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Fé, água e farda: o que levou Bolsonaro a cada região do Brasil

Temas como pesquisa científica, esporte, segurança alimentar e cultura motivaram raras viagens do presidente

Escrito por Igor Cavalcante e Wagner Mendes , politica@svm.com.br
Bolsonaro
Legenda: Presidente atende às bases eleitorais em viagens pelo País
Foto: Marcos Corrêa/PR

Em ritmo de pré-campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem se adequado às particularidades de cada região do País para atrair eleitores por meio de agendas com forte apelo popular. Se, nacionalmente, eventos militares são os que mais motivam as viagens do chefe do Executivo nacional, ao analisar os dados regionais, é possível notar uma maior variedade de agendas oficiais, mas sempre priorizando assuntos de grande interesse de suas bases eleitorais nos estados.

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Eventos relacionados às Forças Armadas e à economia são os mais recorrentes quando o presidente deixa Brasília rumo ao Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Já no Norte e no Nordeste o motivo das viagens muda. Ações de obras hídricas e infraestrutura tornam-se frequentes na agenda do presidente, além da presença constante dele em eventos religiosos.

O diagnóstico é apontado em levantamento feito pelo Diário do Nordeste com base nas publicações da agenda oficial da Presidência da República desde o dia 1º de janeiro de 2019. Para a pesquisa, foi desconsiderado o período entre 14 e 17 de julho deste ano, quando Bolsonaro esteve em São Paulo internado devido a uma obstrução intestinal. O balanço também levou em conta o teor de cada evento que o presidente participou, desconsiderando outros assuntos que eventualmente ele tenha comentado além da agenda oficial. 

Um dos exemplos mais simbólicos das ambições eleitorais dessas agendas presidenciais envolve justamente o Nordeste. Das 288 viagens feitas pelo presidente desde o início do mandato, 50 foram para a região.

Bolsonaro no Cariri
Legenda: Presidente busca reverter a baixa popularidade no Nordeste
Foto: Thiago Gadelha

Os dados indicam ainda um crescente interesse do presidente pelos eleitores da região neste ano. Desde 2019, ele quase quadruplicou a frequência de visitas anuais aos estados nordestinos. No primeiro ano de mandato, foram cinco. Já neste ano, até 31 de outubro, foram 18 viagens ao Nordeste.

Água

No caso das caravanas à região nordestina, a intenção do presidente é avançar sobre um dos territórios de maior influência de seu principal adversário, o ex-presidente Lula (PT), que lidera as pesquisas eleitorais feitas a pouco menos de um ano das eleições. Só neste ano, Bolsonaro visitou todos os estados do Nordeste ao menos uma vez. Na Bahia, ele esteve quatro vezes. Ceará e Pernambuco receberam o presidente três vezes neste ano. Maranhão e Alagoas foram destino de Bolsonaro por duas vezes em 2021. 

Bolsonaro no Ceará
Legenda: Presidente aumentou as viagens ao Nordeste para reforçar aproximação com o eleitorado
Foto: Kid Jr.

Destoando do que se vê em outras regiões, os dois assuntos que mais levam o presidente ao Nordeste são obras hídricas e ações de infraestrutura, como a entrega ou a autorização de obras rodoviárias. Historicamente, os dois assuntos despertam grande interesse político e apoio popular.

Na última caravana pela região, ele anunciou investimentos através do programa Jornada das Águas. Em outras visitas ao longo do mandato, o presidente participou de eventos relacionados à Transposição do Rio São Francisco em quase dez ocasiões.

Em junho do ano passado, Bolsonaro acompanhou a chegada das águas do Rio São Francisco ao Ceará
Legenda: Em junho do ano passado, Bolsonaro acompanhou a chegada das águas do Rio São Francisco ao Ceará
Foto: PR

A motivação do presidente ficou ainda mais clara durante a última visita à região. Em Russas, no Ceará, Bolsonaro fez diversos acenos ao eleitorado e aproveitou para atacar o ex-presidente Lula. 

“Grande parte dessas obras começaram nos governos anteriores, que deixaram uma marca de descaso e corrupção. São obras que não foram concluídas e estamos entregando para vocês”, disse, à época, sobre as obras hídricas. 

Foi também ao Ceará que o presidente veio em fevereiro deste ano para visitar a duplicação da BR-222 e o Anel Viário de Fortaleza, em Caucaia, na Região Metropolitana. 

Na mesma agenda, Bolsonaro participou de cerimônia, em Tianguá, para assinatura de três ordens de serviços para obras em rodovias. Em mais da metade das nove vezes que veio ao Nordeste por conta de ações de infraestrutura, o presidente cumpriu agenda relacionada a obras rodoviárias. 

Se no Nordeste as visitas de Bolsonaro desaguam em obras estruturantes, no Norte, as viagens presidenciais já trazem em si um forte apelo religioso. Nos estados que compõem essa região, tornou-se comum receber o chefe do Executivo para participar de cultos e outros eventos semelhantes. Essa agenda é a mais frequente dele na região. 

Bolsonaro com Silas Malagfaia
Legenda: Presidente costuma participar de eventos na Assembleia de Deus, que tem Silas Malafaia como um de seus líderes
Foto: Isac Nóbrega/PR

Em três anos, foram oito visitas com essa finalidade, sendo todas voltadas à religião evangélica. No último dia 27 de outubro, por exemplo, ele participou de um encontro da Assembleia de Deus no estado do Amazonas. Um dia antes, em Roraima, ele esteve em uma cerimônia de aniversário do mesmo grupo religioso. Nos meses de junho e agosto, o presidente também esteve em dois eventos de mesmo teor no estado do Pará. 

