Parecer vai desobrigar uso de máscara por vacinado ou quem já teve Covid, diz Bolsonaro

Presidente afirmou que documento está sendo preparado pelo ministro Marcelo Queiroga

Escrito por Diário do Nordeste e Everton Lopes Batista, Daniel Carvalho e Natália Cancian/Folhapress ,
sem máscara, bolsonaro cumprimenta moradores no interior de goiás
Legenda: O presidente é visto frequentemente sem máscara, inclusive em aglomerações e cumprimentando apoiadores
Foto: Alan Santos/PR

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, nesta quinta-feira (10), que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prepara um "parecer" para desobrigar o uso da máscara por quem já foi vacinado contra a Covid-19 ou quem já teve a doença.

"Ele vai ultimar um parecer visando a desobrigar o uso de máscara por parte daqueles que já foram vacinados ou que já foram contaminados para tirar este símbolo que, obviamente, tem sua utilidade para quem está infectado", afirmou Bolsonaro em uma solenidade no Palácio do Planalto para lançamento de programas do Ministério do Turismo.

O anúncio de Bolsonaro foi realizado no dia em que o País ultrapassou 480 mil mortos na pandemia, com 2.504 óbitos registrados nas últimas 24 horas. Ao todo, já são 482.019 mortes causadas pela Covid-19 no País.

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O presidente seguiu dizendo que, pelo protocolo adotado no Brasil, só quem está infectado deve ficar em casa. "Se bem que para nós, o nosso protocolo para quem está infectado, este sim fica em casa. Não aquele 'fica em casa todo mundo'. A quarentena é para quem está infectado, não é para todo mundo, porque isso destrói empregos, mata de outra forma o cidadão", afirmou.

Na verdade, uma pessoa pode transmitir o vírus mesmo que esteja vacinada e sem apresentar sintomas. Como ainda há pouquíssimos vacinados no Brasil e alta circulação do vírus, o risco de alguém que tomou a vacina contrair o coronavírus e transmiti-lo (mesmo sem ficar doente) para quem ainda não esteja protegido é bem grande.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já havia se pronunciado favorável ao uso da máscara de proteção. No entanto, hoje, afirmou que vai acatar o pedido do presidente e realizar "estudo" que trate da flexibilização do equipamento. 

"Recebi uma solicitação para fazer um estudo acerca do uso da máscara, presidente está muito satisfeito com o ritmo da campanha no Brasil, da chegada de novas doses e da distribuição de 100 milhões de doses de vacina”, inicia. 

“O presidente acompanha o cenário e vê que, em outros países, onde a campanha já avançou, as pessoas já estão flexibilizando. Ele me pediu que fizesse um estudo para avaliar a situação aqui no Brasil e vamos atender essa demanda do presidente, que está sempre preocupado com pesquisas em relação à Covid”.
Marcelo Queiroga
Ministro da Saúde

Anúncio de Bolsonaro é alvo de críticas

A não obrigatoriedade de máscara neste momento é criticada por especialistas. A máscara evita a propagação do novo coronavírus, transmitido pelo ar. O baixo número de pessoas completamente vacinadas contra a Covid-19 no País e a alta taxa de transmissão do vírus não permitem, ainda, que a população deixe de usar máscara.

Para a comunidade médica e científica, há risco de aumento no número de mortes e casos que podem ser evitados com uso de máscaras e distanciamento social – medidas básicas, fáceis de serem seguidas e largamente baseadas em estudos científicos.

"Infelizmente, não temos nenhuma vacina que garanta 100% de proteção, sempre pode haver alguma infecção que escape do imunizante. Além disso, temos uma circulação do vírus muito grande no país, o que aumenta a chance de algum vacinado ser infectado".
Raquel Stucchi
Infectologista da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia

A chance de um vacinado se infectar com a doença é muito menor do que a de quem não recebeu nenhum imunizante, e o tamanho dessa proteção varia conforme a vacina utilizada.

"Vacinados podem se infectar e transmitir a doença. Mesmo que o imunizado tenha uma chance enorme de ter desfecho positivo se pegar a doença, pode passar o vírus para outras pessoas", diz Luciana Becker, médica infectologista no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, de São Paulo.

