De WhatsApp a viagens: o trabalho de profissionais para aplicar a 2ª dose da vacina contra Covid-19

De carro, moto ou a pé, equipes de saúde costuram zonas rurais no Interior do Ceará para conseguir imunizar e levar informações aos pacientes

Escrito por Lígia Costa , ligia.costa@svm.com.br
Legenda: Devido às condições das estradas, o técnico de enfermagem Alan realiza a maior parte dos trajetos de moto
Foto: Arquivo pessoal

Impulsionados pelo espírito de equipe e por uma forte obstinação, vacinadores percorrem rincões do Ceará para alcançar pessoas que ainda não tomaram a segunda dose (D2) da vacina contra a Covid-19

As estratégias vão desde a busca ativa por cada paciente entre diversas localidades, até a criação de grupos de WhatsApp, a partir dos quais são transmitidos alertas e informações.

O importante ‘trabalho de formiguinha’ vem sendo desenvolvido diariamente por várias equipes multiprofissionais no Interior do Estado, uma das quais Helena Cardozo, 27, faz parte. 

Enfermeira há três anos, ela e os colegas de equipe vão praticamente todos os dias ao encontro de pacientes da zona rural de Canafístula, distrito do município de Apuiarés, na Região Norte do Ceará.  

Legenda: Helena também vacinou o avô Antônio Cardozo, de 80 anos
Foto: Arquivo pessoal

Além da enfermeira, fazem parte da equipe uma médica, duas técnicas de enfermagem, quatro agentes comunitários de saúde (ACS) e uma dentista. 

"Temos o transporte da Prefeitura, que leva a gente até os pacientes, por todas as localidades. A gente roda por vários distritos, por quatro PSFs (Postos de Saúde da Família) distantes um do outro", detalha. 

Desinformação prejudica imunização 

Durante as visitas, Helena encontra pacientes ávidos pela imunização. Mas também se depara com quem – especialmente idosos - rejeita a ideia de tomar a segunda dose da vacina. 

A recusa tem como principais justificativas a descrença na efetividade do imunizante ou mesmo o temor por supostos efeitos letais da vacina. Pensamentos reforçados, sobretudo, pela desinformação.  

Portanto, além de vacinar, profissionais como Helena também se sentem na obrigação de desenvolver um trabalho de conscientização. 

Foto: Arquivo pessoal

“A gente entra em contato com a agente de saúde da área, vai até essa pessoa, conversa e tenta fazer com que ela vá tomar a vacina. A gente fala que é importante, que ajuda a prevenir [a Covid], que ela vai ter sintomas mais leves [em caso de infecção pelo vírus]. Muitas vezes, a gente consegue convencer. Outras, não”.   

Segundo a enfermeira, a desconfiança também cresce quando os pacientes sentem algumas reações adversas da primeira dose (D1) da vacina. Embora efeitos colaterais leves já sejam esperados nesses casos."Está sendo um momento de muita batalha pra gente, mas é muito prazeroso também levar essa dose de esperança até o paciente", endossa.

O Ceará contabiliza mais de um milhão de segundas doses aplicadas. Ao todo, foram 1.089.383, soma o Vacinômetro da Sesa, atualizado pela última vez nesse domingo (6).

Proximidade com os pacientes 

Com o intuito de esclarecer notícias falsas e lembrar o dia correto da vacinação, por exemplo, a enfermeira Jordana Andrade, de 33 anos, resolveu criar grupos no WhatsApp. Assim, consegue interagir com os seus pacientes espalhados na zona rural de Apuiarés.  

“Eu tenho três grupos de WhatsApp de áreas onde não tem agente de saúde. São grupos com as pessoas das comunidades, das localidades que eu atendo pra gente repassar que estamos vacinando grupo tal”, diz, acrescentando que nesses grupos também identifica quem ainda não foi vacinado. “Temos e-mails, publicações, é bem legal. E a equipe toda contribui". 

A equipe de saúde da qual Jordana faz parte reúne 11 pessoas. Há ela como enfermeira, médico, duas técnicas de enfermagem, dentista, auxiliar de dentista, motorista, duas auxiliares do serviço e dois agentes de saúde.  

Legenda: Paciente de Jordana, a idosa Maria das Mercês, de 101 anos, já tomou as duas doses da vacina
Foto: Arquivo pessoal

Apesar de ter Santo Antônio como sede, o grupo realiza visitas diárias a outras cerca de nove localidades como Tabuleiro, Vila São João e Ilha. Em geral, os trajetos são feitos de carro, mas a depender das circunstâncias, também podem ser concluídos a pé.  “A gente liga, procura. Se [o paciente] não está em casa, a gente volta mais tarde. Ou no outro dia porque na zona rural as casas são distantes". 

