Em Brejo Santo, troncos fósseis revelam patrimônio paleontológico

A 26km da sede de Brejo Santo, o Sítio Poço do Pau mantém riquezas desconhecidas até do próprio poder público. De lá, foi retirado o maior tronco fóssil já encontrado na Bacia Sedimentar do Araripe, com cerca de 6 toneladas

Escrito por Antonio Rodrigues , regiao@svm.com.br
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Legenda: Os troncos fossilizados são encontrados com facilidade na zona rural de Brejo Santo
Foto: Antonio Rodrigues

Em meio a uma pequena plantação de feijão, pode passar despercebida a presença de pedaços de pedras de aparência incomum, no Sítio Poço do Pau, em Brejo Santo, a cerca de 26 quilômetros da sede do Município. Apesar do desconhecimento da maior parte da comunidade, essas rochas são troncos fossilizados, que evidenciam o período Jurássico, há aproximadamente 145 milhões de anos.

Para quem mora ali, sempre foi fácil encontrá-los, inclusive, tornando-os objetos de decoração, colocando em frente às casas, como suportes para vasos de plantas. Os próprios moradores a batizaram de “pedra diferente”, dando o valor especial, mesmo desconhecendo o interesse científico sobre eles. Foi de lá que saiu o maior tronco fóssil encontrado na Bacia do Araripe, com cerca de seis toneladas. Ele está em Santana do Cariri, cidade referência na paleontologia do Ceará.

“Lá, chama atenção a quantidade de fósseis que se encontram sobre a terra e a relação que esse material tem com os moradores, que de alguma forma respeitam e ficam admirados, se perguntando como aquilo ocorreu”, enfatiza o paleontólogo Álamo Feitosa, da Universidade Regional do Cariri (Urca). Do ponto de vista científico, o pesquisador aponta que no entorno do local havia leitos de rios meandrantes, com curvas acentuadas, que passavam na Bacia Sedimentar do Araripe, no fim do período Jurássico. 

Riqueza

Como há grande quantidade de troncos fósseis, Álamo acredita na necessidade de fazer um estudo para entender a composição florística, apontando que espécies se encontravam naquela região. “Um dos melhores locais para este levantamento é aquela área”, reforça. “O Jurássico é a parte menos estudada da Bacia do Araripe. O Cretáceo já tem uma quantidade razoável de pesquisas. É importante que a comunidade científica abra os olhos”, completa.

A partir desses troncos, dá para estimar que aquela região ficava no entorno de uma grande floresta com árvores de 60 metros de altura. “Os fósseis não são da haste principal, são de ramos secundários, para ter uma ideia”, pontua o paleontólogo. Como o Jurássico é uma dos períodos mais chuvosos do planeta, Álamo acredita que estes troncos eram mantidos sob a terra a partir de enxurradas nos leitos dos rios. “Seria o balceiro que o rio carrega”, detalha. O pesquisador aponta que estas plantas seriam de pelo menos três grupos: sequoias, ginkgos e pinheiros. “Certamente, se fizer um levantamento, vai descobrir muito mais grupos, muito mais espécies”.

A quantidade e a dimensão dos troncos encontrados no Sítio Poço do Pau são ainda maiores que as do geossítio Floresta Petrificada, em Missão Velha, que compõem o Geopark Araripe. “São melhor preservados. Mas essa parte do Jurássico aparece em menor quantidade e em comunidades específicas. Não tem aquele apelo visual tão grande e a diversidade do Cretáceo”, reforça Feitosa. Os troncos são originados do solo a partir de depósitos erodidos, também da Formação Missão Velha. “O arenito em torno dele vai embora e o tronco, em si, fica, pelo peso que ele tem”. 

Retirada 

Em fevereiro deste ano, moradores do Sítio Poço do Pau foram surpreendidos com a chegada de um caminhão guincho para retirar aquele que é, até agora, o maior tronco fóssil encontrado na Bacia do Araripe. Dividido em três partes, com cerca de seis metros de tamanho e um diâmetro aproximado de um metro, todo o material coletado pesa cerca de seis toneladas. A retirada durou dez horas.

“Vieram aqui olhar uma vez e quando voltaram, já foi para tirar. A gente não fazia ideia da importância, mas gostava muito da pedra. Eu nasci e me criei aqui e sempre vi ela. Era nossa ‘pedra diferente’. A gente sente falta”, conta a agricultora Francisca Agostinho, que mora na propriedade onde o tronco foi encontrado. Inclusive, o muro que cerca a casa dela foi construído em torno da grande rocha, preservando-a. 

A retirada da peça de Brejo Santo foi uma ação conjunta entre o Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, em Santana do Cariri, e a Prefeitura deste Município. De acordo com o diretor do equipamento, professor Allyssson Pinheiro, a instituição tinha conhecimento da ocorrência de troncos enormes em Brejo Santo. “A gente pensou em algumas ações, monitoramos e o relato que chegou era que estava sendo depreciado, mal cuidado”, justifica. 

A operação foi chamada de “resgate” pelo Museu. “Foi um convencimento grande para que retirasse e levasse. Uma operação complicada”, admite Pinheiro.
Hoje, os troncos estão em uma praça, em Santana do Cariri, expostos sem qualquer sinalização de origem. “No museu, achamos melhor não adentrar pelo tamanho. Mas ela precisa de reforma para ter todas as informações, cercar e exibir com maior propriedade. O trabalho não acabou. A gente tem que repactuar com a Prefeitura e dar a visibilidade que merece”.

Impacto

Nascida e criada na comunidade vizinha ao local onde o tronco foi retirado, a bióloga Alita Neves acredita que deveria ter sido feito trabalho de educação ambiental com moradores. “Eles entenderiam a importância de preservar, e isso poderia trazer um geoturismo. A comunidade seria vista e teria até mais incentivos públicos”, justifica. É o mesmo pensamento do paleontólogo Álamo Feitosa, que discordou da retirada da peça. “Primeiro tem que entender a relação daquela comunidade com os fósseis e traçar uma estratégia, uma linguagem para preservar este patrimônio. Ali poderia ser sinônimo de desenvolvimento sustentável, geração de renda”.

O secretário de Meio Ambiente de Brejo Santo, Vicente Lídio, diz que não tomou conhecimento da retirada do fóssil e reconheceu que não sabia que o sítio Poço do Pau guardava peças de valor científico. “Não passaram nada para a gente”, reforçou. 
O diretor do Museu de Paleontologia admite que o Município não foi contactado porque não há, nele, estrutura para recebê-lo. “Lá tem um campus da Universidade Federal do Cariri (Ufca), que é parceira nossa, e que a gente pode criar um espaço, em um tempo intermediário, com condições de montar essa estrutura e dar um desenvolvimento regional”, antecipa.