Indústria muda vidas no sertão cearense
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Redação
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Moradores trocam o trabalho no campo pelas linhas de montagem das fábricas, onde encontram novas perspectivas
Karoline Viana/Wilson Gomes
Repórter/Colaborador
Fortaleza Mesmo com a concentração de indústrias nas regiões próximas à Capital, a presença de unidades fabris em cidades do Interior provocam um impacto relevante na economia local. Diante da pouca rentabilidade de outras atividades tradicionais nas cidades interioranas, como a agricultura, comércio e serviços, muitos trabalhadores tornam-se operários, trocando a enxada pela máquina.
Dentre as motivações para migrar para o setor industrial, estão a expectativa de ter uma atividade com carteira assinada e salário certo no fim do mês. Muitos sequer deixam seus locais de origem, exercendo seu ofício em cidades vizinhas. Aos poucos, vão adquirindo bens materiais até então impensáveis na realidade simples dessas comunidades, como eletrodomésticos, moto ou mesmo a tão sonhada casa própria.
Índices
De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), referente aos meses de janeiro a abril de 2010, as atividades que mais geraram empregos formais no Interior foram construção civil (com 8.138 vagas) e indústria de transformação (4.871 vagas). Enquanto isso, setores como comércio e serviços respondem, respectivamente, por 1.724 e 7.049 vagas.
Por sua vez, o Instituto do Desenvolvimento Industrial do Ceará (Indi), ligado à Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), aponta que, entre 1985 a 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) industrial cearense cresceu 153,6%, enquanto os setores de serviços e agropecuária apresentaram variações mais modestas, de 107,2% e 22,7%, respectivamente.
Moradora da localidade de Salgado dos Machado, entre os municípios de Sobral e Groairas, na Região Norte, Maria Carmirene da Silva Aires, de 28 anos, trabalha há 7 na fábrica de calçados Grendene como auxiliar de produção - o chamado "peão", no dizer dos trabalhadores da unidade.
Com formação no Ensino Médio, ela trabalhava como professora substituta da escola da localidade. Porém, não havia a segurança de um contrato fixo. Vinda de uma família de agricultores, ela sabia que havia poucas perspectivas de trabalho.
"Comecei a ver um monte de gente daqui ir trabalhar na fábrica, melhorar de vida, então resolvi tentar. Lá o dinheiro era certo, a gente recebe todo mês cesta básica e eles (os chefes) costumam manter o bom funcionário, que se dedica". O trabalho começa às 23h20 e termina às 6 horas do dia seguinte, de domingo a sexta, no setor de pintura dos calçados. Foi lá onde Carmirene conheceu o marido, Júlio César Aires Lopes, que hoje é analista do setor de serigrafia. "Ele começou trabalhando como peão, como eu, juntando lixo. Mas foram dando oportunidades, ele conseguiu crescer e melhorar de cargo. Tudo o que nós temos hoje é graças aos nossos empregos", ressalta.
Com o trabalho na fábrica, eles conseguiram comprar uma moto e estão iniciando a construção de uma casa na própria localidade. Preferem permanecer no sertão, onde possuem vínculos familiares e onde a vida ainda é mais tranquila. Apesar das conquistas, ela afirma que, no seu caso, é difícil conciliar o trabalho, em que troca o dia pela noite, com os cuidados da casa e do filho de 1 ano.
"Trabalhar de madrugada é o melhor horário, porque eu consigo de dia cuidar da casa, ficar com o meu filho, levá-lo ao médico. Mas às vezes é tanta coisa que tem dias que eu só consigo dormir umas três horas". A rotina é repetitiva e, por vezes, cansativa, mas ela acredita que cada trabalho tem a sua exigência. "Hoje Sobral é a cidade que é por causa da Grendene, vem gente não só dos distritos, mas até de outros municípios para trabalhar aqui. A gente percebe que o comércio cresceu, a renda da gente melhorou, eu consigo comprar mais coisas para a casa e para o meu filho".
Mudança de vida
A história de Carmirene não é única. O tema se repete praticamente entre os milhares de funcionários dessa empresa de calçados. Outro caso é o do casal Rosângela Teixeira Aguiar e Joaquim Venâncio, que também se conheceram no portão da fábrica, há cerca de oito anos. Casaram, tiveram filhos e construíram sua própria morada, um sonho de toda família.
