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Principal motivo de viagens de Bolsonaro, eventos militares ocuparam agenda 8 vezes mais que Covid

Entre janeiro de 2019 e outubro de 2021, o presidente fez 54 viagens relacionadas à pauta militar

Escrito por Wagner Mendes e Igor Cavalcante ,
Legenda: O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem priorizado agendas de cunho militar em comparação com outras áreas de administração do governo
Foto: Marcos Corrêa/PR

Em meio à pandemia da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) priorizou oito vezes mais viagens para eventos com militares do que para anunciar ações de combate à crise na saúde pública.  

Desde março de 2020, quando a quantidade de casos da doença começou a crescer no País, Bolsonaro contabiliza 33 viagens nacionais para participar de atos de cunho militar. No mesmo período, porém, foram apenas quatro agendas oficiais longe de Brasília para compromissos de combate à Covid-19. 

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Se analisado o mandato desde o início, de janeiro de 2019, os números são ainda mais elásticos e só reforçam como as Forças Armadas são importantes politicamente para o chefe do Executivo. Foram, ao todo, 54 encontros com as corporações nesse contexto.

Os números deixam claro que a atenção dada aos militares foi o compromisso central do governo em meio às crises no setor público. Em um distante segundo lugar, com 38 eventos, estão os roteiros envolvendo pautas econômicas. 

Os dados fazem parte de levantamento feito pelo Diário do Nordeste com base na divulgação da agenda oficial da presidência da República. 

Em uma série de destinos — quase em tom de pré-campanha eleitoral, posando para fotografias com servidores fardados — o ex-capitão do Exército se fez presente em solenidades, cerimônias, palestras, reuniões, visitas, almoços e baile de formação de policiais.

A maioria desses atos se concentrou nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. 

Agenda militar 

Na primeira viagem para evento militar como presidente da República, Bolsonaro foi ao Rio de Janeiro e participou de cerimônia alusiva ao 211º Aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais. Lá, entregou medalhas e posou para fotos. 

Legenda: Jair Bolsonaro entrega medalha de Fuzileiro Naval Padrão ao CB-FN-IF Gilmário Alerson
Foto: Marcos Corrêa/PR

No mês seguinte, foi a São Paulo como convidado para solenidade comemorativa ao Dia do Exército Brasileiro.

Em maio do mesmo ano, no Rio de Janeiro, constam nos registros oficiais do Planalto que o presidente foi à cerimônia de lançamento de selo e medalha comemorativos dos 130 anos do Colégio Militar do Rio de Janeiro. No Estado natal, Jair também foi à cerimônia de comemoração ao Dia da Vitória e de Imposição da Medalha da Vitória. 

Também em 2019, em dezembro, voltou a São Paulo para a solenidade de promoção dos novos aspirantes a Oficial da Força Aérea Brasileira. E assim seguiram-se os eventos em 2020 e neste ano.

Legenda: Solenidade de promoção dos novos aspirantes a Oficial da Força Aérea Brasileira
Foto: Alan Santos/PR

Em geral, a "agenda militar" do presidente não tem relação direta com inaugurações ou anúncio de investimentos. Os atos são reduzidos a solenidades de entrega de medalhas, aniversários, transmissão de cargo, formaturas — simbolizando o prestígio do Planalto às instituições armadas. 

Bolsonaro na pandemia 

Os percursos para ações de combate à Covid-19 se deram em menor ritmo. Jair Bolsonaro continua afirmando que não tomou a vacina contra o vírus que matou mais de 600 mil brasileiros. O presidente foi um dos principais críticos às medidas de distanciamento social que fecharam parte do comércio por várias semanas.  

Os integrantes do Planalto foram duramente criticados, inclusive, por atrasar a compra de vacinas e pela dificuldade de criar um plano integrado de combate à doença em território nacional.  

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Por isso mesmo, a primeira ação fora de Brasília do presidente em que teve a pandemia como pauta ocorreu no dia 11 de abril de forma atribulada, quando Bolsonaro, sem o uso de máscara e causando aglomerações, visitou as obras do hospital de campanha de Águas Lindas de Goiás, em Goiânia.  

Dias depois, em 30 de abril, o chefe do Executivo foi ao centro de operação de combate à Covid-19 do Comando Militar do Sul, no Rio Grande do Sul. 

Legenda: Bolsonaro durante visita ao Hospital de Campanha de Águas Lindas de Goiás
Foto: Marcos Corrêa/PR

Em 5 de junho, ele participou de cerimônia de inauguração do hospital de campanha de Águas Lindas de Goiás.

Em meio a um cenário de negacionismo na gestão, a viagem seguinte só ocorreu quase um ano depois, em 7 de abril de 2021, quando visitou o centro avançado de atendimento à Covid-19 em Chapecó e participou de apresentação das experiências no enfrentamento à pandemia no mesmo município. 

Legenda: Visita ao centro avançado de atendimento Covid-19, em Chapecó
Foto: Alan Santos/PR

Apoio político 

Para o cientista político da Universidade Federal do Ceará, Cleyton Monte, não há surpresas em relação aos dados do levantamento. Segundo ele, "a agenda é coerente com o discurso do presidente" e "o discurso antivacina e a defesa corporativista das instituições militares mostram que as viagens presidenciais estão dentro de uma lógica do bolsonarismo".  

O professor relembra que a rotina de eventos com militares é exatamente a mesma de quando Bolsonaro era deputado federal. "Ele já participava de atividades das Forças Armadas quando era do baixo clero na Câmara dos Deputados. No Rio de Janeiro, ele já gostava das solenidades e usava as congratulações que o parlamentar tem direito para homenagear militares".  

Para Cleyton, Bolsonaro vê a tropa como a sua base e que por isso precisa ser prestigiada, ainda mais quando diversas crises institucionais já tomaram conta do governo desde quando tomou posse, em janeiro de 2019. 

A proximidade com as corporações aparece como uma espécie de segurança institucional, segundo o cientista político e professor da Unilab, Cláudio André.

"As viagens de Bolsonaro relacionadas a eventos militares dizem respeito à sua compreensão em torno de um 'presidencialismo militar': com o apoio das Forças Armadas e de forças policiais ele estaria salvo de qualquer instabilidade política, como se fosse um escudo nas negociações com o Congresso e com o conjunto das instituições políticas", diz.  

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Para o pesquisador, isso estaria explicado com a concessão de cargos para o grupo dentro do governo.

"Não é à toa que abriu as portas para oficiais ocuparem cargos no governo federal. Trata-se de um fenômeno de representação política, o presidente entende que deve governar com as Forças Armadas como se estas fossem um partido político. Esta estratégia funcionou bem até que a realidade exigiu que tivesse que negociar com o Centrão diante de um iminente processo de impeachment", lembra o professor. 

Para Cláudio, as viagens possuem também um caráter eleitoral, "já que o bolsonarismo é constituído por forças militares nos estados".

"Como foram os policiais os primeiros a embarcar na pré-campanha de Bolsonaro desde 2013 e foram fundamentais na mobilização pelo voto em 2018, Bolsonaro vê este grupo como prioritário nas viagens e na sua estratégia de pré-campanha dentro e fora das redes sociais. As motociatas são um bom exemplo deste tipo de mobilização feita pelo presidente. Para 2022, Bolsonaro conta com os policiais como militantes informais da sua reeleição", pontua. 

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