Prefeituras no Ceará vivem impasse há cinco anos para resolver rombo milionário em previdências
Ao todo, já somam R$ 31,3 milhões da seguridade social dos servidores de São Gonçalo do Amarante, Crato e Caucaia perdidos com os investimentos
Há cinco anos, três prefeituras cearenses vivem impasse sem saber se vão conseguir reaver aportes milionários feitos em fundos de investimentos vinculados à empresa Cais Mauá do Brasil S.A pelos institutos de previdências dos municípios (IPMs). Ao todo, foram R$ 31,3 milhões da seguridade social dos servidores de São Gonçalo do Amarante, Crato e Caucaia aplicados entre 2015 e 2016.
Os fundos vinculados a Cais Mauá do Brasil S.A eram voltados para um projeto de revitalização de um porto em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, mas foram liquidados sem aviso prévio em 2018. Apesar dos investimentos de vários institutos previdenciários municipais do País, as obras no porto nunca foram realizadas.
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Em 2018, uma operação da Polícia Federal (PF) foi deflagrada para apurar fraudes nos fundos. O inquérito segue em andamento, mas nenhuma informação sobre o caso foi repassada à reportagem pela PF devido ao "sigilo legal" de investigações em curso.
A investigação mira em irregularidades na base de dados do Sistema de Informações dos Regimes Próprios de Previdência Social (Cadprev), principalmente nas gestões que aplicaram recursos em fundos de investimentos ligados a Cais Mauá do Brasil, já que a maioria dos investidores eram IPMs.
A reportagem tentou contato com a LAD Capital Gestora de Recursos, que consta como administradora do Fundo de Investimento em Participações Cais Mauá do Brasil Infraestrutura na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) até última atualização no sistema, em abril de 2021, e aguarda retorno. A reportagem também procurou mais contatos ligados aos fundos vinculados a Cais Mauá do Brasil S.A, mas não conseguiu localizar site, e-mail ou telefones ativos.
São Gonçalo do Amarante
Somente em São Gonçalo do Amarante, foram R$ 20 milhões investidos entre 2015 e 2016, durante a gestão do ex-prefeito Cláudio Pinho (PDT). Em 2021, em reportagem do Diário do Nordeste sobre os casos, o município estimava o prejuízo em R$ 15,7 milhões.
Agora, com todos os extratos das aplicações em mãos, a cifra chega a R$ 20 milhões, feitos em sete depósitos realizados no último biênio de mandato da última administração.
Em agosto deste ano, a PF solicitou documentos que comprovassem as aplicações nos fundos de investimentos. A atual administração, no entanto, revela que encontrou apenas os extratos bancários, e não atas de reuniões do comitê de investimentos do IPM que autorizassem a aplicação.
"Recentemente a Polícia Federal solicitou informações, e a gente não localizou os documentos que eles solicitaram. Na época que o investimento foi feito, o Instituto era só um fundo, então a responsabilidade era da Prefeitura. Mas a responsabilidade sempre vai ser da Prefeitura porque quem nomeia o gestor do IPM é o prefeito. Tem um membro do comitê de investimentos que estava com o cargo de auxiliar de serviço, e precisa ter certificação para ocupar esse cargo"
Sobre esse ponto, o ex-prefeito Cláudio Pinho, atualmente deputado estadual, voltou a reiterar que todos os investimentos foram feitos dentro da legalidade e estavam registrados no Ministério da Previdência, CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e os ativos estavam de acordo com a resolução do Consenso Monetário Nacional.
Além disso, ele enviou comprovantes que atestam as certificações da Cais Mauá Brasil à época.
foi o valor aportado pelo IPM de São Gonçalo do Amarante em fundos da Cais Mauá Brasil, entre 2015 e 2016
Assessor do Instituto Previdenciário de São Gonçalo do Amarante quando ocorreu o investimento, Hipólito Guimarães reforçou que as aplicações foram feitas após receber recomendação do Ministério da Previdência para "diversificar carteira" As respostas do assessor foram enviadas pelo deputado à reportagem.
"O que nos respaldou foi a resolução do Conselho Monetário Nacional 39/92", acrescentou o assessor à época.
Ainda conforme Hipólito, o comitê era apenas consultivo, não deliberativo, já que o IPM é uma autarquia autônoma. Por isso, a ata que deve constar é apenas de consulta, e não de deliberação, explica.