Rosângela não trabalha mais lá, teve que pedir demissão para comprar o terreno onde hoje construíram o lar. O marido mudou de setor e de função. Antes era trocador de tinta, hoje ocupa a função de mecânico nível 2. "Não costumo revelar quanto ganhamos, mas com a função que meu marido passou a ocupar ele passou a ganhar um pouco mais de R$ 1 mil", disse Rosângela, que atualmente trabalha como auxiliar de serviços gerais em uma outra empresa.
"Temos outros objetivos como melhorar a qualidade da educação dos nossos quatro filhos. Já temos uma motocicleta, que compramos recentemente e está nos servindo muito", reforça Rosângela.
SERTÃO DOS INHAMUNS
Galpões ocupados por novas iniciativas
Silvânia Claudino
Especial para o Regional
Crateús Depois que o sonho de desenvolvimento com a instalação de uma "empresa de fora" não vingou, iniciativas locais acabaram ocupando a estrutura abandonada neste município. Situadas nos galpões do Governo do Estado, que foram construídos no início da década para a instalação de indústrias que vinham de outros Estados para o Ceará com incentivos fiscais, estão funcionando há cinco anos as indústrias locais Temperos Tina e Doces Delícia.
Toda a estrutura foi construída para a instalação do mini-distrito industrial na cidade, mas apenas a Jacareí Confecções, de São Paulo, funcionou no local durante três anos. Depois foi embora e a estrutura ficou praticamente abandonada. O empresário Osvaldo Melo, da Temperos Tina, cuja fábrica funcionava em sua residência, solicitou a ocupação de parte dos prédios ao Governo do Estado.
Desde 2004, a Temperos Tina ocupou parte dos prédios. E vem crescendo ano a ano, aumentando o leque de produtos e a produção. Ao todo, 20 empregos diretos são gerados pela indústria de temperos e condimentos. A empresa oferece uma linha de 27 produtos, que são distribuídos em 26 municípios da região, além dos mercados de Fortaleza e Teresina, no Piauí. O carro-chefe da produção de 35 toneladas mensais é o colorau, seguido pelo extrato de alho e molhos de pimenta. Canjica, fubá e gliz de milho compõem também o catálogo de produtos da indústria.
O negócio evoluiu e chamou a atenção de outros empresários para a instalação no local, que é amplo e próprio para a indústria. Outro chamativo é o fato de não terem custo com aluguel. "Pagamos apenas uma taxa acessível ao Governo do Estado", cita o empresário Roberto Gomes, da indústria de Doces Delícia, há 15 anos no mercado e cinco no mini-distrito. Mil litros de leite são adquiridos junto aos produtores locais diariamente pelo empresário, que processa e comercializa 40 toneladas de doce de leite todos os meses. Abastece 70 municípios do Estado e outras 20 no Piauí, com doces de leite pastoso, em tablete e misturados ao coco, goiaba e ameixa.
Para o operário de máquinas Ralison Bezerra, de 31 anos, o seu maior pagamento "é chegar ao supermercado e ver os produtos expostos, e pensar que fui eu que fiz". Ele trabalha há oito meses na máquina que limpa o milho, matéria-prima principal da Temperos Tina. Acredita no crescimento da indústria, da cidade e na instalação de novas iniciativas para expandir o mercado de trabalho e a geração de emprego para os jovens: "a cidade está crescendo", diz.
Aos 21 anos, Geison de Miranda está no seu primeiro emprego, após servir o Exército, e sonha em crescer na indústria Doces Delícia. Trabalha há dois anos como embalador e espera ser promovido para gerente de produção. "Já faço algumas atividades que tem a ver com a função que almejo e acredito que a minha experiência contará muito", declara. Queixa-se, porém, das poucas oportunidades de trabalho na região.
Os empresários salientam a importância do projeto "Incubadoras de Empresas", do qual participaram por três anos junto ao Centec, e a participação em feiras e eventos como impulsionadores do crescimento dos negócios. Inclusive estão em fase de preparação, junto com mais nove empresários da região, para participar da Feira Internacional da Indústria de Alimentos (Fispal), que acontece em junho em São Paulo.
Atualmente, outras três indústrias se afixaram no local: Iveste, que fabrica malhas e confecções, Provimel e Vidraçaria Senhor do Bonfim. Em julho, mais quatro estarão com suas atividades de transformação no mini-distrito, nas áreas de sorvete, vidraçaria e metalurgia.
