Legislativo Judiciário Executivo

Quais as principais irregularidades e por que concursos públicos estão na mira do Governo Federal

Um projeto de lei que está em tramitação no Senado busca regulamentar regras gerais de certames

Escrito por Alessandra Castro , alessandra.castro@svm.com.br
concurso, prova
Legenda: Na avaliação de especialistas, o projeto que regulamenta concurso quer diminuir inseguranças jurídicas
Foto: Agência Brasil

Em busca de diminuir questionamentos jurídicos, o Governo Federal estuda votar uma lei que trate exclusivamente sobre concurso público. A matéria, que já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está em tramitação no Senado, prevê regras gerais para todas as etapas do certame: desde autorização para a abertura, critérios para escolha da banca, execução até avaliação. 

Atualmente, os concursos públicos são regulados por decretos, por trechos da Constituição e por regras dos estados, municípios e pelos editais que trazem as normas características de cada seleção. As formas de normatização de certames, todavia, não impossibilitam gestões públicas de cometerem irregularidades em qualquer uma das etapas.  

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A matéria que tramita no Senado não anula regras já estabelecidas, mas busca deixar claro itens gerais que devem ser atendidos para garantir isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência, conforme explicam especialistas ouvidos pela reportagem. Assim, os entes federados teriam que seguir o básico para poder criar suas próprias normas, sem ferir a nova lei, caso ela seja aprovada.

De acordo com o projeto de lei 2258/2022, a exceção ocorreria apenas em casos determinados pela própria Constituição Federal, como no concurso de juiz, do Ministério Público, da Defensoria Pública e das Forças Armadas que continuariam seguindo seu próprio regramento. 

O PL ainda não tem data para ir à votação.

Irregularidades 

De acordo com especialistas, a matéria busca evitar irregularidades, que frequentemente levam certames a questionamentos judiciais. Além disso, o projeto quer normas mínimas para o gestor público abrir um concurso a fim de evitar contratações excessivas de servidores temporários. 

Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público (Caodpp) do Ministério Público do Ceará, o promotor Silderlandio Nascimento aponta que, só no Ceará, 20 recomendações e 7 termos de ajustamentos de conduta sobre concursos públicos foram abertos pelo órgão contra gestores, entre 1 de janeiro de 2022 e o dia 24 deste mês.

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Entre as solicitações, o MPCE pede a realização de certame para substituição de temporários em excesso; celeridade na homologação de resultados de concurso; correção de erros na convocação de aprovados; verificação de irregularidades em editais, entre outras. 

Uma dessas recomendações, inclusive, se transformou em ação civil pública. É o caso do município de Jaguaruana, que é alvo do órgão pelo número excessivo de contratos temporários que privilegiam "apadrinhamentos políticos". No dia 22 deste mês, o MPCE abriu ação civil pública para determinar na Justiça que a prefeitura da cidade realize concurso público e substitua os temporários. 

profissionais da Saúde, Saúde
Legenda: Concurso da Funsaúde, realizada em 2021, aprovou 6 mil candidatos para atuar em diversas áreas da Saúde no Estado
Foto: Camila Lima

Outro caso alvo do MPCE foi o concurso da Funsaúde, realizado pelo Governo do Ceará em outubro de 2021. Em março deste ano, o órgão pediu a nomeação imediata dos aprovados, tendo em vista que até aquela data apenas 10,59% dos mais de 6 mil aprovados foram convocados.  

Em maio, a Justiça cearense negou a decisão depois que o governador Elmano de Freitas (PT) se comprometeu com a convocação. 

Para Silderlandio, as normas previstas no projeto de lei trazem mais segurança para os candidatos, mas ainda podem ser mais discutidas. 

"As mudanças procuram trazer um prazo mínimo para que os candidatos se preparem de forma adequada, para que em editais lançados hoje, a prova não ocorra daqui a 15 dias. Há regras estabelecendo exigências em relação a critérios para provas psicotécnicas, provas físicas e objetivas. Há também a previsão de que que no próprio edital deve ser estabelecido a bibliografia do concurso público, para que a banca possa avaliar adequadamente" 
Silderlandio Nascimento
Coordenador do Caopp do MPCE

Ressalvas 

Advogado e professor universitário de Direito, Harley Carvalho avalia que o Governo pode até querer trazer mais clareza com a medida, mas não necessariamente o aumento no número de normas trará mais “segurança jurídica". 

"Essa pode ser a intenção do Governo, mas não necessariamente isso será obtido, porque todas as regras vão ter um espaço para disputas interpretativas. Quanto maiores as previsões legais, maiores os espaços de judicialização. Então, o Governo pode estar buscando trazer mais segurança jurídica, e o efeito ser o oposto" 
Harley Carvalho
Professor Universitário

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Presidente da Federação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal do Estado do Ceará (Fetamce), Socorro Pires defende a regulamentação dos concursos públicos por força de lei federal, por trazer mais clareza sobre alguns pontos de discordância em certames. Todavia, ela tem ressalvas ao projeto que tramita no Senado, por não prever, obrigatoriamente, a realização do concurso quando os critérios mínimos impostos para a abertura do certame forem atingidos. 