Apesar de já ter passado cinco anos desde que a operação da Polícia Federal levantou suspeitas de fraude contra a Cais Mauá Brasil, o IPM de São Gonçalo do Amarante ainda não abriu nenhum processo judiciário para ressarcimento dos valores investidos porque nem todas as ações da empresa foram liquidadas.
"Está sendo feito um cálculo do valor que o servidor deixou de ganhar e o valor da correção para que a gente consiga finalizar essas ações (no fundo). A gente ainda não entrou com essas ações judiciais de ressarcimento, porque ainda tem um fundo pendente de liquidação. Dos cinco fundos, quatro foram liquidados", acrescenta Camille Muniz.
Caucaia
Já o município de Caucaia aportou R$ 8,3 milhões da previdência dos servidores municipais em fundos "que não apresentam resultados positivos", dentre eles o Cais Mauá. A aplicação foi realizada em 2015, durante a gestão do ex-prefeito Dr. Washington (Republicanos).
Procurado, Dr. Washington disse apenas que os aportes eram de responsabilidade do "Hipólito". Ele se referia a Hipólito Guimarães, que foi assessor do IPM de São Gonçalo do Amarante e, na época, também prestava serviços de assessoria ao IPM de Caucaia.
foi o valor aportado pelo IPM de Caucaia em fundos da Cais Mauá Brasil, em 2015
Sobre as aplicações feitas pelo IPM de Caucaia, Hipólito alegou que uma resolução do Conselho Monetário Nacional menciona os investimentos que podem ser feitos e os percentuais.
"Quando se faz investimentos em fundos de renda variável, a justificativa, que não é minha e do gestor, é a diversificação de aplicação em vários seguimentos. Todos os investimentos são informados ao Ministério, pois só pode ser feito investimento em instituições que estejam registradas no Banco Central, CVM e Agência Nacional dos Bancos de Investimentos e em ativos previstos na resolução", pontuou.
"Se fosse algo de errado, a administração da época não tinha terminado com essa certidão em dias, até porque eles foram fiscalizados várias vezes pelo Ministério da Previdência. O Ministério nunca contestou a legitimidade das informações. Eu tenho conhecimento porque, como assessor, acompanhava essas auditorias", acrescentou Hipólito.
Em 2021, a atual gestão da Prefeitura de Caucaia, comanda pelo prefeito Vitor Valim (PSB), disse que iria judicializar a questão para tentar reaver o dinheiro e diminuir o prejuízo. Em atualização à reportagem, a administração municipal informou que abriu o processo no mesmo ano em que disse que o faria e, agora, aguarda decisão da Justiça.
Crato
O Instituto da previdência do Crato, o "PreviCrato" também aportou recursos em fundos do Cais Mauá Brasil, em 2016. O investimento foi de R$ 3 milhões. À época, o prefeito era Ronaldo da Cerâmica (MDB). A reportagem tentou contato com ele, mas não obteve retorno.
Então gestor do PreviCrato, Antônio de Pádua alegou ao Diário do Nordeste, em 2021, que havia pressão por parte do Ministério da Previdência pela "diversificação de investimentos" e que a "rentabilidade" estaria aquém do esperado.
"Por conta disso, a gente diversificou um pequeno percentual da carteira. Uma dessas estratégias foi justamente a questão do Cais Mauá do Brasil, que na época estava em ascensão e começou uma briga política muito forte em Porto Alegre", alegou, em 2021.
foi o valor aportado pelo PreviCrato em fundos da Cais Mauá Brasil, em 2016
Por meio de nota, a atual gestão, comandada pelo prefeito Zé Ailton Brasil (PT), disse que o PreviCrato mantém seu patrimônio líquido sólido, seguindo as normas necessárias para garantir segurança diante de flutuações "inerentes ao mercado financeiro" e resguarda os servidores contra possíveis "danos causados pela má atuação de administradoras financeiras de fundos de investimentos".
"Quaisquer instituições públicas ou privadas que venham causar prejuízo ao RPPS PreviCrato serão responsabilizadas no âmbito civil e penal", destacava a nota.
Por conta dos escândalos envolvendo a Cais Mauá do Brasil, o Governo do Rio Grande do Sul suspendeu, em maio de 2019, a concessão para revitalização do porto concedida a Cais Mauá do Brasil.