Karoline Viana/Wilson Gomes
Repórter/Colaborador
Fortaleza Mesmo com a concentração de indústrias nas regiões próximas à Capital, a presença de unidades fabris em cidades do Interior provocam um impacto relevante na economia local. Diante da pouca rentabilidade de outras atividades tradicionais nas cidades interioranas, como a agricultura, comércio e serviços, muitos trabalhadores tornam-se operários, trocando a enxada pela máquina.
Dentre as motivações para migrar para o setor industrial, estão a expectativa de ter uma atividade com carteira assinada e salário certo no fim do mês. Muitos sequer deixam seus locais de origem, exercendo seu ofício em cidades vizinhas. Aos poucos, vão adquirindo bens materiais até então impensáveis na realidade simples dessas comunidades, como eletrodomésticos, moto ou mesmo a tão sonhada casa própria.
Índices
De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), referente aos meses de janeiro a abril de 2010, as atividades que mais geraram empregos formais no Interior foram construção civil (com 8.138 vagas) e indústria de transformação (4.871 vagas). Enquanto isso, setores como comércio e serviços respondem, respectivamente, por 1.724 e 7.049 vagas.
Por sua vez, o Instituto do Desenvolvimento Industrial do Ceará (Indi), ligado à Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), aponta que, entre 1985 a 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) industrial cearense cresceu 153,6%, enquanto os setores de serviços e agropecuária apresentaram variações mais modestas, de 107,2% e 22,7%, respectivamente.
Moradora da localidade de Salgado dos Machado, entre os municípios de Sobral e Groairas, na Região Norte, Maria Carmirene da Silva Aires, de 28 anos, trabalha há 7 na fábrica de calçados Grendene como auxiliar de produção - o chamado "peão", no dizer dos trabalhadores da unidade.
Com formação no Ensino Médio, ela trabalhava como professora substituta da escola da localidade. Porém, não havia a segurança de um contrato fixo. Vinda de uma família de agricultores, ela sabia que havia poucas perspectivas de trabalho.
"Comecei a ver um monte de gente daqui ir trabalhar na fábrica, melhorar de vida, então resolvi tentar. Lá o dinheiro era certo, a gente recebe todo mês cesta básica e eles (os chefes) costumam manter o bom funcionário, que se dedica". O trabalho começa às 23h20 e termina às 6 horas do dia seguinte, de domingo a sexta, no setor de pintura dos calçados. Foi lá onde Carmirene conheceu o marido, Júlio César Aires Lopes, que hoje é analista do setor de serigrafia. "Ele começou trabalhando como peão, como eu, juntando lixo. Mas foram dando oportunidades, ele conseguiu crescer e melhorar de cargo. Tudo o que nós temos hoje é graças aos nossos empregos", ressalta.
Com o trabalho na fábrica, eles conseguiram comprar uma moto e estão iniciando a construção de uma casa na própria localidade. Preferem permanecer no sertão, onde possuem vínculos familiares e onde a vida ainda é mais tranquila. Apesar das conquistas, ela afirma que, no seu caso, é difícil conciliar o trabalho, em que troca o dia pela noite, com os cuidados da casa e do filho de 1 ano.
"Trabalhar de madrugada é o melhor horário, porque eu consigo de dia cuidar da casa, ficar com o meu filho, levá-lo ao médico. Mas às vezes é tanta coisa que tem dias que eu só consigo dormir umas três horas". A rotina é repetitiva e, por vezes, cansativa, mas ela acredita que cada trabalho tem a sua exigência. "Hoje Sobral é a cidade que é por causa da Grendene, vem gente não só dos distritos, mas até de outros municípios para trabalhar aqui. A gente percebe que o comércio cresceu, a renda da gente melhorou, eu consigo comprar mais coisas para a casa e para o meu filho".
Mudança de vida
A história de Carmirene não é única. O tema se repete praticamente entre os milhares de funcionários dessa empresa de calçados. Outro caso é o do casal Rosângela Teixeira Aguiar e Joaquim Venâncio, que também se conheceram no portão da fábrica, há cerca de oito anos. Casaram, tiveram filhos e construíram sua própria morada, um sonho de toda família.
