Obra do Cinturão das Águas ameaçada por falta de recursos

Governo Federal destinou, neste mês, quase R$ 17 milhões para a intervenção, mas o valor foi insuficiente para pagar dívida que a Secretaria de Recursos Hídricos tem com as construtoras. A execução do projeto está comprometida

Escrito por Antonio Rodrigues , regiao@verdesmares.com.br
Legenda: Com a verba insuficiente, muitos trechos ficam paralisados e o cenário é de abandono ao longo da obra
Foto: FOTO: ANTONIO RODRIGUES

A conclusão das obras do Cinturão das Águas, no Ceará, ainda é incerta. Da verba de R$ 120 milhões aguardada para este ano, conforme prometido pela União, apenas R$ 27,2 milhões foram enviados pelo Governo Federal, dos quais, R$ 16,6 milhões foram repassados neste mês, conforme o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). No entanto, segundo a Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), este último montante, somado a um valor de R$ 6 milhões provenientes do Governo do Estado, foi utilizado exclusivamente para pagamento de dívidas com as construtoras.

A dívida total com as empreiteiras é de R$ 41,8 milhões. "Agora, estamos devendo cerca de R$ 20 milhões", detalha o titular da SRH, Francisco José Coelho Teixeira. "(O valor) ajuda em alguma coisa. A gente está tentando só complementar alguns serviços essenciais", acrescenta o secretário.

Essa ausência de recursos destinados para a obra impacta na execução do projeto. Na maior parte do Trecho 01, que vai de Jati à Nova Olinda, o cenário é de abandono.

Hoje, a prioridade da SRH é concluir as obras de proteção do chamado "eixo emergencial", que possui 53 quilômetros de extensão e será responsável por levar a água do Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco (Pisf) até o Açude Castanhão, que abastece a Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). O recurso hídrico do "Velho Chico" será captado na Barragem de Jati e seguirá, por gravidade, até Missão Velha, onde será direcionado ao Riacho Seco, seguindo pelo Rio Salgado até desaguar no Rio Jaguaribe, onde cairá no maior reservatório do Estado.

Desta etapa, fazem parte os lotes 1, 2 e 5 - este último, formado por túneis, está completamente pronto, mas as construtoras ainda têm por receber cerca de R$ 4 milhões. O primeiro já está praticamente pronto, mas recebe obras de proteção para dar mais segurança ao canal, principalmente com a chegada das chuvas.

Já o segundo, a SRH pagou boa parte das dívidas e espera terminá-lo. "Era onde a gente mais devia", confessa Teixeira. "Nossa preocupação, no momento, é que venha mais dinheiro para o 'eixo emergencial' para deixá-lo todo protegido. Como a proteção de bueiros e encosta do canal".

A liberação do restante do recurso (R$ 92,8 milhões) previsto para 2019, porém, está indefinida. De acordo com a SRH, "não há previsão, depende do calendário do Governo Federal". A reportagem entrou em contato com a MDR para saber se algum recurso será liberado ainda neste ano, mas, até o fechamento desta matéria, não obteve retorno.

Paralisação

O lote 3, que corta Barbalha e Crato, mas não faz parte do "eixo emergencial", também tem débitos e está paralisado. O avanço físico até agora é de 26%. Enquanto o lote 4, que segue de Crato até Nova Olinda, onde desaguará no Rio Cariús, atinge apenas 5% e também está parado. Na área das obras, as máquinas estão paradas, e o mato toma de conta. Um contraste diferente do cenário que já teve dezenas de operários.

Teixeira admite que esta interrupção nos serviços trará prejuízos financeiros. "Se tivesse o recurso estabelecido com a União, a gente já estaria com a obra pronta. Quando para, depois tem que retomar e pode ter que fazer alguma recuperação. Tem o reajuste da inflação. Estamos trabalhando no intuito de evitar o máximo de retrabalho", enfatiza. Até agora, o projeto já custou às contas públicas mais de R$ 1,2 bilhão.

Neste ano, as obras do Cinturão das Águas foram paralisadas duas vezes. Em decreto assinado em agosto e publicado no mês passado, o contrato celebrado com o Consórcio Águas do Cariri, formado pelas Empresas Construtora Marquise S/A e EIT Construções S/A, com sub-rogação para a Superintendência de Obras Hidráulicas (Sohidra), no valor de R$ 320,9 milhões, foi suspenso até que as dívidas sejam pagas. Antes disso, em maio, as obras neste mesmo trecho foram suspensas.

O Governo do Estado até já realizou três operações de crédito, no entanto, os recursos são insuficientes para a conclusão do Trecho 1. Enquanto isso, aguarda uma liberação maior pelo Governo Federal.

Transposição do Velho Chico

Peça fundamental para evitar um possível colapso hídrico na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), o Eixo Norte do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (Pisf) alcança 97,05% de execução física.

A expectativa do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) é concluir os trabalhos para o transporte de água no trecho neste segundo semestre.

O titular da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), Francisco José Coelho Teixeira, que tem acompanhado a obra do Governo Federal, explica que o trajeto do recurso hídrico tem sido feito aos poucos. "A obra está pronta, falta os complementos e o enchimento. Estão funcionando de forma cuidadosa para não ter nenhum problema, algum acidente", detalha.

O bombeamento foi reiniciado em 30 de agosto deste ano, e as águas do Rio São Francisco voltaram a percorrer os canais em direção ao Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

A partir da terceira estação de bombeamento do Eixo Norte (EBI-3), seguirão pelas próximas estruturas - que contemplam 60 quilômetros de extensão - até chegar ao Reservatório de Jati, no Ceará, no primeiro trimestre de 2020. "Estamos num cenário bem melhor do que poderia estar. A água vai chegar. Pode ser março, abril", crê, otimista, o secretário.

Segundo o diretor de Águas Superficiais da Superintendência de Obras Hídricas (Sohidra), Antônio Madeiro Lucena, com uma vazão de 12 m3/s de água do "Velho Chico" jorrada no "eixo emergencial" do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), mesmo com uma perda no trajeto, seria suficiente para, após 10 meses, dobrar o volume atual do Açude Castanhão, que, hoje, é de 3,83%.