Quais as chances de Lula e Bolsonaro no Ceará em 2022, segundo cientistas políticos
Pelas recentes pesquisas eleitorais, a polarização entre o presidente e o ex-presidente da República no pleito de 2022 é certa
Não dá para fugir. Em 2022, nas eleições presidenciais, a polarização é certa. Hoje, pelas pesquisas de opinião, Lula (PT) e Bolsonaro (PL) detêm a maior parte do eleitorado brasileiro. As chances de uma terceira via forte o bastante para desbancar qualquer um dos dois ainda são remotas.
Mas, como deve ser essa batalha em solo cearense? Quais são as chances reais de cada um vencer o pleito aqui? É possível, a essa altura, um tirar voto do outro?
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O Diário do Nordeste ouviu três pesquisadores da área da ciência política para saber o que eles pensam sobre as chances de Lula e Bolsonaro no Ceará, qual deve ser o peso das alianças políticas no palanque estadual e qual cenário se desenha para 2022.
Os especialistas são:
- Leurinbergue Lima, consultor político
- Monalisa Soares, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) e professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará (UFC)
- Paula Vieira, cientista política e pesquisadora do Lepem-UFC
Leia, na íntegra, as opiniões
Quais são os pontos fortes de Lula e Bolsonaro no Ceará?
Bergue Lima – Os dois possuem o maior recall e uma base consolidada.
Monalisa Soares – Lula tem uma base bem expressiva, há uma memória muito significativa do legado do ex-presidente no Nordeste e no Ceará, especificamente. As últimas pesquisas de intenção de voto só sobre o Ceará mostraram isso. Há ampla maioria, mais da metade do eleitorado. Isso mostra um adensamento dessa memória e da preferência pelo ex-presidente. São esses seus pontos fortes. Há uma memória significativa do seu legado.
Em relação a Bolsonaro, o ponto forte é a organização de um campo de conservadorismo moral na sociedade brasileira como um todo e que também se expressou na sociedade cearense. A gente conseguiu observar de forma muito significativau tanto na eleição de 2018 como na de 2020, um conjunto de representantes no Legislativo que fazem muito esse discurso do conservadorismo moral. E é um campo em que o presidente joga muito. Então, esse segmento da sociedade pode ainda ser muito mobilizado. É um campo forte que o presidente pode mobilizar em nome de ter sua base para fazer campanha no próximo ano.
Paula Vieira – Lula sempre teve uma boa performance no Ceará, especialmente no que diz respeito a políticas públicas como a redistribuição de renda e o planejamento para as áreas rurais. Ele sempre teve uma boa inserção aqui. Então, a forma como constrói as alianças pode ser uma vantagem.
Em relação a Bolsonaro, a grande vantagem é o crescimento de perspectivas mais conservadoras na população: o apoio dos evangélicos, o antipetismo ainda existente e, principalmente, o crescimento de lideranças mais à direita, mais conservadoras, tanto na Assembleia (Legislativa) como na Câmara Federal. E o próprio Capitão Wagner (do Pros, deputado federal e pré-candidato a governador).
E onde estão as fraquezas de cada um?
Leurinbergue Lima – Na alta rejeição. O maior recall também traz, em muitos casos, a rejeição. Isso bem trabalhado pelos adversários pode ser perigoso.
Monalisa Soares – Lula tem o desafio no sentido da construção das alianças. O grande desafio é convergir, digamos assim, o palanque local. Manter a aliança PT e PDT para que ele possa garantir que a maioria absoluta dos cearenses mantenha seu voto. Especialmente de modo que ele possa fazer convergir seu capital político com o do governador Camilo Santana (PT), que eu entendo que seja o grande eleitor das eleições de 2022. Então, o ex-presidente Lula precisa, para consolidar sua preferência de maioria no Ceará, manter sua proximidade (com Camilo).
Com relação a Bolsonaro, tem a ver com as fraquezas que ele enfrenta de modo geral no País. Tem a ver com a desigualdade e com a pobreza que cresceram enormemente e que se expressam de modo significativo nos estados nordestinos. Vimos dados, ao longo desse ano, de como a extrema pobreza cresceu no Ceará, especialmente no contexto da pandemia. O presidente vai ter o desafio de mostrar o que pôde fazer. A gente viu que ele fez um conjunto de viagens aqui para inaugurar obras, mas, efetivamente, o que isso significou? A gente viu cenas muito chocantes de pessoas em situação de fome, miséria, e essa é uma fraqueza significativa do presidente.
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Paula Vieira – Como fraqueza, vejo que, para o Lula, ainda seria resistência ao nome. Porém, não acho que isso vá abalar tanto o desempenho dele. A fraqueza do Lula seria também o crescimento do conservadorismo, do apoio ao Capitão Wagner e dessa rede de aliança mais à direita e à extrema direita que vem se formando no Estado. Também como fraqueza, talvez, como ele é um aliado do Camilo, a questão da segurança pública vem sendo um problema, por causa das facções, isso poderia enfraquecer.