Rosângela não trabalha mais lá, teve que pedir demissão para comprar o terreno onde hoje construíram o lar. O marido mudou de setor e de função. Antes era trocador de tinta, hoje ocupa a função de mecânico nível 2. "Não costumo revelar quanto ganhamos, mas com a função que meu marido passou a ocupar ele passou a ganhar um pouco mais de R$ 1 mil", disse Rosângela, que atualmente trabalha como auxiliar de serviços gerais em uma outra empresa.
"Temos outros objetivos como melhorar a qualidade da educação dos nossos quatro filhos. Já temos uma motocicleta, que compramos recentemente e está nos servindo muito", reforça Rosângela.
SERTÃO DOS INHAMUNS
Galpões ocupados por novas iniciativas
Silvânia Claudino
Especial para o Regional
Crateús Depois que o sonho de desenvolvimento com a instalação de uma "empresa de fora" não vingou, iniciativas locais acabaram ocupando a estrutura abandonada neste município. Situadas nos galpões do Governo do Estado, que foram construídos no início da década para a instalação de indústrias que vinham de outros Estados para o Ceará com incentivos fiscais, estão funcionando há cinco anos as indústrias locais Temperos Tina e Doces Delícia.
Toda a estrutura foi construída para a instalação do mini-distrito industrial na cidade, mas apenas a Jacareí Confecções, de São Paulo, funcionou no local durante três anos. Depois foi embora e a estrutura ficou praticamente abandonada. O empresário Osvaldo Melo, da Temperos Tina, cuja fábrica funcionava em sua residência, solicitou a ocupação de parte dos prédios ao Governo do Estado.
Desde 2004, a Temperos Tina ocupou parte dos prédios. E vem crescendo ano a ano, aumentando o leque de produtos e a produção. Ao todo, 20 empregos diretos são gerados pela indústria de temperos e condimentos. A empresa oferece uma linha de 27 produtos, que são distribuídos em 26 municípios da região, além dos mercados de Fortaleza e Teresina, no Piauí. O carro-chefe da produção de 35 toneladas mensais é o colorau, seguido pelo extrato de alho e molhos de pimenta. Canjica, fubá e gliz de milho compõem também o catálogo de produtos da indústria.
O negócio evoluiu e chamou a atenção de outros empresários para a instalação no local, que é amplo e próprio para a indústria. Outro chamativo é o fato de não terem custo com aluguel. "Pagamos apenas uma taxa acessível ao Governo do Estado", cita o empresário Roberto Gomes, da indústria de Doces Delícia, há 15 anos no mercado e cinco no mini-distrito. Mil litros de leite são adquiridos junto aos produtores locais diariamente pelo empresário, que processa e comercializa 40 toneladas de doce de leite todos os meses. Abastece 70 municípios do Estado e outras 20 no Piauí, com doces de leite pastoso, em tablete e misturados ao coco, goiaba e ameixa.
Para o operário de máquinas Ralison Bezerra, de 31 anos, o seu maior pagamento "é chegar ao supermercado e ver os produtos expostos, e pensar que fui eu que fiz". Ele trabalha há oito meses na máquina que limpa o milho, matéria-prima principal da Temperos Tina. Acredita no crescimento da indústria, da cidade e na instalação de novas iniciativas para expandir o mercado de trabalho e a geração de emprego para os jovens: "a cidade está crescendo", diz.
Aos 21 anos, Geison de Miranda está no seu primeiro emprego, após servir o Exército, e sonha em crescer na indústria Doces Delícia. Trabalha há dois anos como embalador e espera ser promovido para gerente de produção. "Já faço algumas atividades que tem a ver com a função que almejo e acredito que a minha experiência contará muito", declara. Queixa-se, porém, das poucas oportunidades de trabalho na região.
Os empresários salientam a importância do projeto "Incubadoras de Empresas", do qual participaram por três anos junto ao Centec, e a participação em feiras e eventos como impulsionadores do crescimento dos negócios. Inclusive estão em fase de preparação, junto com mais nove empresários da região, para participar da Feira Internacional da Indústria de Alimentos (Fispal), que acontece em junho em São Paulo.
Atualmente, outras três indústrias se afixaram no local: Iveste, que fabrica malhas e confecções, Provimel e Vidraçaria Senhor do Bonfim. Em julho, mais quatro estarão com suas atividades de transformação no mini-distrito, nas áreas de sorvete, vidraçaria e metalurgia.