O que foi revelado pela CPI das Associações Militares na primeira fase de depoimentos
Na próxima semana, deputados estaduais devem começar a ouvir representantes de uma nova associação militar para investigar suposto financiamento
Nove meses depois de instalada na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga o suposto envolvimento de associações militares no motim de policiais ocorrido em fevereiro de 2020 finalmente “aqueceu”.
O tom da CPI começou a ser dado na fase de oitivas, iniciada no último mês de março. De lá para cá, os nove deputados titulares da comissão interrogaram quatro pessoas vinculadas à diretoria da Associação dos Profissionais da Segurança (APS): Cleyber Araújo, presidente; Sargento Reginauro (União Brasil), vereador da Capital e ex-presidente; Rêmulo Silva, policial militar e ex-tesoureiro, e Elton Regis do Nascimento, também policial militar e ex-tesoureiro.
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Munidos de informações bancárias sigilosas como cheques, extratos bancários e notas fiscais, os deputados têm focado nas movimentações financeiras e políticas das associações antes do motim. Chamaram atenção saques atípicos na ‘boca do caixa’, financiamento de transporte para policiais participarem dos protestos que incitaram a paralisação e possíveis relações com gabinetes de parlamentares.
A oposição ao Governo na Assembleia questiona a forma como a CPI tem tratado os dados sigilosos e acusa os parlamentares da base de usarem politicamente a Comissão, que esquenta às vésperas de novas eleições e promete mais polêmicas.
Quem faz parte da CPI das Associações Militares?
- Salmito Filho (PDT), presidente da CPI;
- Queiroz Filho (PDT), vice-presidente;
- Elmano Freitas (PT), relator;
- Augusta Brito (PT);
- Soldado Noelio (Pros);
- Romeu Aldigueri (PDT);
- Nizo Costa (PT);
- Davi de Raimundão (MDB);
- Marcos Sobreira (PDT).
Na próxima semana, a CPI inicia outra etapa da investigação e deve ouvir o depoimento do sargento Eliziano Queiroz, presidente da Associação das Praças do Ceará (Aspra). Mas, antes, o Diário do Nordeste resume os destaques do que foi relevado até hoje. Confira.
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Saques na ‘boca do caixa’
Nos últimos cinco anos, integrantes da diretoria da APS sacaram da ‘boca do caixa’ em torno de R$ 2,3 milhões — e parte dessa movimentação financeira foi feita pouco antes do motim.
Essa foi a primeira revelação feita pela CPI. Foi ela que norteou o depoimento prestado pelo presidente da instituição, Cleyber Araújo, primeiro convidado a dar explicações, e que deu o tom das oitivas seguintes, em que foram ouvidos o vereador da Capital e ex-presidente da associação, Sargento Reginauro, e os ex-tesoureiros da mesma, os policiais militares Rêmulo Silva e Elton Regis do Nascimento.
Muitos dos cheques usados para os saques em espécie foram assinados por Reginauro, que presidia a APS — ele pediu exoneração do cargo no dia 19 de fevereiro de 2020, um dia após o início do motim. À época, foi autorizada por ele a retirada de quase R$ 90 mil poucos dias antes da paralisação dos policiais militares.
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Reginauro alegou que a movimentação foi “normal de uma empresa que tem um grupo diretor”. O deputado Elmano de Freitas (PT), relator da CPI, por sua vez, rebateu que os saques, bem como outras movimentações da APS antes do motim, levantam suspeita sobre um possível financiamento do ato por parte da instituição.
Foi Rêmulo, ex-tesoureiro da entidade, que deu uma explicação mais contundente sobre a movimentação bancária. Segundo ele, que prestou depoimento à CPI na última terça-feira (19), o saque de R$ 89 mil teria sido feito de forma preventiva, visto que, à época, Reginauro sinalizava sair da instituição e, como as transações dependiam, também, da aprovação dele, o então tesoureiro teria temido atrasos nos pagamentos de funcionários e fornecedores.
Financiamento de transporte
O fretamento do transporte de policiais militares do interior do Estado para a Capital, em datas que coincidem com manifestações dos agentes às vésperas do motim, também foi questionado pelos deputados aos depoentes. No entanto, o assunto foi um dos primeiros elucidados. Isso, porque o próprio presidente da APS, Cleyber Araújo, assumiu que foi feito.
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Para os deputados da CPI, as notas fiscais que tratam da contratação de ônibus para transportar os policiais revelam que as associações teriam agido de forma política e mobilizado os militares para os movimentos que desencadearam o motim, o que é considerado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela Constituição do Ceará.
Os representantes da APS alegaram, no entanto, que os associados têm direito de solicitar transporte para participação em atos “ordeiros” e “democráticos” anteriores à paralisação.
“Todo crime tem ato preparatório”, declarou o deputado Elmano de Freitas na semana passada, à época do depoimento de Reginauro. De acordo com o relator da CPI, o financiamento dos ônibus, a autorização do saque de R$ 89 mil ‘na boca do caixa’ e o afastamento do vereador do cargo de presidente da APS foram posturas que levantam a suspeita de financiamento e apoio da greve dos militares por parte da associação.
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Escritórios de advocacia e interferência política
Os quatro depoentes também foram questionados sobre o pagamento de R$ 400 mil a um único escritório de advocacia na época do motim. Cada um deu uma resposta diferente e os documentos apresentados ainda não foram suficientes para chegar a uma conclusão. A CPI investiga se esse recurso pode ter sido utilizado para financiar as mobilizações dos policiais.
Além disso, por suposição de interferência política nas tomadas de decisão das associações, foi perguntado se os juristas vinculados à APS têm relação com algum gabinete parlamentar. Cleyber, Rêmulo e Reginauro negaram. Somente Elton Regis confirmou, e citou o deputado federal Capitão Wagner (União Brasil), o deputado estadual Soldado Noélio (União Brasil) e o vereador Sargento Reginauro como a “Santíssima Trindade” que, até hoje, decide as ações da entidade. “Eles que decidiam e o restante (da diretoria) tinha só que acatar”, afirmou.
Presente ao depoimento de Elton, Reginauro rebateu a fala do ex-colega de associação e disse que ele agiu por interesses políticos. “Ele não aceitou não ter sido escolhido para ficar na diretoria e lamentavelmente tenta agredir, nas redes sociais, o grupo político a que se colocou como opositor, do Wagner, do (presidente da República Jair) Bolsonaro etc.”, comentou.
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Testemunha ameaçada
Elton Regis falou na terça-feira (19) à CPI na condição de testemunha ameaçada. Seu depoimento estava marcado para outro dia. Porém, o depoente chegou à AL-CE e pediu para ser ouvido antes pelos deputados.
De acordo com o policial militar, no último dia 23 de março, ele teria recebido uma ameaça por meio de um bilhete deixado em seu carro. “Fui a uma confeitaria, estacionei em uma rua próxima e, quando voltei, tinha um bilhete escrito ‘otário, como vai a vida? Cuidado com o que fala’”, relatou.
Presidente da CPI, o deputado Salmito Filho (PDT) concedeu imediatamente proteção à testemunha, que deixou a Assembleia escoltado por seguranças e em carro blindado. No entanto, a Comissão precisa ainda investigar a veracidade da denúncia feita pelo depoente.