Investimento duvidoso deve levar previdência de municípios a um rombo de R$ 27 milhões
Somente em São Gonçalo do Amarante, o prejuízo ao fundo de aposentadoria dos servidores pode chegar a R$ 15 milhões
Institutos de Previdência de municípios como São Gonçalo do Amarante, Caucaia e Crato podem sofrer um rombo de R$ 27 milhões após gestores públicos investirem recursos destinados às aposentadorias dos servidores públicos em um fundo criado no Rio Grande do Sul. Instituições semelhantes de municípios de outros estados, inclusive no território gaúcho, também podem ficar no prejuízo.
As aplicações foram feitas no Fundo de Investimento (FIP) ‘Cais Mauá’, que faz parte de um projeto de revitalização de um porto, empreendimento localizado em Porto Alegre (RS). O fundo foi liquidado e as instituições que aplicaram recursos estão em situação delicada.
Mesmo com dinheiro em caixa atualmente, os IPMs cearenses temem que, se confirmadas, as perdas impactem diretamente na aposentadoria dos servidores públicos municipais no futuro.
A Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) prevê que, caso haja comprovação de “gestão arriscada ou imprudente” desses fundos, os gestores envolvidos poderão pagar multa, e ainda ressarcir o valor perdido.
Ainda de acordo com informações do Tribunal de Contas, a má gestão de recursos como os de previdência dos servidores pode gerar crime de improbidade administrativa.
prefeituras do Ceará possuem Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), informa o TCE.
Institutos de outras cidades como Palmas (TO), Recife (PE), Ipojuca (PE), Oeiras (PA) e Santana (AP) também realizaram aporte financeiro no fundo e podem entrar na lista de possíveis prejudicados pelos investimentos.
Para compensar o déficit desses valores, uma das estratégias pode ser reajustar as contribuições dos funcionários que irão se aposentar, gerando mais aumento e prejuízos aos trabalhadores do setor público.
São Gonçalo do Amarante
No dia 22 de junho, uma audiência pública na Câmara Municipal de São Gonçalo jogou luz à discussão. O encontro foi para apresentar o resultado de um relatório feito através de uma consultoria independente, contratada pela atual gestão municipal.
O documento apontou o possível prejuízo de R$ 15,7 milhões, com aplicações no FIP – Cais Mauá feitas entre os anos de 2015 e 2016, portanto, durante a gestão anterior, comandada pelo ex-prefeito Cláudio Pinho.
A Lema Consultoria, que realizou o trabalho a pedido da Secretaria de Controladoria, Ouvidoria e Transparência, teria apontado ainda outras irregularidades na administração do fundo.
A gestão atual, comandada pelo prefeito Prof. Marcelão (Pros), diz que encaminhou as informações para averiguação do Ministério Público Federal.
A gente vai receber ações da empresa Cais Mauá do Brasil, mas essa empresa está com as atividades encerradas e não tem retorno algum. Elas não valem nada. O instituto tem dinheiro em caixa. Hoje, a nossa preocupação é a longo prazo. Essa perda pode resvalar diretamente na contribuição do servidor no futuro
Prefeito à época dos investimentos, Cláudio Pinho (PDT) diz que a atual gestão tenta “transformar o assunto em política”, e argumenta uma "boa gestão" do instituto enquanto esteve no comando do Executivo.
“As aplicações financeiras realizadas à época se deram de acordo com os limites e parâmetros do Conselho Monetário Nacional, com regras em vigor”.
Cláudio Pinho destacou ainda que o município manteve seu regime próprio de previdência social regular, tendo emitido semestralmente o Certificado de Regularidade.
Caucaia
No caso de Caucaia, a Prefeitura Municipal, por meio do Instituto de Previdência do Município, em 2015, investiu em fundos “que não apresentam resultados positivos”, entre eles, o Fundo Cais Mauá. O aporte foi de R$ 8,3 milhões.
O prefeito de Caucaia em 2015 era Dr. Washington, pelo antigo PRB, hoje Republicanos. A gestão atual, do prefeito Vitor Valim (Pros) avalia entrar na Justiça.
“A atual gestão tem promovido reuniões junto à Procuradoria do Município com o objetivo de tomar medidas legais, garantindo sempre o interesse público e evitar prejuízo”.
Atualmente, segundo destacou a prefeitura, o instituto possui uma “política de investimentos conservadora, tendo em vista a oscilação de mercado, sobretudo diante do atual quadro de pandemia”.
À frente do Instituto quando ocorreu o investimento, Hipólito Guimarães reitera que havia uma "sugestão do Ministério da Previdência" À época de que fosse feita a diversificação na carteira de investimento dos fundos.
“Eu não era louco de, como gestor, fazer um investimento sem conhecer o empreendimento. Infelizmente, no mercado financeiro a gente não tem como ter essa previsão. Não tem nenhum investimento sem risco. Não tinha como prever que não iria vingar, isso é inerente ao mercado financeiro, é imprevisível”, justifica.
