"Dor não passa", diz parente de reféns mortos em Milagres; tragédia completa 3 anos sem julgamento
Os policiais militares denunciados no caso permanecem afastados do serviço, conforme a CGD
A madrugada do dia 7 de dezembro de 2018 é uma das mais trágicas da história do Ceará. Há três anos, uma intervenção policial a ataques a bancos na cidade de Milagres, Interior do Ceará, deixava 14 mortos, sendo seis reféns. Cinco deles amigos e familiares de Regina Magalhães, que até hoje aguarda punição para os envolvidos enquanto diz já não saber mais "se a Justiça será feita ou não".
A ação penal que envolve 19 PMs denunciados pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) foi movimentada pela última vez há pouco mais de dois meses. Anteriormente, em setembro deste ano, uma decisão apontou que "os agentes assumiram conscientemente o risco de produzir as mortes ao efetuarem três dezenas de tiros de fuzis contra pessoas indefesas, que tentavam se abrigar por trás de um poste".
De acordo com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o processo está em andamento. Não há data prevista para designação de audiência de instrução e julgamento. O TJ não informou a situação de cada um dos réus.
Já a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) informa que os policiais militares envolvidos no caso ocorrido no município de Milagres "encontram-se afastados do serviço operacional desde o referido episódio".
Os processos disciplinares para apuração na seara administrativa dos profissionais envolvidos na ocorrência encontram-se na fase de instrução processual, conforme portarias publicadas no Diário Oficial.
VIDA APÓS AS PERDAS
Na semana passada, Regina viu o sobrinho de 10 anos participar dos jogos escolares e ganhar a competição. O menino decidiu dedicar a vitória ao irmão Vinícius Magalhães, em quem se inspirava. Vinícius, 14, o pai e empresário João Batista Magalhães,46; a cunhada de João, Claudineide Campos, 41; acompanhada do marido, Cícero Tenório, 60, e do filho Gustavo Tenório, de 13 anos, eram reféns e foram mortos em 7 de dezembro de 2018.
"É muito triste ver uma criança que tinha um pai maravilhoso passar por tanta dor com apenas 10 anos. Espero em Deus que a vida não tire mais nada dele e que o fortaleça a cada dia. Uma dor imensurável que nunca vai passar. Sempre é uma tristeza acordar todos os dias e ter que renovar essa ausência. Foram cinco vidas arrancadas de nós da forma mais triste e cruel", desabafa Regina.
"Eu soube que tinham policiais envolvidos pelas reportagens mesmo. Não sei se a Justiça aqui será feita, e se houver não trará eles de volta. Mas espero que os responsáveis sejam realmente punidos e suas consciências doam pra nunca mais ninguém ter que passar por isso"
Questionada sobre se em algum momento recebeu apoio por parte do Governo do Ceará, Regina fala que cinco meses após a chacina a família recebeu uma ligação com oferta de apoio psicológico por teleconferência. "Dispensamos. Meses depois? Demorou. Quem tivesse de pirar já tinha pirado naquele momento, mas graças a Deus, temos uma base muito fortalecida na fé e Deus nos sustentou. Ele nos sustenta até hoje, é nosso apoio, nossa fortaleza".
O advogado das famílias das vítimas, Estefferson Nogueira, diz que está em fase de conclusão o processo cível movido contra o Estado do Ceará. Conforme a acusação, os familiares aguardam ansiosamente uma reparação mínima dos danos. "Causa-nos surpresa que até o momento o Estado não trouxe nenhuma proposta de acordo. As famílias estão desamparadas e aguardam por Justiça", destaca o advogado.
DENÚNCIA
Além dos militares, também foi denunciado o vice-prefeito de Milagres, Abraão Sampaio de Lacerda. A acusação foi ofertada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) em abril de 2019 e aceita pela Justiça no mês seguinte. Em 17 de setembro de 2019, a Justiça proferiu decisão determinando a proibição dos policiais de realização de serviço externo ou ostensivo e de participação em operações policiais.