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Violência política: como o assunto está sendo tratado no Legislativo e Judiciário após casos no País

Número de crimes motivados por questões políticas aumentou durante a campanha eleitoral

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
Polícia, Policia
Legenda: Ameaça é a forma de violência política mais registrada no País
Foto: Kid Júnior

Mesmo com o aumento de casos de violência política no País, o tema tem perdido o fôlego no Legislativo e Judiciário ao passo que a campanha eleitoral vai chegando ao fim. Na Câmara dos Deputados, apenas três projetos de lei sobre o assunto foram apresentados neste ano – um ainda na pré-campanha, em junho, e dois em agosto.

Já de janeiro a setembro deste ano, 426 casos de violência política foram registrados no Brasil – dos quais 72 culminaram em homicídios.

Além disso, chama atenção o aumento acelerado nos números de violência política de julho a setembro – período da campanha eleitoral no primeiro turno. Nesses três meses, 212 casos de violência política foram contabilizados no País – 99% do total registrado nos seis primeiros meses deste ano, quando 214 crimes ocorreram.

Os dados são do Observatório da Violência Política e Eleitoral (OVPE), que monitora casos de violência contra lideranças políticas com base no acompanhamento diário da mídia impressa, eletrônica e digital.

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Entre as ocorrências mais comuns de violência política, estão ameaças com 196 casos; agressões, com 98; e homicídios (72). Tamanha a escalada da violência motivada por questões políticas ou partidárias que dois homicídios contra apoiadores de candidatos foram registrados no Ceará na reta final da corrida eleitoral do primeiro turno.

Um dos crimes vitimou um motorista da candidata a deputada estadual Sabrina Veras, durante um ato de campanha no bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza. A Polícia investiga o caso. O outro episódio vitimou um eleitor do ex-presidente Lula, que foi executado a facadas em Cascavel após um homem chegar perguntando "Quem é Lula aqui". O acusado, o pedreiro Edmílson Freira da Silva, foi preso.

Na última terça-feira (24), a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) concluiu "uma vida foi ceifada por divergência política".

Para especialistas ouvidos pela reportagem, é necessário fortalecer as leis já existentes e punir com celeridade violências motivadas por questões políticas para coibir o aumento desse tipo de crime.

Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto aponta, inclusive, que outras formas de coação têm sido utilizadas nesse momento como violência política, mas não têm sido tratadas como tal.

"Há uma violência que vai além da física, que nós precisamos de um tipo específico de enfrentamento: que é o retorno do assédio eleitoral, que é o antigo voto de cabresto, consequência do coronelismo, mas repaginado. É uma violência do trabalho e uma violência política também. É um ilícito contra a democracia. E há, também, uma violência hoje decorrente de fake news, que altera a realidade e não deixa de ser uma violência contra candidatos e, principalmente, contra o eleitor"
Fernandes Neto
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE

Já o cientista político e professor universitário Clésio Arruda critica a falta de isonomia ao punir episódios de violência política.

"Nós temos hoje violência praticada no campo político que não está sendo coibida como deveria ser. Tomando como exemplo o delito cometido pelo Roberto Jefferson. A primeira questão que salta aos olhos é: como alguém que está em prisão domiciliar ao mesmo tempo porta armas em domicílio, inclusive, granada? É um delito absurdo. Inclusive, aí já poderia ter sido coibido"
Clésio Arruda
Cientista Político e Professor Universitário

Propostas no Legislativo

Dentre os três projetos de lei apresentados na Câmara dos Deputados, um propõe tornar crime eleitoral a prática de violência ou ameaça contra juiz eleitoral, candidato, delegado de partido, fiscal e eleitores com finalidades ou motivação política eleitoral durante o período eleitoral.

De autoria do deputado federal Roberto Alves (Republicanos-SP), a medida prevê reclusão de 4 a 8 anos, além da pena prevista pelo crime praticado – lesão corporal, homicídio, extorsão, entre outras.

Os outros dois projetos, de autoria do deputado federal cearense José Guimarães (PT), quer aumentar as penas previstas para violência política e violência política de gênero, ambos crimes já tipificados na Legislação – sendo o primeiro no Código Penal e o segundo no Código Eleitoral.

72
Pessoas foram assassinadas por divergências políticas de janeiro a setembro deste ano

Atualmente, a violência política tem pena de 3 a 6 anos, e multa, além da pena correspondente à violência praticada. Já a sanção prevista para violência política de gênero é de 1 a 4 anos de reclusão. Pelo PL 2273/2022 do petista cearense, ambos crimes teriam penas de 5 a 10 anos de reclusão e multa. 

O outro projeto de lei de Guimarães pretende aumentar a pena de violência política de gênero – de 2 para 6 anos. Esta medida foi apensada a outro projeto em tramitação mais avançada na Câmara, o PL 5611/2020, de autoria do deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP).

No Senado Federal, apenas um requerimento foi apresentado neste ano, em junho, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa com o objetivo de investigar as denúncias de violência política recebidas pela Casa. 

Ainda que o Legislativo tenha debatido o assunto, as propostas ainda seguem nas comissões.

Judiciário

No Judiciário, o tema foi citado para justificar decisões do Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas, por exemplo, foi a medida cautelar imposta pelo ministro Edson Fachin, em setembro, para restringir a aquisição de armas de fogo por caçador, atirador e colecionador (Cacs) no período eleitoral.

No Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a possibilidade de violência política foi utilizada para justificar a decisão da Corte, de 30 de agosto, que proibiu o porte de armas nas seções de votação no dia da eleição. A medida acabou ampliada, e a Corte proibiu o transporte de armas de fogo no dia da votação, nas 24h anteriores e posteriores ao pleito em todo o território nacional.

O combate às violências psicológica e física motivadas por questões políticas também foi objeto de decisões do TSE no início do ano, quando a Corte deliberou sobre mudanças no estatuto do Republicanos para incluir a prerrogativa no âmbito da agremiação.

Além disso, a Justiça Eleitoral também fez uma ampla campanha sobre o assunto, inclusive abrindo um canal para receber denúncias do tipo no site, no "Sistema de Alerta de Combate à Violência nas Eleições".

Apesar de reconhecer o esforço do Poder Judiciário para combater a violência política, Fernandes aponta a necessidade de modernização dos sistemas de Justiça e das Forças Policiais para que o enfrentamento acompanhe o avanços dos crimes.

"Como enfrentar fake news nas eleições, que é uma arma digital, com parâmetros ainda analógicos? Há um desequilíbrio nesse enfrentamento. Através de mecanismos como fake news, assédio moral, todas essas violências podem gerar como consequência uma violência física, como lesão corporal, e até homicídio motivado por violência política" 
Fernandes Neto
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE

Para buscar matérias sobre o tema na Câmara e no Senado, a reportagem utilizou como filtro o termo "violência política" na busca das matérias legislativas em 2022. A mesma metodologia foi aplicada no site do STF e TSE.

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