"Nós entendemos como necessária a regulamentação para os concursos públicos, inclusive nós defendemos que as administrações públicas tenham dispositivo de obrigatoriedade para o concurso. A Constituição Federal garante que a entrada na administração pública seja por concurso, mas em alguns municípios isso não é cumprido. Embora esse PL que está tramitando traga algumas medidas necessárias, a gente tem algumas ressalvas e a principal elas é para que o certame seja realizado em parte ou integralmente"
Socorro Pires
Presidente Fetamce

Regras 

Além de estabelecer normas que já são comumente aplicadas, o texto do PL 2258/2022 também traz novidades, como a possibilidade de estender o curso de formação – que já é aplicado para algumas carreiras específicas – para outras profissões do funcionalismo público e a possibilidade a aplicação de prova a distância, digitalmente, em ambiente seguro, por exemplo.

Entre as principais regras, estão a exigência de, no mínimo, avaliação por provas ou provas e títulos e vedação de qualquer etapa do concurso público que discrimine candidatos, seja por idade, sexo, estado civil, condição física, deficiência, etnia, naturalidade, proveniência ou local de origem.  

Se aprovadas, as novas regras valeriam apenas para novos certames, e não para aqueles já lançados ou que ainda sejam válidos. 

Confira abaixo algumas das principais normas do projeto de lei que regulamente concursos públicos.

Requisitos mínimos 

Os concursos devem atender pelo menos três requisitos mínimos para analisar conhecimentos, habilidades e competências dos candidatos. Os pontos devem ser medidos da seguinte forma: 

  • Conhecimentos — domínio de matérias ou conteúdos relacionados às atribuições; 
  • Habilidades — aptidão intelectual ou física para execução prática de atividades compatíveis com as atribuições; 
  • Competências — aspectos comportamentais vinculados às atribuições. 

Autorização para abertura 

O concurso público deve ser aberto quando for motivado por alguns dos itens a seguir: 

  • Evolução do quadro de pessoal nos últimos cinco anos e estimativa das necessidades futuras em face das metas de desempenho institucional para os próximos cinco anos; 
  • Denominação e quantidade dos postos a prover, com descrição de suas atribuições; 
  • Inexistência de concurso público anterior válido para os mesmos postos, com candidato aprovado e não nomeado; 
  • Adequação do provimento dos postos, em face das necessidades e possibilidades de toda a administração pública; 
  • E estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício previsto para o provimento e nos dois exercícios seguintes.

Quem pode autorizar novos concursos 

Os certames podem ser autorizados apenas por: 

  • Comissão organizadora interna ao órgão ou entidade;  
  • Ou por órgão ou entidade pública pertencente ao mesmo ente federativo ou, excepcionalmente, a ente diverso, que seja especializado na seleção, na capacitação ou na avaliação de servidores ou empregados públicos. 

Responsabilidades da comissão 

A comissão organizadora responsável deve ficar encarregada por: 

  • Planejar todas as etapas do concurso público; 
  • Identificar os conhecimentos, habilidades e, quando for o caso, competências necessárias ao exercício dos cargos; 
  • Decidir sobre os tipos de prova e os critérios de avaliação mais adequados à seleção, levando em consideração os conhecimentos, habilidades e competências necessários; 
  • Definir, com base nas atribuições dos postos, o conteúdo programático, as atividades práticas e os aspectos comportamentais a serem avaliados; 
  • Decidir sobre o uso de avaliação por títulos, se lei específica não a determinar, bem como sobre os títulos a serem considerados, em vista dos conhecimentos, habilidades e competências necessárias; 
  • Fazer publicar o edital de abertura e os demais comunicados relativos ao concurso público; 
  • Executar todas as fases ou etapas do concurso; 
  • Designar os avaliadores das provas, com formação acadêmica e atividade profissional compatíveis; 
  • Designar instituição especializada para executar o concurso ou algumas de suas etapas e por se responsabilizar por garantir o sigilo das provas. 

Edital 

O edital do concurso público já deve trazer previsto: 

  • A denominação e a quantidade de vagas, com descrição de suas atribuições e dos conhecimentos, habilidades e competências necessários a serem desempenhadas pelo servidor; 
  • A identificação do ato que autorizou o certame; 
  • Vencimento inicial, com discriminação de parcelas; 
  • Procedimentos para inscrição; 
  • Valor da taxa de inscrição, isenção e redução; 
  • Tipos de provas e critérios de avaliação, com conteúdo programático, atividades e práticas já especificados; 
  • Títulos considerados na avaliação, se for o caso; 
  • Instituição responsável pela realização do certame; 
  • Critérios de avaliação do programa formação; 
  • Critério de classificação, desempate e de aprovação no concurso público; 
  • Requisitos de nomeação 
  • Percentuais mínimos e máximos de vagas destinadas a pessoas com deficiência ou ações afirmativas e de reparação histórica, com descrição dos procedimentos para comprovação; 
  • Condições para a realização de provas por pessoas em situação especial; 
  • Formas de Divulgação dos resultados; 
  • Prazos para recursos; 
  • Validade do concurso e possibilidade de prorrogação. 

Provas e títulos 

As provas devem avaliar os requisitos mínimos do concurso conhecimentos, habilidades e competências (esta última quando for o caso) em diferentes etapas, que podem ser classificatórias, eliminatórias ou ambas. A exceção é para prova de títulos, que terá sempre caráter classificatório. As avaliações válidas são: 

  • De conhecimentos: provas escritas, objetivas ou dissertativas, e provas orais, que cubram conteúdos gerais ou específicos; 
  • De habilidades: elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do posto, bem como testes físicos compatíveis com suas atividades; 
  • De competências: avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico. 

Curso de Formação 

O curso de formação poderá ser eliminatório ou classificatório, ou ambos, exceto para os cargos que já têm a exigência prevista. O curso deve:

  • Treinar para as atividades, práticas e rotinas do cargo; 
  • Instruir competências e funcionamento do órgão público. 
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