45% das cidades têm problema de favelização

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Concentração de renda e falta de planejamento urbano são causas da expansão de moradias irregulares no Interior

Fortaleza. Há algumas décadas, favela era coisa de Capital ou Região Metropolitana. Agora, as moradias irregulares estão espalhadas, definitivamente, pelo Interior do Estado. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas (Munic 2008), realizada pelo IBGE, 83 municípios cearenses – ou 45% dos 184 existentes – declararam a presença de favelas, palafitas, mocambos ou moradias semelhantes.

O crescimento urbano desordenado ainda pode ser comprovado pelos 86 municípios que reconheceram a existência de loteamentos clandestinos ou pelos 48 que declaram haver cortiços, casas de cômodo ou cabeças-de-porco na paisagem da cidade.

Coincidência ou não, a falta de planejamento urbano também é latente. À época da pesquisa, 70 municípios cearenses tinham plano diretor, enquanto 30 revisavam documento antigo e 43 estavam em fase de elaboração. Já o Plano Municipal de Habitação só era realidade em 30 unidades municipais, apesar de outras 77 estarem elaborando a legislação.

Trinta e quatro prefeituras não têm qualquer órgão responsável por ações de habitação na estrutura administrativa pública. Os conselhos municipais de habitação já haviam sido criados em 70 cidades, mas apenas 40 deles haviam tido reuniões nos 12 meses anteriores à resposta do questionário, mostrando que a simples existência de um órgão para a tomada de decisões de forma coletiva não garante que isso aconteça de fato.

Na avaliação da professora de Projeto Urbanístico e Planejamento Urbano da Universidade de Fortaleza (Unifor), Andrea Agda, a pesquisa do IBGE comprova o fenômeno da favelização chegando aos municípios do Interior que, de acordo com ela, é recente, tendo iniciado cinco ou, no máximo, dez anos atrás. Conforme a especialista, o processo é conseqüência da desigualdade do modelo de desenvolvimento capitalista. “Está havendo um progresso, mas com concentração de riqueza na mão de poucos”, analisa.

Segundo ela, a urbanização está sendo levada para o campo, mas por um “caminho preocupante”. Agda lembra que a favelização nos municípios interioranos é uma contradição muito grande. “Na cidade, o bem que mais onera é o valor da terra mas, no Interior, o que mais tem é terra. E terra livre”, observa Agda.

Uma das explicações para esse fenômeno, de acordo com a professora, é de estar havendo uma espécie de êxodo interno no Interior, com as populações das zonas rurais dos municípios se deslocando para as partes urbanas, ou seja, as sede. Como não têm recursos para comprar uma moradia digna, acabam morando em espaços impróprios.

A falta de legislação, como os planos diretor e municipal, é o que mais contribui para esse crescimento desordenado dos municípios, na opinião de Andrea Agda, pois “o mercado em si não vai resolver o problema da habitação”. A professora ressalta que a criação de um plano diretor não é a solução para tudo, mas ajuda à medida que identifica áreas de vazio urbano e de preservação permanente, entre outras.

Para a especialista, o problema não vai ser resolvido de uma hora para outra, mas o caminho passa pelo planejamento urbano, a reforma agrária e o incentivo à produção, de forma a fixar o homem no campo. “No momento em que tem um pedaço de terra, você equilibra latifúndios com pequenas propriedades”, pondera.

Critérios
A característica mais comum declarada pelos municípios para comprovar a existência de favelas, palafitas e afins é o fato de não haver título de propriedade na maioria das unidades habitacionais, seguido da não regularização das construções pelos órgãos públicos.

Segundo o chefe da unidade estadual do IBGE, Francisco José Moreira Lopes, as favelas do Interior têm tamanhos e formas bastantes desiguais e são conseqüência do déficit habitacional nas cidades onde estão situadas. Considerando o percentual de 45% “bastante significativo”, ele lembrou que as populações que vivem nesses locais acabam sofrendo mais ainda a falta de oferta de saneamento básico, água e energia. “As pessoas moram amontoadas. Essa é uma questão preocupante”, considera.

ÍCARO JOATHAN
Repórter

DESENVOLVIMENTO

"Os governos têm uma visão metropolitana de desenvolvimento que é diferente da nossa"
Carlos Macêdo
Presidente da Aprece

FIQUE POR DENTRO

Maioria dos municípios busca soluções
Não há somente dados negativos na área de habitação da Munic 2008. Pela pesquisa, 161 municípios cearenses (87%) realizam ações na área de habitação. Foram 122 prefeituras que construíram novas unidades habitacionais, 111 que melhoraram outras já existentes e 48 que adquiriram casas já prontas. A média nacional para esse índice ficou em 80%. Por outro lado, apenas 25% das prefeituras fizeram regularizações fundiárias e apenas 25 dispõem de legislação sobre o assunto. Francisco Lopes destacou também o fato de 46 cidades terem conselhos municipais de política urbana. Apesar de o índice corresponder a 25% do total de municípios, o chefe estadual do IBGE considera esse ´um bom começo.

DESENVOLVIMENTO

Aprece pede mais atenção para o Interior


Fortaleza. Os dados da Munic 2008, principalmente os relativos ao número de cidades com favelas e moradias irregulares no Interior do Estado, motivaram o presidente da Aprece, Carlos Macêdo, a fazer uma reflexão sobre a necessidade de uma maior interiorização do desenvolvimento econômico no Estado.

“Se existe um foco de pobreza no Nordeste, ele está no campo. O empobrecimento hoje está na zona rural. É por isso que se dá o êxodo rural. Pela falta de estrutura das cidades pequenas e médias”, denuncia. Ele citou como exemplo o fato de o programa Ronda do Quarteirão atender a poucas cidades do Interior mesmo depois de um ano de implantação.

Muitas vezes, a ajuda dos governos chega atrasada, como a liberação dos recursos

Segundo Macêdo, muitas vezes a ajuda dos governos estadual ou federal chega atrasada, como a burocracia para a liberação dos recursos em assistência aos desabrigados das enchentes deste ano no Ceará. Por causa da longa espera, conforme o prefeito, as vítimas acabam construindo casas em áreas de risco, aumentando as ocupações irregulares.

O presidente da Aprece falou ainda que é preciso haver maior interação entre o Estado e os municípios para definir a instalação de políticas e equipamentos públicos. “Os governos têm uma visão metropolitana de desenvolvimento que é diferente da nossa do Interior. O que interessa pra gente são coisas menores. Nosso mundo é o da sobrevivência”, declara.

Mesmo assim, a Coordenadoria de Imprensa do Governo do Estado lembrou que várias ações estão sendo tomadas para interiorizar o desenvolvimento, entre elas o Eixão de Águas, a recuperação, construção e restauração de 2 mil quilômetros de rodovias, a construção de 16 policlínicas e 37 cadeias públicas.

Outro ponto ressaltado foi o Governo Itinerante, que já transferiu a sede administrativa do Estado 56 vezes para o Interior, mantendo contato com prefeitos e secretários locais para discutir investimentos. Além disso, lembrou-se da reunião realizada pelo governador Cid Gomes, no fim do mês passado, com a presença dos 184 prefeitos eleitos e reeleitos do Ceará para discutir e apresentar projetos.