Uso de máscara é obrigatório no Ceará

Desde julho de 2020, o uso de máscara é obrigatório no Ceará. Pela norma, estabelecimentos, públicos ou privados, só́ podem autorizar o ingresso ou a permanência de pessoas com máscaras de proteção. O mesmo vale para o interior de transporte publico e em áreas comuns de condomínios de residências, apartamentos, prédios comerciais e similares.

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O descumprimento da medida pode resultar em multa, conforme a lei nº 17.261, publicada no Diário Oficial do Estado no dia 13 de agosto de 2020.

Ministro costuma defender o uso de máscara

Procurado, o Ministério da Saúde ainda não se manifestou sobre a declaração do presidente.

Desde que assumiu o cargo, Marcelo Queiroga tem se posicionado a favor do uso de máscaras. "A pátria de chuteiras agora é a pátria de máscaras", disse, no fim de março.

Ao longo dos últimos meses, o ministro também tem dito que o uso de máscaras e distanciamento são importantes como medidas de prevenção e para a "retomada da economia".

Questionado em depoimento à CPI da Covid-19 nesta semana se orientava o presidente a usar a proteção, o ministro respondeu: "evidente que sim". Mas evitou comentar sobre a postura de Bolsonaro, afirmando que se trata de "ato individual". "Não vou fazer juízo de valor a respeito da conduta do presidente da República", disse.

Zé Gotinha usa máscara

Em maio, o Ministério da Saúde lançou uma campanha sobre medidas de prevenção contra a Covid, com o mote "O cuidado é de cada um, o benefício é de todos". Um dos vídeos da iniciativa traz a família do personagem Zé Gotinha de máscaras e cita outras ações, como lavar as mãos e distanciamento.

"Zé Gotinha sempre foi o símbolo da campanha de vacinação no Brasil. Vamos vacinar a população brasileira e aderir às medidas não farmacológicas, como o uso de máscara", disse o ministro na ocasião.
Desde o início da pandemia, o governo vem sendo questionado pela falta de investimento em medidas de comunicação mais assertivas para estímulo a ações de prevenção contra o coronavírus.

Defesa da cloroquina e de supernotificação

Em seu discurso nesta quinta, o presidente também insistiu no tratamento com hidroxicloroquina e ivermectina, que não têm eficácia contra a Covid-19.

Bolsonaro voltou a defender a tese de supernotificação de casos de Covid pelos estados em busca de mais recursos federais. No início da semana, o presidente citou um documento de servidor do Tribunal de Contas da União e foi desmentido pelo próprio TCU.

Mas, ao contrário do que diz Bolsonaro, as mortes por Covid devem ser ainda maiores do que apontam registros oficiais.

A declaração de Bolsonaro acontece horas depois de a CPI da Covid no Senado aprovar a quebra de sigilo telefônico e telemático dos ex-ministros Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e de integrantes do chamado 'gabinete paralelo', estrutura de aconselhamento do presidente para temas ligados à pandemia e com defesa de teses negacionistas.

Discurso de Bolsonaro

A fala de Bolsonaro em evento do Ministério do Turismo não estava prevista. A cerimônia já havia sido encerrada pelo cerimonial quando o presidente dirigiu-se ao púlpito para falar.

Em seu discurso, Bolsonaro elogiou ex-assessor presidencial Arthur Weintraub, alvo da CPI por causa do gabinete paralelo. "Com todos esses problemas do 'fique em casa, a economia a gente vê depois', não errei uma sequer. E não foi da minha cabeça, foi conversando com pessoas como um anônimo entre nós por muito tempo, o Arthur Weintraub", disse Bolsonaro.

O presidente afirmou que seu ex-assessor aprendeu "o básico de japonês em 48 horas". "Trazia documentos para mim, pesquisas, fazia contatos e a gente foi aprendendo o que era aquilo", afirmou Bolsonaro.

Bolsonaro também citou reunião realizada no ano passado com médicos defensores do tratamento precoce e defendeu os participantes do encontro transmitido ao vivo pelas redes sociais do presidente.
"São heróis, pessoas que estavam tentando salvar vidas, e não se acomodando embaixo da cama, como muitas autoridades fizeram pelo Brasil. Isso para a CPI agora é gabinete paralelo", afirmou Bolsonaro.

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