Já a fraqueza do Bolsonaro é que, no Ceará, ele tem poucos aliados. Ele não tem uns "Ferreira Gomes", que têm um bom desempenho eleitoral, boa aceitação no Estado. Ele não tem o Camilo, que teve uma excelente aprovação nas últimas pesquisas e tem saído como possibilidade de candidatura ao Senado com uma boa intenção de votos. Sem contar que todos eles fazem oposição ao Bolsonaro. Então, isso enfraquece essa formação de base eleitoral. E ele também tem pouco vínculo com o Estado. Não é um Estado que tenha prioridade (no Governo), que ele venha fazendo uma boa política de apoio nesses tempos de pandemia.
Qual o peso de suas alianças políticas estaduais e como elas devem afetar o pleito nacional?
Leurinbergue Lima – O processo geralmente é inverso. O nacional influi no local. Mas, nas últimas campanhas, isso não tem surtido tanto efeito assim nas campanhas majoritárias. Já nas campanhas proporcionais têm dado um ‘up’ em várias candidaturas.
Monalisa Soares – Lula tem um papel significativo de manter a aliança PT e PDT no Ceará para manter sua performance de maioria no Estado. O fato de ter o Ceará resolvido garante sua maioria de votos aqui e reforça sua preferência nacional, mas é muito mais uma construção grande do que uma dependência. Como o ex-presidente Lula tem essa preferência pessoal, ele é menos dependente de palanque. O palanque é importante para somar deputados e senadores e tentar acomodar uma perspectiva de segundo turno, que tem que estar sempre no horizonte.
No caso do presidente Bolsonaro, ele é muito mais dependente de já ter um bom palanque no primeiro turno, no Ceará, porque suas bases de apoio mais expressivas e de aprovação, segundo as pesquisas de opinião, são em outras regiões do País. O presidente não é bem aprovado nos estados do Nordeste em geral. Então, ter um bom palanque, com um bom candidato, que possa fazer uma boa campanha, com um conjunto de deputados mobilizados em torno do presidente, é muito significativo e pode, sim, fazer diferença na sua campanha nacional à reeleição.
Então, para Bolsonaro, o peso das alianças aqui é muito significativo e tem reflexo grande já de partida na campanha de primeiro turno. Para Lula é importante porque é um acumulado para sua campanha de segundo turno, caso venha a disputar com Bolsonaro.
Paula Vieira – As alianças políticas estaduais funcionam como forma de construir bases eleitorais. A partir do momento em que temos candidatos a deputados estaduais e federais no território em aliança com um candidato a presidente, as bases eleitorais desses candidatos são vínculo para puxar votos. O peso das alianças é muito importante porque começa a ser construído nas eleições municipais, com os prefeitos e vereadores. Prefeitos e vereadores estabelecem vínculo com os deputados estaduais e federais e com o Senado, que estão em aliança ou em oposição ao Governo. Então, nesse sentido, quando a gente vê uma base eleitoral muito extensa de um deputado estadual ou federal ou de um senador, significa que muito provavelmente esses votos vão para o candidato a presidente que eles apoiarem.
É possível ainda um tirar voto do outro no Estado?
Leurinbergue Lima – Sim, mas não o voto ideológico. Existe uma boa parcela dos eleitores que é flutuante.
Monalisa Soares – A gente tem que ter ponderação, esperar. O ano eleitoral é muito dinâmico, a gente vai precisar acompanhar. O que a gente tem que observar pra entender o que pode afetar a migração (de voto)? Em termos econômicos, ver como vai ficar a inflação, as condições de vida da população e o efeito do Auxílio Brasil. O presidente (Bolsonaro) fez uma aposta muito grande no Auxílio Brasil como forma de estancar a sangria da sua queda de popularidade e o ex-presidente Lula tem explorado muito esse campo do discurso econômico.
Mas também temos que observar os termos políticos, como vão se desdobrar essas alianças, que palanques estaduais vão ser esses. E, por fim, o impacto da pandemia. Estamos em mais uma frente de batalha onde, inclusive, o discurso do conservadorismo moral volta à baila com esse debate sobre a vacinação infantil. A pandemia continua no horizonte do debate político, não pode ser desconsiderada.
Paula Vieira – É possível, sim, tirar voto um do outro no Estado, porque é agora que a gente vai intensificar a campanha eleitoral. Então, tudo é possível. A gente vai ver como esses movimentos vão ser construídos, quais serão os nomes lançados ao estadual. Isso ainda está em aberto porque vai ser intensificada a campanha a partir de agora. E tem também como eles vão mobilizar, como vão continuar em diálogo com os estados.
O Lula tem uma preocupação maior, ele está, de fato, tentando chegar em todos os estados, inclusive, no Ceará, e com diálogo. O Bolsonaro a gente ainda não vê tão intensamente nessa articulação, em termos de aliança. A gente não tem visto ele fazer movimentos diretos para aliança, enquanto Lula já faz essa articulação com muito mais capital político.