Crato
No Crato, região do Cariri, o 'Previcrato' realizou em 2016 o investimento de R$ 3 milhões. O instituto é gerido pelo presidente Antônio de Pádua, responsável pelo aporte feito no FIP-Cais Mauá. O prefeito à época era Ronaldo da Cerâmica, então no MDB.
Ele justifica o aporte e reforça a tese defendida pelo então gestor de Caucaia ao dizer que havia pressão por parte do Ministério da Previdência, com relação à diversificação de investimentos e que a rentabilidade dos fundos mais conservadores estaria aquém da usual.
“Por conta disso, a gente diversificou um pequeno percentual da carteira, e uma dessas estratégias foi justamente a questão do Cais de Mauá do Brasil, que na época estava em ascensão e começou uma briga política muito forte em Porto Alegre. Houve esse rompimento desse contrato de concessão”, destaca Antônio.
O responsável pelo instituto diz ainda que “seguiu todos os parâmetros legais, com deliberação de Conselho Fiscal e Comitê de Investimento [...] a gente entende que o governo do Rio Grande do Sul foi o real culpado dessa situação, e tem que arcar com as consequências. Tinha tudo pra dar certo”.
Valores aplicados
De acordo com os atuais presidentes dos institutos e com as prefeituras ouvidas pelo Diário do Nordeste, São Gonçalo do Amarante, por exemplo, pode perder R$ 15,7 milhões; em Caucaia, o valor investido foi de R$ 8,3 milhões. No Crato, o fundo pode deixar de reaver R$ 3 milhões.
é o total investido pelos três municípios que pode gerar prejuízo aos servidores
Esse tipo de aporte, segundo especialistas, apesar de incomum, é permitido pela lei e em tese, pode gerar bons resultados. Mesmo assim, são considerados de alto risco.
Para o economista Marcelo D’Agosto, consultor financeiro com registro na Comissão de Valores Imobiliários (CVM), investir em empreendimentos pode ser uma boa opção, mas é necessário preparo das gestões municipais.
Essa ideia é boa, de descentralizar os investimentos dos Regimes Próprios de Previdência dos Municípios. Uma ideia boa que não foi para frente; as prefeituras não se prepararam para fazer a gestão de recursos.
Agora, com o possível prejuízo, os institutos de previdência cearenses estudam entrar com ações judiciais para tentar reaver o dinheiro.
Alvo da Polícia Federal
Ainda em abril de 2018, o fundo de investimentos foi alvo de uma operação da Policia Federal, batizada de Gatekeepers. A ação iniciou a apuração de possíveis fraudes no FIP – Cais Mauá.
O fato de o dinheiro continuar sendo aplicado sem que houvesse o início das obras, motivou a operação da PF.
Cinco mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Porto Alegre, e quatro no Rio de Janeiro, além da ordem de apreensão de três veículos, e o bloqueio de ativos em nome de 20 pessoas e empresas.
Histórico do fundo
A perda desses ativos poderá ocorrer após o governo do Rio Grande do Sul, embasado em um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), em 2019, rescindir o contrato com o Consórcio Cais Mauá do Brasil.
Na época, a empresa era a responsável pela revitalização do porto da capital gaúcha, um ponto turístico com projetos considerados problemáticos, em Porto Alegre.
O distrato assinado pelo governador Eduardo Leite (PSDB), dois anos após o início do acordo com os investidores, desvalorizou o Fundo de Investimentos.
Como consequência disso, os aportes financeiros que foram feitos nele pelos institutos de previdência, também perderam valor.
Na prática funciona assim: todos os institutos de previdência - incluindo os de Crato, São Gonçalo do Amarante e Caucaia -, que aplicaram parte de seus patrimônios no fundo, adquiriram cotas e se tornaram acionistas do FIP Cais Mauá.
“Os cotistas se tornam donos desse fundo, e poderão arcar com possíveis ativos e passivos provenientes dele”, explica um dos membros da LAD Capital – empresa especializada em gerir ativos estressados, e que hoje está à frente do FIP Cais Mauá.
A LAD Capital tenta através de medidas judiciais reaver esses investimentos. Uma ação indenizatória de R$ 200 milhões foi aberta contra o Governo do Rio Grande do Sul.
TCE explica consequências
A área técnica do TCE explica que os gestores de fundos previdenciários estão sujeitos a diversos regramentos legais e infra legais, e que há um modelo a ser seguido.
“Os gestores devem desempenhar suas funções observando critérios de rentabilidade, solvência, liquidez, motivação, lealdade, diligência, dentre outros. Além disso, devem obediência à política de investimentos determinada pelo respectivo comitê de investimentos do respectivo fundo de previdência”.
O Tribunal diz ainda que há a possibilidade de aplicação de multa e ressarcimento do dinheiro perdido, por parte dos responsáveis pelo investimento.
O Ministério Público do Estado também pode propor eventual ação de improbidade administrativa para aplicação de multa, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, dentre outras penalidades.