Além dos militares, os religiosos compõem parte da base mais fiel de apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Ao longo do mandato, até agora, eventos dessa natureza apareceram 14 vezes na agenda oficial da Presidência, sendo mais da metade no Norte do País. No caso da Assembleia de Deus, um de seus líderes, o pastor Silas Malafaia, é um dos principais apoiadores de Bolsonaro.

Em visitas mais voltadas às ações do Governo Federal, Bolsonaro viajou sete vezes à região Norte para participar de eventos econômicos e outras sete vezes para ações de infraestrutura, como a inauguração da Ponte Rodrigo e Cibele, em território Yanomami, na Amazônia. 

Ponte de madeira inaugurada pelo presidente no Amazonas causou polêmica
Legenda: Ponte de madeira inaugurada pelo presidente no Amazonas causou polêmica
Foto: Isac Nóbrega

O evento causou polêmica, à época, porque a ponte que motivou a presença do presidente tem apenas 18 metros de comprimento e 6 metros de largura. Além disso, ao todo, a viagem custou R$ 711 mil, sendo que a estrutura de madeira custou R$ 255 mil. Os dados foram divulgados pelo Governo Federal após um requerimento de informação do deputado federal Elias Vaz (PSB-GO).

Farda

Em meio à pandemia da Covid-19, Jair Bolsonaro priorizou oito vezes mais viagens para eventos com militares do que para anunciar ações de combate à crise na saúde pública. A presença nesse tipo de evento aparece também como a agenda mais recorrente de viagens do presidente. Foram, ao todo, 54 encontros com as corporações nesse contexto.

Em aceno aos militares, Bolsonaro costuma participar de eventos das Forças Armadas
Legenda: Em aceno aos militares, Bolsonaro costuma participar de eventos das Forças Armadas
Foto: Marcos Correa

O que chama atenção, além do visível aceno a uma de suas principais bases de apoio, é a quantidade de eventos do tipo no Sudeste. Foram 43 viagens à região motivadas por eventos dessa natureza.

A maioria desses deslocamentos tem como finalidade a presença de Bolsonaro em cerimônias de entrega de medalhas, aniversários, transmissão de cargo e formaturas, atividades que não têm relação direta com qualquer política pública ou investimento do Governo Federal.

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Para efeito de comparação, a economia é a segunda área que mais leva o presidente ao Sudeste. Em quase três anos de mandato, foram 18 agendas desse tipo. No geral, Bolsonaro participa de almoços com lideranças empresariais ou de eventos econômicos regionais.

Base militar

No Centro-Oeste, há também, proporcionalmente, uma discrepância na presença do chefe do Executivo nacional em eventos militares se comparado a outras agendas oficiais. Ao todo, ele fez seis visitas a alguns dos estados próximos ao Distrito Federal para participar de cerimônias das Forças Armadas. 

Presidente viajou para acompanhar Operação Formosa
Legenda: Presidente viajou para acompanhar Operação Formosa
Foto: Marcos Correa/PR

Uma dessas viagens, inclusive, gerou grande repercussão e adensou uma crise institucional no País. Em meio à escalada de ameaças antidemocráticas promovidas pelo presidente no segundo semestre deste ano, ele viajou até Formosa, em Goiás, no último dia 16 de agosto, para acompanhar um exercício militar conhecido como “Operação Formosa”. 

O treinamento ocorre há mais de 30 anos, no entanto, neste ano, o comboio militar passou por Brasília para entregar convite ao presidente. O desfile ocorreu justamente no dia em que o Congresso votava a PEC do Voto Impresso, o que soou, para lideranças políticas do País, como uma ameaça promovida por Bolsonaro.

Economia como prioridade

Já no Sul do Brasil, as agendas que mais levaram o presidente aos três estados da região envolvem economia, infraestrutura e energia. 

A região é uma das que o presidente tem maior apoio da população. Nas eleições de 2018, por exemplo, Bolsonaro obteve mais de 60% dos votos válidos no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Ele chegou a ultrapassar a marca de 70% da preferência dos catarinenses. 

Presidente Jair Bolsonaro durante sobrevoo à Usina Hidrelétrica de Itaipu
Legenda: Presidente Jair Bolsonaro durante sobrevoo à Usina Hidrelétrica de Itaipu
Foto: Alan Santos/PR

Nas caravanas a esses estados, o presidente costuma encontrar com empresários da região para discutir o cenário econômico do País, conforme sua agenda oficial. As ações de infraestrutura envolvem, em geral, obras rodoviárias, ferroviárias e aeroportuárias. 

Energia também aparece como destaque nesta região por conta da Usina de Itaipu, a binacional que ocupa a segunda posição entre as maiores hidrelétricas do mundo. 

Fora da agenda

Se, por um lado, a agenda de viagens do presidente indica acenos às bases eleitorais mais fiéis, na outra ponta da lista há assuntos que ficam em segundo plano pela Presidência da República.

Em uma das viagens, Bolsonaro participou da Festa do Peão de Barretos
Legenda: Em uma das viagens, Bolsonaro participou da Festa do Peão de Barretos
Foto: Marcos Corrêa

Sejam os dados nacionais sejam recortes regionais, temas como pesquisa científica, esporte, segurança alimentar e cultura motivaram raras viagens do presidente. Quando ocorrem, como nas cinco vezes em que Bolsonaro viajou para eventos esportivos, ele apenas assistiu a jogos de futebol.

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