Pacatuba: tradição de crise eleitoral familiar segue em 2024, com impasse entre Carlomano e prefeito
Os mais novos adversários foram eleitos juntos para o Executivo pacatubano em 2020
O ex-prefeito de Pacatuba, Carlomano Marques (MDB), consolidou, no final deste mês de abril, um cenário que já vinha se desenhando: o rompimento político com o sobrinho Rafael Marques (PSB), que comanda o município atualmente. O laço de parentesco não tem sido garantia de boas relações na cidade, que acumula, ao longo das duas últimas décadas, um histórico de relações familiares prejudicadas pelas dinâmicas políticas da região.
O ciclo político iniciado em 2000 se desdobrou em cenário semelhante. Eleito prefeito, Raimundo Célio Rodrigues enfrentou forte disputa na base para definir quem seria candidato a vice-prefeito na campanha de reeleição, em 2004. Para aplacar a competição, ele tentou levar o filho, Renato Célio Rodrigues, à chapa majoritária, apesar do imbróglio jurídico relacionado ao parentesco político nas eleições.
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Às vésperas da votação nas urnas – os prazos eleitorais eram diferentes à época –, a composição foi alterada. Assim, Zezinho Cavalcante assumiu a posição de postulante a vice e a dupla saiu vitoriosa. Naquele ano, outra personagem importante ganhou mais protagonismo: a então vereadora e primeira-dama Selma Cardoso, que foi líder em votos para a Câmara Municipal.
Em 2008, o grupo político conseguiu se manter no poder com a eleição de Zezinho como prefeito, com o apoio de Raimundo, o "véi macho". Este não conseguiu desfrutar da influência por muito mais tempo, pois morreu em 2010, aos 64 anos, enquanto tratava problemas renais no hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Novo momento
Sem Raimundo Rodrigues para intermediar as negociações, o seu grupo político começa a se desmembrar já nas eleições de 2012. Zezinho – que morreu anos depois, vítima de um infarto – foi preterido na escolha pelo próximo candidato e impedido de concorrer à reeleição. Renato Rodrigues, então, firmou-se postulante para aquele pleito municipal. Ele disputou a Prefeitura contra um ex-aliado, o tabelião Alexandre Alencar.
Contudo, não foi muito longe: Renato foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, de 2010, e vetado da disputa pela Justiça Eleitoral. Alexandre, então, sagrou-se campeão para o mandato seguinte. Ao longo desses anos, enquanto familiares enfrentavam a concorrência pelo Executivo, Selma se elegia vereadora.
"O ano de 2012 foi a primeira eleição do ficha limpa, então existiam muitas dúvidas, porque a lei foi feita e não havia muita normatização. Eu tinha uma conta irregular sem nota de improbidade, sem dolo e sem má-fé. No calor da disputa política, cada um usa a arma que tem. A fase jurídica vai permear a disputa. (A chapa) apresentou liminar, foi cassada, tentou apelar, perdeu", conta Renato.
A rotatividade do grupo político foi observada novamente em 2016, quando Alexandre desistiu de concorrer à reeleição por princípios políticos, segundo ele. Mais uma vez, Renato Célio passou a representar seus aliados na corrida à Prefeitura, mas a investida morreu na praia. A Justiça Eleitoral não homologou a sua candidatura, sendo necessária a substituição, na reta final de campanha, pelo filho Dr. Thiago Rodrigues. O médico, contudo, foi derrotado por menos de 500 votos contra o estreante na política pacatubana, o até então deputado estadual Carlomano Marques.
Rivalidade tripla
A vitória de Carlomano nas eleições de 2016 não só representou uma mudança de ciclo em Pacatuba, mas também um novo momento na sua trajetória política. Ele, que é iguatuense, já havia sido vereador em Fortaleza e deputado estadual por sete mandatos, inclusive, sendo alvo de um processo de cassação no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) em 2012.
A empreitada contou com apoio de Selma, que havia sido madrasta de Renato Rodrigues, mas que, à época, estava casada com Carlomano. A chegada do "forasteiro", como era chamado pelos adversários políticos, oficializou o racha familiar no entorno do falecido ex-prefeito.
A aliança com Carlomano rendeu a Selma um espaço no primeiro escalão da gestão, mas não durou muito: a separação veio. Em 2019, ela se firmou como oposição e começou a articulação para encabeçar uma chapa majoritária no ano seguinte. "A situação de Pacatuba é calamitosa, clama por mudanças, e diante disto, novos planos nos aguardam para o ano que virá", publicou ela, em dezembro daquele ano, nas redes sociais.
Foi assim que o cenário eleitoral de Pacatuba, em 2020, contou com três adversários que já mantiveram vínculos familiares: Carlomano Marques (MDB), Selma Cardoso (PSD) e Renato Célio (PDT). O primeiro saiu vitorioso, ao lado do sobrinho Rafael Marques.
Até hoje, essa rivalidade dita algumas dinâmicas no município. A ex-primeira-dama chegou a ensaiar uma chapa com Junior Novais para outubro deste ano, mas não levou a empreitada adiante. Ao invés disso, decidiu apoiar a pré-candidatura de Ésio de Souza (PT).
Já Renato migrou para o partido de Selma a fim de “viabilizar uma candidatura da terra” com alianças locais. Ao Diário do Nordeste, ele se colocou como opção e também citou o filho Thiago para capitanear a chapa. Questionado se a sua decisão teria influenciado a mudança de rumo por parte de Selma, ele disse o seguinte: “Na realidade, Dona Selma já transitou no grupo do deputado Firmo Camurça e, há pouco, mudou para o grupo do Ésio de Souza quando eu resolvi encampar candidatura própria, coincidência ou não”.
Dona Selma foi procurada pela reportagem, mas não houve resposta. O espaço está aberto para manifestações.
Carlomano x Rafael Marques
Os mais novos adversários foram eleitos juntos para o Executivo pacatubano em 2020, mas Carlomano foi afastado do cargo em investigação do Ministério Público e renunciou posteriormente. A partir dali, o impasse que nasceu nos meses anteriores se tornou mais latente.
Mesmo que o próprio Rafael não descartasse coligação com o MDB, seus aliados impuseram um veto a qualquer composição eleitoral em Pacatuba que envolvesse o deputado federal e presidente do MDB Ceará, Eunício Oliveira. A desfiliação do gestor do MDB, em junho do ano passado, deu-se após conflitos entre o segmento liderado por Eunício e o liderado pelo assessor especial do Governo do Estado, Leonardo Araújo, atualmente filiado ao PSB.
Na última terça-feira (23), Carlomano usou as redes sociais para anunciar o fim da parceria com o sobrinho e comparou-se ao “Tio Paulo”, idoso levado morto por Erika Souza Vieira Nunes, sua sobrinha, a um banco para tentar sacar um empréstimo de R$ 17 mil.
“Pela lealdade que tenho ao povo, em especial ao pacatubano, informo que esta decisão foi tomada porque quiseram fazer comigo o que a ‘Erika fez com o Tio Paulo’”, disse o emedebista em postagem no Instagram.
A assessoria de imprensa do prefeito Rafael Marques foi procurada pelo Diário do Nordeste para se manifestar sobre o caso, mas não houve retorno até a publicação.