Migração de lideranças de grupos rivais: entenda o crescimento da facção Massa Carcerária no Ceará nos últimos anos

Um ex-integrante da facção Guardiões do Estado, que 'rasgou a camisa' para virar um chefe da Massa, foi preso pela Polícia Civil, em Fortaleza

A Polícia cearense mapeou os líderes das facções que 'rasgaram a camisa' (ou seja, que trocaram de grupo criminoso) e fortaleceu as buscas pelos criminosos, nos últimos anos
Legenda: A Polícia cearense mapeou os líderes das facções que 'rasgaram a camisa' (ou seja, que trocaram de grupo criminoso) e fortaleceu as buscas pelos criminosos, nos últimos anos
Foto: Divulgação/ SSPDS

A facção de origem cearense Massa Carcerária (também conhecida como 'Neutros') foi o grupo criminoso que mais cresceu no Ceará, nos últimos anos. Um dos motivos para o crescimento foi a migração de lideranças de outras facções, tanto do Comando Vermelho (CV) como dos Guardiões do Estado (GDE), que levaram outros integrantes para a Massa.

O surgimento da nova facção, em 2021, intensificou os conflitos por territórios para o tráfico de drogas, no Estado. Em contrapartida, a Polícia cearense mapeou os líderes das facções que "rasgaram a camisa" (ou seja, que trocaram de grupo criminoso) e fortaleceu as buscas pelos criminosos, nos últimos anos. Um deles foi capturado pela Polícia Civil do Ceará (PCCE), na última sexta-feira (3).

A reportagem apurou que José Neuton Justino Barbosa Filho, conhecido como 'Neutinho' ou 'NT', de 33 anos, foi detido por força de um mandado de prisão preventiva, no bairro Ancuri, em Fortaleza. Sem divulgar o nome do preso, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) informou que "o alvo é chefe de um grupo criminoso e responsável por crimes contra um grupo criminoso rival".

Ainda conforme os levantamentos policiais, o homem possui passagens por crimes de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, integrar grupo criminoso e crime contra a Administração Pública. Após a prisão, o indivíduo foi conduzido para uma unidade policial, onde a ordem judicial foi cumprida. Agora, o homem encontra-se (à) disposição do Poder Judiciário."
Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS)
Em publicação

José Neuton e Miler Almeida de Oliveira, o 'Mineral', 28, foram acusados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) pelo crime de integrar organização criminosa, no dia 31 de maio de 2024. A Vara de Delitos de Organizações Criminosas, da Justiça Estadual, recebeu a denúncia e os acusados viraram réus, no dia 20 de junho seguinte.

Conforme a denúncia do MPCE, que se baseou em um relatório da Polícia Civil, 'NT' e 'Mineral' eram integrantes da facção GDE e "rasgaram a camisa" para virarem chefes da Massa Carcerária na Comunidade do Jagatá e nas proximidades, no bairro Jangurussu, em Fortaleza. A dupla teria liderado o novo grupo criminoso no combate com antigos comparsas e com o Comando Vermelho, na disputa por território para o tráfico de drogas, na região.

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Como se deu a migração das lideranças

Outra denúncia do Ministério Público, apresentada à Vara de Delitos de Organizações Criminosas no dia 14 de julho de 2023, aponta que 'NT', 'Mineral' e mais quatro acusados "rasgaram a camisa" da facção Guardiões do Estado e migraram para a Massa Carcerária. Outros líderes da GDE e integrantes dos seus grupos também acompanharam o movimento, motivados por uma briga interna na facção cearense.

Conforme informações constantes nos autos, os denunciados, até poucos dias antes do flagrante, eram integrantes da organização criminosa Guardiões do Estado – GDE e, devido à determinação de lideranças de dentro do sistema penitenciário (por conta do atentado sofrido por uma liderança conhecida como Celino do Barroso), passaram a integrar a facção Massa Carcerária/ Tudo Neutro. Dentre os infratores, há diferentes funções desempenhadas na organização criminosa, especialmente voltadas para o comércio de drogas, além de suspeita em participação na execução de pessoas que não cumpram às 'regras' impostas pela facção na comunidade, execução de membros de facções rivais etc."
Ministério Público do Ceará
Em denúncia

Entretanto, a denúncia contra os seis acusados por integrar organização criminosa foi rejeitada pela Vara de Delitos de Organizações Criminosas, no dia 29 de agosto de 2023, por falta de provas. O processo foi transferido para a 6ª Vara Criminal de Fortaleza, que recebeu a denúncia apenas pelo crime de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido.

O documento do Ministério Público revelou a informação que houve uma cisão na facção GDE por ordem oriunda do Sistema Penitenciário, motivada por um ataque sofrido por 'Celino do Barroso'. Outro trecho da denúncia detalha que o preso em questão é Auricélio Sousa Freitas, que também carrega o apelido de 'Celim da Babilônia' e era apontado pelas autoridades cearenses como um dos principais líderes e conselheiro dos Guardiões do Estado.

Lideranças da facção Comando Vermelho também "rasgaram a camisa" para migrar para a Massa Carcerária. Um "salve" (mensagem de ordem) assinado pela Massa, disparado no dia 15 de maio de 2021, justifica a criação da organização criminosa por "descontentamento" com o CV. Os motivos apresentados pela Massa, segundo o MPCE, foram "o abandono quando os membros estão presos, o derramamento de sangue inocente, a perseguição a família, 'perda de área', dentre outros".

O Comando Vermelho, por sua vez, "lançou uma lista de pessoas que se organizaram para formar uma outra facção, 'traindo' o CV. Nesse informativo, são apontados os nomes dos dissidentes (que possuem posição de liderança nas respectivas áreas de atuação criminosa) e dito que serão 'cobrados' severamente pela traição, penalizando com a morte daqueles que 'rasgarem a camisa do CV'", conforme a denúncia.

Uma fonte da Inteligência da SSPDS, de identidade preservada, afirma que a Massa atraiu membros do CV e da GDE que tinham o objetivo de dar "uma trégua" na rivalidade e na matança que existia entre as duas facções, há anos, no Ceará. "Essa 'neutralidade' levou alguns a pensarem que as disputas estariam extintas definitivamente. No entanto, isso é um 'paiol de pólvora' prestes a estourar a qualquer momento", completa o policial.

"Um indivíduo que foi da facção X matou um sujeito da facção Y. O tempo passou e hoje esse homem, que antes era X, agora é Massa e está ladeado do irmão/filho/amigo da vítima que ele matou/ajudou a matar. Considerando que esses criminosos não economizam em perversidade e são extremamente violentos, pode-se acreditar que essa conta nunca será cobrada? A resposta já temos aí, com os indicadores mostrando que essa 'pacificação' é uma ilusão", exemplifica a fonte, referindo-se ao aumento de homicídios em 2024.

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