Furto da imagem da padroeira mobiliza população de Jaguaribe a encontrar Nossa Senhora das Candeias
Crime ocorreu na manhã da quarta-feira (9) e, desde então, os devotos vão à igreja para rezar e lamentar a ausência o símbolo religioso
Católicos da cidade de Jaguaribe, distante 300 km de Fortaleza, vivem um sentimento de tristeza desde a confirmação do furto da imagem da padroeira Nossa Senhora das Candeias, do altar principal da igreja Matriz. O crime ocorreu na manhã da quarta-feira (9).
Desde o dia seguinte, os devotos vão à igreja para lamentar a ausência da imagem. “Já vim aqui rezar e pedir a Deus que ilumine a todos para recuperar o quanto antes a imagem da nossa padroeira”, disse a professora Luzineide Fernandes.
A comerciária Francisca Pinheiro disse que chorou ao saber da informação. “Pensei que era boato, não acreditei, mas fiquei muito triste com quando soube que era verdade”, contou. “A gente chora e reza na esperança de que a imagem seja encontrada logo”.
A paróquia de Nossa Senhora das Candeias registrou na tarde de quinta-feira (9) um boletim de ocorrência na Delegacia Regional de Polícia Civil de Jaguaribe e solicitou à Prefeitura liberação de imagens de câmeras de segurança que ficam na praça em frente à Igreja Matriz, com o objetivo de tentar localizar algum suspeito.
Em nota, a paróquia pediu a oração aos fiéis "que amam e adoram a Jesus e que veneram com especial predileção a Virgem das Candeias" durante o "tempo de busca pela imagem de nossa Padroeira, a fim de que possamos encontra-la e devolvê-la a seu trono de onde ela olha por nossa terra há mais de 200 anos”.
O secretário da paróquia, Jonilson Peixoto, acredita que a imagem foi furtada entre 5h e 6h da quarta-feira, quando o templo é aberto para visitação de fiéis. “Alguns devotos disseram que pela manhã cedo a imagem estava no altar, e não há nenhum sinal de arrombamento”, pontuou. “A comunidade está arrasada, sem acreditar, mas mantém firme uma corrente de oração”.
Para o pároco José Peixoto Alves, o furto abalou os católicos e a cidade está muito sentida. “Esperamos que o autor desse furto se arrependa e possa devolver esse patrimônio religioso, o quanto antes, e mantemos a nossa fé viva que tudo vai terminar bem”.
Imagem bicentenária
Esculpida em madeira, a imagem bicentenária tem valor religioso, artístico, cultural e sentimental para os devotos. “Todos nós estamos tristes, abalados, mas mantemos a expectativa que logo a imagem será recuperada”, disse o coordenador da igreja de São José, em Jaguaribe, Eduardo Silva. “Fica o aviso e também o alerta para outras igrejas que conservam imagens seculares para redobrar os cuidados”.
O auxiliar administrativo escolar Gil Távora frisou que há uma mobilização local com ampla divulgação em redes sociais na tentativa de descobrir o que ocorreu e localizar a imagem. “É um acontecimento muito desagradável, uma coisa que nunca havia acontecido em nossa paróquia, que nos dá desânimo, uma tristeza profunda”.
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A professora e coordenadora escolar Maria Luzineide Fernandes observou que a imagem da padroeira “faz parte da memória e da fé da comunidade católica local, é um patrimônio religioso e cultural, uma imagem original de mais de 200 anos”.
Luzineide Fernandes lembrou que a cada ano por ocasião dos festejos da padroeira “milhares veneram a imagem que segue no andor carregada pela fé dos devotos”. Ela lamentou, entretanto, “a falta de respeito daqueles que praticaram o furto da imagem da santa”.
Em nota, a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) informou que a Delegacia Regional de Jaguaribe investiga o furto. Um Boletim de Ocorrência (BO) foi registrado na unidade policial, que já instaurou um inquérito para investigar o caso”.
Valor intangível
Para o historiador Jucieldo Alexandre, “o furto da imagem da padroeira de Jaguaribe não é algo que se resume a uma questão material ou financeira. O crime atinge questões intangíveis, essenciais à memória da comunidade. Estamos falando de um delito contra o patrimônio imaterial dos moradores da cidade”.
