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Combate à desinformação nas redes sociais avança no Brasil, mas falta de punições impede efetividade

Apesar de acordos firmados com a Justiça Eleitoral para o período eleitoral, transparência nas políticas aplicadas pelas plataformas ainda preocupa

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
TSE
Legenda: A Justiça Eleitoral firmou acordos com provedores de redes sociais para as eleições em outubro de 2022
Foto: Agência Brasil

Quatro anos após as redes sociais mudarem a forma de fazer campanha eleitoral no Brasil, as plataformas ainda enfrentam uma série de questionamentos sobre a influência que exercem no eleitor. Se por um lado, permitem a aproximação entre candidatos e a população, por outro, facilitam a disseminação de informações falsas sobre a disputa eleitoral. 

De 2018 para cá, as instituições avançaram nas iniciativas para combater a proliferação de desinformação, inclusive por meio de parceria com as próprias plataformas para a implementação de medidas voltadas às eleições. Contudo, especialistas apontam que a ausência de sanções impede a efetividade destas iniciativas, já que as plataformas não são obrigadas a cumprir os acordos.

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Desde o início de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm firmado parceria com plataformas de mídias sociais que atuam no País tendo em vistas o processo eleitoral deste ano no país. Até o momento, pelo menos, nove assinaram acordos descrevendo medidas a serem adotadas para as eleições brasileiras. 

A principal preocupação da Justiça Eleitoral - e principal foco dos documentos assinados pelas plataformas - é a disseminação de informações falsas e que podem ter impacto direto no resultado da votação. Juiz auxiliar da presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), Rommel Moreira Conrado descreve como os tribunais eleitorais têm se preparado, tanto a nível nacional como estadual, para o combate à desinformação neste ano. 

Influência sobre o eleitor

Segundo a Pesquisa Panorama Político 2022 do DataSenado, publicada em fevereiro deste ano, as redes sociais são a segunda principal fonte de informação sobre política dos brasileiros, com 24%. Ficando atrás apenas da televisão, que continua a ser o principal meio de informação para 37% dos entrevistados. 

Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, Jonas Chagas aponta que "as redes sociais vão ter um papel ainda mais fundamental nas eleições desse ano, maior ainda do que tiveram em 2018". Este papel deve ser exercido, principalmente, no que se refere à circulação e consumo de informações sobre o processo eleitoral, acrescenta. 

Pesquisadora do InternetLab e do do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Universidade de São Paulo (USP), Juliana Fonteles afirma que essas plataformas já tem tido muita influência sobre o debate público, principalmente devido ao número de usuários. 

Segundo dados do DataReportal, o Brasil é um dos dos países que mais utiliza as plataformas de mídia social no mundo, com mais de 171,5 milhões de usuários, embora com a ressalva de que nem sempre cada usuário corresponde a um indivíduo. 

"Teve uma transformação das redes sociais em arenas políticas digitais. Com a pressão de reguladores da sociedade civil e o aumento do número de usuário, levou a instituição de políticas de conteúdo com cada vez mais previsões do que poderia ou não ser dito nas plataformas. Com isso, essas plataformas instituem uma governança privada sobre o discurso e a liberdade de expressão", ressalta. 

90%
Dos entrevistados pela Pesquisa Panorama Político 2022 do DataSenado, publicada em fevereiro de 2022, afirmou que usa algum tipo de rede social.

Jonas Chagas aponta que isso acaba transformando as plataformas em "juízes do que pode ou não pode". "Por isso, precisamos de uma regulação pública e democrática", acrescenta o docente. A regulação, segundo ele, permitiria mais transparência sobre as políticas implementadas pelas redes sociais, inclusive quanto ao processo eleitoral. 

"O que a gente conclui é que essas políticas não são estruturadas, diferente da política de privacidade. O usuário não consegue saber as regras da plataforma para desinformação ou para a eleição". 
Jonas Chagas
Professor da UNB

Ausência de sanções

Os pesquisadores consideram importantes os avanços feitos, principalmente desde as eleições de 2018, quanto ao combate à desinformação nas redes sociais. Eles apontam, por exemplo, que mais plataformas assinaram os acordos e parecem dispostas a implementar as medidas voltadas ao processo eleitoral. 

Contudo, eles questionam a real efetividade das ações quando não há, por exemplo, mecanismos estabelecidos para o cumprimento dessas políticas. 

"Existe alguns pontos cegos, porque, nos memorandos das parcerias, sequer há uma previsão de sanção. E se essas previsões não forem cumpridas, o que vai resultar para as plataformas?", indaga Fonteles. Ela ressalta que "não há prestação de contas à sociedade civil, aos usuários e, às vezes, nem à Justiça Eleitoral". 

A ausência de transparência das plataformas é apontada como o principal problema para a efetividade das medidas. "Esses acordos são relevantes, mas insuficientes. As regras aparecem de forma pouco estruturada e pouco transparente. Quem usa as plataformas não sabe as regras do jogo", afirma Jonas Chagas. 

PL das Fake News

Uma das alternativas para aumentar a transparência nas plataformas virtuais  tanto na campanha eleitoral quanto em momentos posteriores - é o Projeto de Lei que trata do combate às fake news no ambiente digital. 

Conhecido como "PL das Fake News", a proposta traz regras que devem ser aplicadas a provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagens instantâneas que oferecem serviços ao público brasileiro, inclusive empresas sediadas no exterior, cujo número de usuários registrados no País seja superior a 10 milhões.

45%
Dos entrevistados em Pesquisa do Datasenado, publicada em 2019, afirmaram que decidiram o voto nas eleições de 2018 levando em consideração informações vistas em alguma rede social.

Aprovado pelo Senado ainda em 2020, o texto sofreu diversas modificações na Câmara dos Deputados após sofrer críticas. "Foi um processo muito açodado no início e um texto bem ruim e impreciso, que tentava definir o que é desinformação, o que é rechaçado, porque pode respingar em informação confusa", explica Juliana Fonteles. 

Segundo a pesquisadora, delimitar de forma fechada o que é informação falsa pode acabar criminalizando comportamentos "não maliciosos" e "banais" cometidos por usuários, mas que não tinha como intenção a disseminação de desinformação. Ela ressalta que as mudanças feitas na Câmara Federal foram importantes e que houve "muito avanço". 

O novo texto foi entregue pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei, no início de abril, mas teve requerimento de urgência rejeitado pelo plenário da Casa. A proposta agora aguarda nova análise dos deputados federais. 

Medidas de regulação

Uma das medidas descritas no projeto de lei é a necessidade de que provedores de redes sociais e serviços de mensagens elaborem e publiquem relatórios de transparência semestrais com as principais ações tomadas no período. 

"A transparência é uma condição não só para que os usuários entendam, mas para que se possa fiscalizar se há abuso", destaca o professor Jonas Chagas, que considera que ainda há tempo para retomar a discussão sobre o projeto de lei para as eleições de 2022. 

Outras regulações previstas pelo texto da proposta são a obrigatoriedade de representação no Brasil das plataformas e a possibilidade de criação de instituição de autorregulação voltada à transparência e à responsabilidade no uso da internet.

Também são descritas algumas condutas vedadas nas plataformas. Perfis de órgãos institucionais e agentes públicos, considerados de interesse público, devem se submeter aos princípios da administração pública. Logo, não poderão, por exemplo, bloquear usuários. 

Outras proibições são a existência de contas automatizadas, que podem artificializar o debate existente nas plataformas. As plataformas também devem passar a justificar eventuais suspensões na conta de usuários - prática não obrigatória atualmente.

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