Disputa por capital político na vacinação antecipa estratégias para as eleições de 2022
Analistas apontam, contudo, que a influência do tema no pleito dependerá de alguns fatores
Antes mesmo da chegada da vacina contra a Covid-19 no Brasil, a imunização da população contra a doença tem sido alvo de disputa política. Com o avanço da vacinação, a busca por capital político fica mais evidente.
Desde a compra dos imunizantes, embates entre governadores e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) até a investigação da CPI da Covid no Senado, diferentes atores políticos dão sinais de que a politização em torno das doses deve ter impacto direto nas eleições de 2022.
Analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste, no entanto, apontam que a influência do tema no próximo pleito depende de dois fatores: os desdobramentos da pandemia - inclusive com a possibilidade de uma terceira onda - e o cumprimento do cronograma de vacinação da população.
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O ponto central é a percepção da população quanto à vacinação. Segundo pesquisa Datafolha, divulgada em maio, nove em cada dez brasileiros com 18 anos ou mais pretendem se vacinar contra a Covid-19. O número representa mais de 91% da população brasileira - um saldo positivo que futuros candidatos querem capitalizar para a disputa eleitoral.
Mudança de discurso
Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), a socióloga Paula Vieira observa que o discurso do Governo Federal, assim como dos parlamentares aliados, já vem passando por uma transformação quanto à imunização.
"Os governistas não se colocam contrários à vacinação, como era no início. Já não se questiona mais a necessidade de vacinação", exemplifica. "Agora, a disputa é para trazer o ganho para si".
Professora da UFC, a cientista política Monalisa Soares aponta o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, por exemplo, como alguém que está reforçando o papel do Palácio do Planalto na vacinação da população.
"Isso tem a ver com a esperança da população, o desejo de voltar à normalidade. Tanto que o Governo captura isso. O ministro diz que quer deixar um legado de imunização".
A postura passou a ser adotada, inclusive, por Jair Bolsonaro. No dia 1° de junho, por exemplo, o presidente comemorou a marca de 100 milhões de doses de vacina distribuídas aos estados - contudo, o número só seria alcançado no dia seguinte, 2.
O discurso tem se expandido para aliados governistas - sejam ministros de Estado ou deputados federais e senadores. Mesmo parlamentares estaduais e municipais aliados, que antes duvidavam da eficácia da vacina contra a Covid-19, passaram a, por exemplo, acompanhar a chegada de doses aos aeroportos dos estados.
São mudanças que podem ter impacto direto nas estratégias para a campanha eleitoral: "Os candidatos (ao Legislativo) vão dizer o quanto apoiaram, o que pleitearam, o quanto conseguiram de vacina para determinada localidade", exemplifica Paula. "A tendência é que se agregue à vacina, trazendo para si algum tipo de responsabilidade", completa.
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A influência da CPI da Covid
A disputa em torno do saldo eleitoral da imunização começa a ser desenhada também na CPI da Covid, no Senado Federal. Com a investigação quanto às responsabilidades pela grave situação brasileira durante a pandemia, senadores governistas e opositores antecipam também quais argumentos podem ser utilizados durante a campanha do próximo ano.
"As oposições estão disputando essa versão. O Governo Federal e os ministros vão tentar capitalizar a vacinação, mas as oposições vão ter essa memória para contar. A CPI vai ser esse palco para a história ser contada", avalia Monalisa Soares.
A memória trata do histórico de negociações para aquisição de vacinas, que têm sido uma das principais críticas ao Governo Bolsonaro. A demora na resposta à Pfizer, que atrasou em meses o contrato com a farmacêutica, foi um dos pontos explicitados durante depoimentos na comissão.
"A CPI está contando que o Brasil teve condições de ter essa vacina há mais tempo e em maior quantidade. O discurso de opositores é que a economia está parada, que estamos presos na pandemia e que a terceira onda deve ser mais forte porque tivemos um Governo omisso", analisa o cientista político Cleyton Monte, professor universitário e também pesquisador do Lepem.
"A oposição vai jogar com isso, mostrar a falta de empenho do Governo na aquisição da vacina. Vai ser uma disputa dessas versões", concorda Monalisa Soares.
Do outro lado, governistas se esforçam para modificar a percepção sobre a participação da gestão federal no processo de imunização, "mudando a estratégia argumentativa e usando os argumentos dos opositores", afirma Paula Vieira. "Eles estão se transformando em algo bom para quem é o Governo".
Entre os argumentos, o de que as vacinas estão chegando aos estados e que a responsabilidade por eventuais atrasos no processo de imunização não é apenas do Palácio do Planalto.
"Do lado governista, a ênfase vai ser para o discurso de que o Governo se esforçou, que estamos avançando na vacinação e que a vacina depende de fatores externos ao presidente", completa Cleyton Monte.
Embate com governadores
Outro ponto que tende a prosseguir como uma tensão política até a disputa eleitoral em 2022, na avaliação de analistas, é o confronto entre governadores e o presidente Bolsonaro. A investigação dos gestores estaduais foi defendida pelo Governo Federal e apoiada por parlamentares governistas - o uso de recursos federais por estados e municípios acabou incluído na CPI da Covid.
"E vai jogar novamente para os governadores: deputados aliados ao Governo já estão trabalhando com uma ideia de que os governadores estão em um ritmo lento de vacinação, que os governadores estão vacinando pouco".
A percepção da população, neste ponto, deve influenciar se a estratégia pode funcionar - e dar resultados eleitorais. "Se parte da população comece a entender que o Brasil não vai bem, mas que a culpa não é só do presidente, isso divide a responsabilidade", continua Monte.
Contudo, faltando ainda um ano e meio para a disputa em 2022, muito ainda pode ser alterado no quadro político - inclusive, quanto ao uso da vacinação como parte da campanha eleitoral.
"Existem ainda muitas dúvidas se vamos ter uma vacinação, contando primeira e segunda dose, até o final do ano, além de novas cepas e mutações do vírus".
Todos estes fatores devem ter impacto direto sobre a percepção quanto às responsabilidades de cada ente federado na vacinação.
"Se a vacinação vai ser um grande tema para 2022, vai depender do desdobramento da pandemia no próximo semestre", explica Monalisa Soares. "A vacinação é uma ajuda para a resolução desse problema. Se piorar tudo, aumenta a sensação de que se tivesse a vacina poderia ser melhor".
A possibilidade de uma melhora na imagem do Governo Federal, por outro lado, também é possível - o que mudaria estratégias para a disputa.
"Se até agosto ou setembro avançar a vacinação, o discurso será favorável ao Governo. Se a economia melhorar, o que é a tendência, isso vai ser utilizado pelo Governo", destaca Cleyton Monte. "De qualquer forma, a vacina foi politizada, tanto por governistas quanto pela oposição".