De fraude a estupro: empresário suspeito de assediar funcionárias em Fortaleza é indiciado pela PC
A defesa foi procurada pela reportagem e disse que irá prestar os esclarecimentos necessários em “oportuno tempo”
Estupro, importunação sexual, assédio sexual, violência psicológica, fraude processual, constrangimento ilegal e coação no curso do processo. Todos esses crimes são atribuídos ao empresário e administrador de uma empresa do ramo de panificação em Fortaleza, Francisco Lopes Pinheiro Filho, 56, indiciado pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) na última semana.
O relatório, obtido pelo Diário do Nordeste, e assinado na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Fortaleza, foi concluído após testemunhas e vítimas que estiveram como funcionárias no estabelecimento contarem com detalhes às autoridades como os abusos aconteciam dentro da empresa. As autoridades têm conhecimento de que pelo menos cinco mulheres foram vítimas de Lopes.
A reportagem entrou em contato com o indiciado, que disse que iria se pronunciar por meio da sua advogada. A defesa também foi procurada e disse que “irá acompanhar os passos iniciais dados pelo Poder Judiciário do Estado do Ceará, prestando todos os esclarecimentos necessários em oportuno tempo, respeitando o devido processo penal, as garantias constitucionais e, sobretudo, o sigilo desta natureza de processo”.
“Repudiamos com veemência o uso indevido e indiscriminado do nome do cliente, bem como da empresa, sobretudo em honra ao princípio da presunção de inocência. A defesa irá acompanhar de forma detalhada e aguerrida todo o trâmite processual em favor dos interesses de nosso constituinte. Por fim, a defesa informa que nenhuma manifestação adicional será dada aos meios midiáticos, justamente para preservar a lisura processual. A comunicação sobre a temática será restrita aos autos processuais, local adequado para tanto e, por lei, exigível a obediência ao sigilo”
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No último mês de maio, o Diário do Nordeste divulgou as denúncias em primeira mão com relatos de duas vítimas contando que o Lopes comentava diariamente sobre os corpos delas, "falava do tamanho da calcinha, se encostava para 'se esfregar'" e chegava a perguntar: "não tá usando fio dental hoje?" (sic).
Após publicação e repercussão da primeira reportagem, mais mulheres denunciaram os crimes às autoridades, incluindo aquelas que tinham sido chamadas pelo suspeito para depor a favor dele, mas "decidiram que precisavam falar a verdade na Delegacia".
As advogadas Yohana Pontes Mendes Feitosa e Anya Lima Penha de Brito, que defendem as vítimas, dizem aguardar uma denúncia por parte do Ministério Público do Ceará (MPCE) e reafirmam a "confiança na proficiência da Justiça para a correta condução dos processos judiciais" (Veja nota na íntegra ao fim desta matéria).
Por nota, a Polícia Civil do Estado do Ceará confirmou que “a investigação foi finalizada pela 1ª DDM e remetida ao Poder Judiciário”.
HUMILHAÇÕES PÚBLICAS E INTIMIDAÇÕES VELADAS
Em documentos que a reportagem teve acesso, a delegada explicou que "restou evidenciado ao longo das investigações que diversas testemunhas ouvidas também foram vítimas diretas dos crimes ora apurados, tendo detalhado condutas libidinosas, abusivas e humilhantes praticadas pelo investigado, as quais resultaram em danos emocionais, constrangimentos e, em alguns casos, afastamentos médicos, o que reforça a gravidade e reiteração das práticas atribuídas ao autor".
O caso chegou ao conhecimento da PCCE em abril de 2025, com a primeira denúncia formal por meio de um Boletim de Ocorrência. Na época, as mulheres afirmaram que imagens das câmeras de segurança dos escritórios do estabelecimento podem comprovar os assédios, mas elas temiam que as imagens já estivessem destruídas pelo suspeito.
No dia 24 de abril de 2025, a Polícia pediu o acesso às imagens e recebeu como resposta que elas não foram gravadas devido a problemas no HDs. Os investigadores consideraram que há indícios concretos de tentativa de eliminação dessas imagens por parte do investigado, já que restou comprovado que o controle de todas as câmeras é feito exclusivamente da sala do indiciado: "forte indício de que houve supressão deliberada de provas, com o propósito de dificultar a apuração da verdade e obstruir a investigação criminal".
Segundo documentos obtidos pelo Diário do Nordeste, a Polícia detalhou ainda durante a conclusão do inquérito que Francisco Lopes tentou coagir testemunhas no curso da investigação policial para favorecer a versão do investigado "e dificultar a apuração da verdade" se utilizando da "posição hierárquica e da vulnerabilidade emocional e financeira das funcionárias para constrangê-las e submetê-las a situações humilhantes e libidinosas"
O investigado pediu que fossem ouvidas testemunhas, mas ao contrário do que ele esperava, as mulheres confirmavam "os padrões de comportamento abusivo atribuídos a Francisco Lopes Pinheiro Filho".
'EU PAGO BEM, MAS EU TIRO A SAÚDE'.
