. A família também precisa ser acolhida e orientada. O processo da denúncia, depois que você denuncia uma violência como essa, é bem longo, até existir uma responsabilização. Por isso, precisa se pensar no acompanhamento da vítima e no suporte à família. [...] A escola tem um papel que é administrativo. A Secretaria da Educação tem o papel de colher as informações e, de alguma forma, responsabilizar administrativamente [o agressor], encaminhar para órgãos que possam fazer a investigação, que é fora da escola. Sem desconsiderar a importância desse 'miúdo' da perspectiva de cuidar e de tentar reparar a violência que aquela criança sofreu".
Aurislane Abreu
Coordenadora do Núcleo de Atendimento do Cedeca-CE

Aurislane ressalta ainda que o cuidado é necessário porque a violência sexual infanto-juvenil pode causar danos a longo prazo. "Seja para quem for, a violência sexual é extremamente dolorosa, mas a gente fala desse cuidado porque pode impactar. Como a criança está em desenvolvimento, pode impactar pelo resto da vida dela. Na dimensão afetiva, sexual, em como ela vai se comportar, na geração de confiança que vai passar a ter com outras pessoas, no próprio desenvolvimento dela na aprendizagem", disse.

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