Assim como Helena, Jordana também tem pacientes que resistiram à imunização. Mas foram “poucos”, estima. Existe “aquele preconceito ainda de que [a vacina] vai matar, mas é a minoria que pensa assim, são poucos mesmo. A maioria já está esperando [a vacinação] feliz. É muito bonita a reação deles. Eles cantam, dançam, fazem oração em agradecimento. É bem interessante”.   

Um dos pacientes da enfermeira é o agricultor Julião Gonzaga Sousa, de 89 anos, morador de Jaburu, localidade de Apuiarés. Um vídeo do idoso viralizou na Internet, após ele aparecer dançando por ter recebido a primeira dose da vacina.

Um dos poucos impeditivos à aplicação da segunda dose nas áreas onde Jordana cobre é o surgimento de sintomas de Covid-19 em alguns pacientes. “E o ideal é não fazer [a vacinação]” nesses casos. Outro problema pontual, é a dificuldade para encontrar algumas dessas pessoas em casa.  

“Se o paciente não está na sua residência, a gente faz a busca ativa. [Certo dia], a técnica de enfermagem da minha equipe se deslocou junto com o motorista para outro município para que um casal de idosos não perdesse a segunda dose”, rememora.  

Busca ativa e permanente

A peregrinação para ampliar a cobertura vacinal também faz parte da rotina do técnico de enfermagem Alan Weiny Antunes da Silva, de 25 anos. Ele atua há cinco anos na área, no município de Tarrafas, na Região do Cariri. Os seus dias são preenchidos por visitas às localidades. Sejam de moto ou de carro. 

“A gente fez a vacinação dos idosos na casa de cada um e vacinou todos, nas suas localidades. Da segunda dose, até o momento, só tivemos uma recusa. A pessoa, de 75 anos, tomou a primeira e não quis a segunda. Fomos lá duas vezes, conversamos, explicamos, mas ela disse que não iria tomar”.  

Legenda: Alan Weiny se desloca praticamente todos os dias para imunizar os pacientes
Foto: Arquivo pessoal

A negativa foi justificada pelos efeitos supostamente perigosos, provocados pela segunda dose no organismo. Primeiro, “ele [paciente] não compareceu ao local em que a gente estava dando a segunda dose. Depois, fomos até a casa dele fazer a busca ativa, mas falaram pra ele que quem estava tomando a segunda dose estava pegando a doença e morrendo. Fomos lá outro dia e acabou que, infelizmente”, ele disse não. 

Como muitas estradas carroçáveis das localidades de Tarrafas ficaram em más condições de tráfego devido às chuvas, a maior parte dos trajetos são realizados por Alan de motocicleta. Além dos quatro PSFs do município, Tarrafas conta com outros pontos de apoio para as vacinações.

"Tem o caso de pessoas que não têm transporte e não podem se locomover. Aí a gente vai de moto. [Nesta terça-feira, 8] mesmo, vamos a um distrito a 20 quilômetros da sede fazer umas D2 e as D1 já de comorbidade". 

Legenda: Jordana e a técnica de enfermagem em um trecho de trajeto a pé, após um dia de chuva
Foto: Arquivo pessoal

População consciente

Trabalhando como enfermeira há dois anos na zona rural de Abaiara, no Cariri, Jessivânia Rodrigues Silva, 27, garante que a maioria da população do município preza pela aplicação da segunda dose da vacina contra a Covid. Inclusive, cobram que ocorra no dia previsto no cartão de imunização.

"A gente todo um controle e sabe direitinho quem é o paciente que está faltando a dose. No momento em que ela [vacina] chega, como a gente já sabe quem é, vai ao domicílio" realizar a aplicação. 

Temos que ir atrás dessas pessoas porque não dá para perder nenhuma gota dessa vacina. Mas não tivemos trabalho de ter que buscar paciente em outro domicílio não"
Jessivânia Rodrigues Silva
Enfermeira

Do contrário, é realizada a busca ativa pelo paciente. "Sempre vai ter um paciente que diz que tomou a primeira dose e sentiu algum sintoma, aí fica meio receoso. Aí tem toda aquela questão do diálogo, da gente explicar, esclarecer". 

Para dar melhor assistência aos pacientes, às terças e sextas-feiras a equipe da qual Jessivânia faz parte realiza os atendimentos em um ponto de apoio, no Sítio Urubu. Já nas segundas, quartas e quintas, a vacinação ocorre em um posto na sede, localizada no sítio Olho D’Água de Pedras.

"Quando tem alguma medicação de rotina para aplicar e o paciente não tem como ir, a gente vai a domicílio. Esses sítios ficam bem distantes. Então, a gente sobe pro ponto de apoio pra poder prestar assistência lá porque já facilita a vida da população". 

 

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