A frase 'eu pago bem, mas eu tiro a saúde' foi ouvida por um porteiro nos últimos anos, um dos poucos homens a trabalhar no local que, pela preferência do administrador, era em maioria com a presença das mulheres pré-selecionadas por ele a partir do envio de fotos íntimas. A afirmação consta no relatório obtido pela reportagem.
Uma das vítimas, de 34 anos e mãe de dois filhos, relatou ao Diário do Nordeste que começou a trabalhar na empresa em 2010, saiu em 2014 e retornou em 2017, ficando até 2025.
"Para eu entrar na empresa eu tive que viajar com ele. Eu sabia que outras mulheres eram vítimas. Ele mandava eu pedir as fotos das meninas. Não tinha currículo, não tinha habilidade profissional... Em 2014, eu saí quando tive um filho. Meu marido morreu quando eu estava grávida do segundo filho. Então ele me ligou dizendo que meu lugar estava lá. Eu não tinha perspectiva nenhuma. Quando eu queria bater de frente com ele, quando eu queria dizer que algo lá estava errado, ele dizia que eu precisava daquilo pela minha família, pra sustentar meus filhos"
Outra ex-funcionária, de 28 anos, reforçou que "a foto íntima era o currículo" e lembrou de um dia que sofreu assédio dentro do escritório: "quando a gente estava em uma reunião eu saí para ir na minha sala pegar papel e caneta, quando eu estava voltando ele soltou uma piada pro meu corpo e me puxou baixando a minha blusa".
"Ele me chamou para depor a favor dele, mas eu não podia ser a favor de algo que eu via acontecendo, de algo que ele fez comigo. Ficava muito envergonhada pensando: já pensou no meu pai, na minha mãe sabendo uma coisa dessa? Ninguém ali podia namorar, ninguém podia ter relacionamento, se não ele castigava"
MANIPULAÇÃO EMOCIONAL
Segundo os depoimentos, às sextas, no fim do expediente, segundo as mulheres, era comum Lopes promover 'festinhas' regadas a bebidas alcoólicas. Primeiro, as funcionárias eram colocadas só entre elas, em um espaço reservado e de forma velada 'obrigadas' a beber para 'se soltarem'.
A Polícia concluiu ainda que, quando, pelas câmeras, o indiciado via e ouvia as conversas delas, ia até a sala para manipular, de acordo com as vítimas: "as festas nas sextas era tudo muito velado. Se a gente não bebia, ele tratava a gente mal na segunda-feira, deixava em reunião até mais tarde, perdia cliente, humilhava", disse uma das testemunhas.
A delegada afirmou ainda no relatório sobre a investigação que "a conduta do investigado revelou um padrão reiterado de ações com o fim de satisfazer sua própria lascívia, mediante contatos físicos ou verbais indesejados, dirigidos a diversas funcionárias, sem qualquer consentimento das vítimas" dentro de um contexto de "assédio, manipulação emocional, coação e abuso de poder sistemático".
"Os depoimentos testemunhais revelam um padrão de manipulação emocional e controle comportamental imposto pelo investigado, com cobranças que extrapolam o ambiente laboral, interferência na vida pessoal das subordinadas, humilhações públicas e intimidações veladas. A exigência de atitudes de submissão, a sexualização constante do ambiente de trabalho, a imposição de abraços e contato físico sob ameaça de prejuízo profissional demonstram claro objetivo de degradar a integridade psíquica das mulheres envolvidas"
NOTA ADVOGADAS DAS VÍTIMAS:
"Procurado pela reportagem, o escritório Mendes & Brito Advocacia, na qualidade de representante legal de parte das vítimas, vem a público prestar esclarecimentos acerca da situação:
O mencionado inquérito policial apurou crimes ocorridos no ambiente de trabalho, cometidos pelo ex-chefe das nossas clientes. Após uma apuração rigorosa, as investigações confirmaram que, ao longo de vários anos, o investigado se valeu de sua posição de poder para, em diversas ocasiões, submeter funcionárias da empresa – entre elas, nossas clientes – a práticas criminosas de estupro, assédio sexual, importunação sexual, constrangimento ilegal e violência psicológica.
O inquérito também constatou a tentativa de obstrução das investigações, com o cometimento dos crimes de coação no curso do processo e fraude processual. O relatório final da autoridade policial, apresentado no dia 7 de julho de 2025, confirma o indiciamento do investigado por todos esses crimes, reconhecendo a gravidade e a extensão das condutas praticadas. Os delitos apurados não afetam apenas a integridade física e emocional das vítimas: ferem também sua dignidade, abalam suas trajetórias profissionais e impõem marcas profundas e duradouras.
O Mendes & Brito Advocacia atua com firmeza e compromisso, na defesa intransigente dos direitos das vítimas, trabalhando para que o Ministério Público do Estado do Ceará formalize a denúncia-crime contra o indiciado, e para que o Judiciário julgue o caso com o devido rigor. A responsabilização criminal do agressor e trabalhista da empresa empregadora são medidas imprescindíveis de reparação às vítimas e de reconhecimento da dor de cada mulher envolvida, a fim de que seja quebrado o ciclo de violência de gênero no ambiente de trabalho".