O historiador lembra que, “desde o período colonial, a relação de um lugar com seu padroeiro foi um elemento de identificação e sociabilidade. Não por acaso, a narrativa de fundação de uma localidade está, na maioria das vezes, ligada à construção da capela dedicada a um patrono”.
Jucieldo Alexandre frisa ainda que, “numa época em que os santos ocupavam espaço maior na vida das pessoas – sendo corriqueiramente chamados a auxiliar os fiéis em suas demandas físicas, materiais e espirituais –, o culto aos patronos ocupava centralidade no calendário anual. Era a ocasião em que uma comunidade celebrava seu padroeiro, celebrando graças alcançadas e solicitando outras”.
Alexandre pontua ainda as festas de padroeiros “são analisadas na Antropologia e História como momentos extraordinários que cumprem funções simbólicas. Elas mesclam o sagrado e o profano de forma complexa e rica, servindo para reafirmação de identidades locais. São momentos em que a penitência e alegria se encontram. Ao mesmo tempo em que afiançam a fé dos devotos, servem como momentos de reencontro, celebração de laços, acionamento de memórias sobre festas passadas e experiências vividas nelas”.
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“São esses significados que dão ao furto da imagem de Nossa Senhora das Candeias o sentido maior de perda irreparável. São mais de duzentos anos de culto dela na localidade. Aos seus pés, inúmeras gerações ajoelharam-se, pedindo milagres ou celebrando graças. Milhares de pés a seguiram em procissão, no dia da padroeira. Anualmente, a cidade reafirmava sua devoção por meio da festa. O furto da escultura sacra rompe, assim, um elo importante da memória da comunidade”.
Outros furtos de imagens sacras
Jucieldo Alexandre lembrou que “o furto de objetos sacros é, infelizmente, algo corriqueiro no nosso país. Nos anos 1970, por exemplo, a imagem setecentista de Nossa Senhora da Conceição da Igreja do Monte de Icó foi roubada, jamais retornando à cidade”.
A imagem da padroeira de Iguatu, Senhora Sant’Ana, também foi furtada por um falso artista plástico que iria reparar a pintura, mas ele fugiu e a escultura de madeira foi encontrada enterrada em uma casa no interior de São Paulo, no início da década de 1970.
É preciso investir mais na segurança dos templos, especialmente nos que guardam imagens, alfaias e paramentos antigos”
“Proteger nosso patrimônio cultural é garantir que novas gerações poderão herdar peças que, para além da beleza, qualidade técnica ou antiguidade, estão inseridas na história de um lugar, nas celebrações que reafirmam a memória local e manifestam a continuidade das experiências festivas e afetivas de homens e mulheres ao longo do tempo”, defende o historiador.
História
Os festejos que celebram a padroeira do município de Jaguaribe, Nossa Senhora das Candeias, ocorrem entre 23 de janeiro, com hasteamento da bandeira da santa, e o dia 2 de fevereiro, quando há o encerramento com procissão, condução do andor com a imagem da santa por ruas da cidade e missa solene de término da festa religiosa.
Há 200 anos, na antiga capela de Jaguaribe-Mirim, deram-se início as primeiras festas em louvor a Nossa Senhora das Candeias ou Nossa Senhora da Purificação. A festa religiosa começou na antiga localidade mesmo antes da igreja se tornar Matriz e ser elevada à categoria de paróquia.
Em Jaguaribe, as novenas dedicadas à santa padroeira ocorrem entre 24 de janeiro e 1º de fevereiro. Nossa Senhora das Candeias, Maria Santíssima, a mãe de Jesus Cristo, é também denominada de Nossa Senhora da Luz, da Candelária e da Purificação.
A origem da devoção a Maria com esses títulos se relaciona à tradição católica da apresentação do Menino Jesus no Templo e da purificação de Nossa Senhora, quarenta dias após o nascimento de Cristo. Portanto, sendo celebrada no dia 2 de fevereiro. Na cidade de Saboeiro, a festa é celebrada com o título de Nossa Senhora da Purificação.
Foi neste ano, no dia 18 de novembro, que Nossa Senhora das Candeias tornou-se padroeira da cidade de Jaguaribe. A paróquia da cidade teve criação no dia 30 de novembro de 1863.
A Igreja Matriz de Jaguaribe que teve sua origem na construção da capela primitiva em louvor de nossa Senhora da Purificação ou Candeias, remonta ao século XVIII, quando o sítio Jaguaribe-Mirim já estava com habitações e em formação um núcleo urbano.