Seca só parou de matar nos anos 70

Escrito por Redação ,
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A história da luta de convivência com o semi-árido acompanha o povo nordestino desde o Brasil-Colônia

Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, pelo litoral nordestino, e se depararam com o “paraíso”, formado por terras férteis e fartura de água, não imaginavam que parte da nova terra descoberta abrigava grande faixa de terra semi-árida — região caracterizada pela chuva escassa e solo rochoso —, que ganhou, tempos depois, a denominação de “Polígono das Secas”, compreendendo os nove estados nordestinos e mais o Norte de Minas Gerais.

O Ceará, por exemplo, que possui 86,8% de seu território inserido no semi-árido, teve sua colonização prejudicada pela escassez de água, como retrata o historiador Geraldo da Silva Nobre, em artigo do livro “O Dnocs e o novo Nordeste: uma perspectiva histórica”.

Das promessas demagógicas, por conta da seca de 1877/ 1879, quando o Imperador Dom Pedro II prometeu vender “até a última jóia da coroa” para salvar os nordestinos da seca, passando pelas cacimbas construídas pelos colonizadores para saciar a sede, preces a São José, simpatia com a pedrinha de sal de Santa Luzia, até chegar às comissões criadas ainda no Brasil Colônia para estudar o fenômeno da seca, à construção dos açudes, barragens e o gerenciamento de água houve um longo caminho. No trajeto, muitas vidas foram perdidas, muita gente desistiu.

Luta secular

A luta para uma convivência pacífica com o semi-árido acompanha o povo nordestino desde o descobrimento. Uma das principais características do semi-árido, a distribuição irregular de chuva, origina a seca, fenômeno imprevisível que atormenta a população, além de ter sido responsável pela morte de milhares de nordestinos ao longo dos séculos, assim como de rebanhos. Na estiagem de 1778 foi registrada a perda de 7/8 do rebanho bovino do Estado, conforme dados do livro “Barragens no Nordeste do Brasil” do acervo do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).

Na seca dos três sete, 1777-1880, morreu mais da metade das pessoas da região castigada. A partir de 1945, especialmente, nas décadas de 1950 e 1960, foram intensificadas as ações focadas no desenvolvimento dos recursos hídricos, ou seja, era preciso “fazer água”, entrando em cena a construção de açudes.

Convivência

Atualmente, existe uma nova concepção de tratar o fenômeno da seca, uma vez que já se admitiu que não pode ser debelada. É uma condição do semi-árido, daí a necessidade de criar mecanismos para suportar os períodos de estiagem. A partir dos anos 70, as pessoas deixaram de morrer em decorrência da seca, mas o êxodo permaneceu.

Um dos últimos períodos de estiagem, o de 1979-1983, conforme análise de Geraldo Nobre, coincidiu com a crise do petróleo, portanto, os Estados do eixo Sul/Sudeste sentiam os efeitos da desaceleração econômica. “Ao contrário, esta seca não serviu para causar efeitos significativos no aumento no número de pessoas em áreas periféricas da Capital, observado em outros”.

O historiador defende que o êxodo rural foi a causa de ocupação de áreas periféricas como por exemplo, Arraial Moura Brasil, Pirambu, Aerolândia e Porangabussu, aumentando o “inchaço urbano”. No período, cerca de 2,3 milhões de cearenses foram integrados às frentes de trabalho nos municípios onde moravam. Geraldo Nobre toca num ponto polêmico, podendo ser considerado a outra face da moeda: o uso da seca como instrumento político e econômico.

“Falavam que as secas são a salvação do Nordeste, especialmente no Ceará”. Os socorros que chegavam em forma de recursos adicionais, que só vinham nos períodos de estiagem, eram um dos aspectos “da tão falada indústria da seca”. A indústria da seca acabava beneficiando políticos e latifundiários, restando ao sertanejo partir em busca de outros estados ou das regiões litorâneas, destaca o historiador. Em 1970, fechava-se o ciclo de dez anos de planejamento no Nordeste e a região ainda ficava exposta à seca.

CORONELISMO E PODER POLÍTICO

Água no Nordeste vira moeda de troca

O Nordeste das secas e dos flagelados serviu de mote tanto para a criação de políticas assistencialistas, tendo no coronelismo uma das suas principais vertentes, como também no campo artístico. Deter água, assim como terra, era uma forma de demonstração de poder. No Nordeste, principalmente no semi-árido, a água se tornou moeda de troca.

A primeira seca a ser retratada aconteceu em Pernambuco, no ano de 1583, documentada por Fernão Cardin. Depois, vieram pelo menos 14 secas no século XVIII; 12, no século XIX; chegando a 16 se levar em consideração a que se prolongou de 1979 a 1983, conforme dados do livro “Barragens no Nordeste do Brasil”. Na seca de 1915, 27 mil cearenses morreram, contra 75 mil que emigraram, sobretudo para a Amazônia. Emigrar era a alternativa de sobrevivência, e as obras hídricas tinham esta finalidade: “Evitar que homens e animais morressem”.

A partir da seca de 1970 não foi registrada nenhuma morte de cearenses, porém, 11% da população migraram. Na época colonial, durante as secas de 1721-1727, o rei de Portugal tomou a decisão de tornar obrigatória a produção de farinha de mandioca, alimento básico da população nordestina. A seca de 1766 levou a corte portuguesa a agrupar flagelados, dispersos pelas matas, dando origem a diversas cidades nordestinas atuais.

No século seguinte, a preocupação foi centrada no armazenamento de água quer em açudes, cisternas, assim como a construção de poços. O governo imperial considerou necessária a coordenação de estudos e análises no sentido de encontrar soluções para as conseqüências das secas.

Então foi criada a “Comissões Científica de Exploração”, em 1856, que consistia em instalação de estações meteorológicas, construção de açudes, inclusive particulares, a transferência do São Francisco para a Bacia do Jaguaribe. A preocupação com a seca é sentida a partir de 1904, sendo instaladas três comissões: de Açudes e Irrigação; Estudos e Obras Contra as Secas; e Perfuração de Poços. Devido à precariedade das comissões, foi criado o Dnocs em 1909.