Disputa por capital político na vacinação antecipa estratégias para as eleições de 2022

Analistas apontam, contudo, que a influência do tema no pleito dependerá de alguns fatores

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
Vacina
Legenda: Nove em cada dez brasileiros adultos querem se vacinar, segundo o Insituto Datafolha
Foto: Camila Lima

Antes mesmo da chegada da vacina contra a Covid-19 no Brasil, a imunização da população contra a doença tem sido alvo de disputa política. Com o avanço da vacinação, a busca por capital político fica mais evidente.

Desde a compra dos imunizantes, embates entre governadores e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) até a investigação da CPI da Covid no Senado, diferentes atores políticos dão sinais de que a politização em torno das doses deve ter impacto direto nas eleições de 2022. 

Analistas políticos entrevistados pelo Diário do Nordeste, no entanto, apontam que a influência do tema no próximo pleito depende de dois fatores: os desdobramentos da pandemia - inclusive com a possibilidade de uma terceira onda - e o cumprimento do cronograma de vacinação da população. 

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O ponto central é a percepção da população quanto à vacinação. Segundo pesquisa Datafolha, divulgada em maio, nove em cada dez brasileiros com 18 anos ou mais pretendem se vacinar contra a Covid-19. O número representa mais de 91% da população brasileira - um saldo positivo que futuros candidatos querem capitalizar para a disputa eleitoral. 

Mudança de discurso

Pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem/UFC), a socióloga Paula Vieira observa que o discurso do Governo Federal, assim como dos parlamentares aliados, já vem passando por uma transformação quanto à imunização. 

"Os governistas não se colocam contrários à vacinação, como era no início. Já não se questiona mais a necessidade de vacinação", exemplifica. "Agora, a disputa é para trazer o ganho para si". 

Professora da UFC, a cientista política Monalisa Soares aponta o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, por exemplo, como alguém que está reforçando o papel do Palácio do Planalto na vacinação da população. 

"Isso tem a ver com a esperança da população, o desejo de voltar à normalidade. Tanto que o Governo captura isso. O ministro diz que quer deixar um legado de imunização". 
Monalisa Soares
Cientista política e professora da UFC

A postura passou a ser adotada, inclusive, por Jair Bolsonaro. No dia 1° de junho, por exemplo, o presidente comemorou a marca de 100 milhões de doses de vacina distribuídas aos estados - contudo, o número só seria alcançado no dia seguinte, 2. 

Vacinação
Legenda: No dia 1° de junho, Bolsonaro comemorou a marca de 100 milhões de doses de vacinas distribuídas aos estados
Foto: José Leomar

O discurso tem se expandido para aliados governistas - sejam ministros de Estado ou deputados federais e senadores. Mesmo parlamentares estaduais e municipais aliados, que antes duvidavam da eficácia da vacina contra a Covid-19, passaram a, por exemplo, acompanhar a chegada de doses aos aeroportos dos estados. 

São mudanças que podem ter impacto direto nas estratégias para a campanha eleitoral: "Os candidatos (ao Legislativo) vão dizer o quanto apoiaram, o que pleitearam, o quanto conseguiram de vacina para determinada localidade", exemplifica Paula. "A tendência é que se agregue à vacina, trazendo para si algum tipo de responsabilidade", completa. 

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A influência da CPI da Covid

A disputa em torno do saldo eleitoral da imunização começa a ser desenhada também na CPI da Covid, no Senado Federal. Com a investigação quanto às responsabilidades pela grave situação brasileira durante a pandemia, senadores governistas e opositores antecipam também quais argumentos podem ser utilizados durante a campanha do próximo ano. 

"As oposições estão disputando essa versão. O Governo Federal e os ministros vão tentar capitalizar a vacinação, mas as oposições vão ter essa memória para contar. A CPI vai ser esse palco para a história ser contada", avalia Monalisa Soares.

A memória trata do histórico de negociações para aquisição de vacinas, que têm sido uma das principais críticas ao Governo Bolsonaro. A demora na resposta à Pfizer, que atrasou em meses o contrato com a farmacêutica, foi um dos pontos explicitados durante depoimentos na comissão. 

"A CPI está contando que o Brasil teve condições de ter essa vacina há mais tempo e em maior quantidade. O discurso de opositores é que a economia está parada, que estamos presos na pandemia e que a terceira onda deve ser mais forte porque tivemos um Governo omisso", analisa o cientista político Cleyton Monte, professor universitário e também pesquisador do Lepem. 

Vacinada em SP
Legenda: Início da vacinação no Brasil, em janeiro, foi alvo de disputa entre João Doria e Bolsonaro
Foto: AFP

"A oposição vai jogar com isso, mostrar a falta de empenho do Governo na aquisição da vacina. Vai ser uma disputa dessas versões", concorda Monalisa Soares. 

Do outro lado, governistas se esforçam para modificar a percepção sobre a participação da gestão federal no processo de imunização, "mudando a estratégia argumentativa e usando os argumentos dos opositores", afirma Paula Vieira. "Eles estão se transformando em algo bom para quem é o Governo".

Entre os argumentos, o de que as vacinas estão chegando aos estados e que a responsabilidade por eventuais atrasos no processo de imunização não é apenas do Palácio do Planalto. 

"Do lado governista, a ênfase vai ser para o discurso de que o Governo se esforçou, que estamos avançando na vacinação e que a vacina depende de fatores externos ao presidente", completa Cleyton Monte. 

Embate com governadores

Outro ponto que tende a prosseguir como uma tensão política até a disputa eleitoral em 2022, na avaliação de analistas, é o confronto entre governadores e o presidente Bolsonaro. A investigação dos gestores estaduais foi defendida pelo Governo Federal e apoiada por parlamentares governistas - o uso de recursos federais por estados e municípios acabou incluído na CPI da Covid. 

"E vai jogar novamente para os governadores: deputados aliados ao Governo já estão trabalhando com uma ideia de que os governadores estão em um ritmo lento de vacinação, que os governadores estão vacinando pouco".
Cleyton Monte
Cientista político e professor universitário

A percepção da população, neste ponto, deve influenciar se a estratégia pode funcionar - e dar resultados eleitorais. "Se parte da população comece a entender que o Brasil não vai bem, mas que a culpa não é só do presidente, isso divide a responsabilidade", continua Monte.

ALIADOS-BOLSONARO
Legenda: Aliados de Jair Bolsonaro acompanham a chegada de um lote de vacinas ao Ceará, em abril
Foto: Reprodução

Contudo, faltando ainda um ano e meio para a disputa em 2022, muito ainda pode ser alterado no quadro político - inclusive, quanto ao uso da vacinação como parte da campanha eleitoral. 

"Existem ainda muitas dúvidas se vamos ter uma vacinação, contando primeira e segunda dose, até o final do ano, além de novas cepas e mutações do vírus". 
Paula Vieira
Socióloga e professora universitária

Todos estes fatores devem ter impacto direto sobre a percepção quanto às responsabilidades de cada ente federado na vacinação.

"Se a vacinação vai ser um grande tema para 2022, vai depender do desdobramento da pandemia no próximo semestre", explica Monalisa Soares. "A vacinação é uma ajuda para a resolução desse problema. Se piorar tudo, aumenta a sensação de que se tivesse a vacina poderia ser melhor". 

A possibilidade de uma melhora na imagem do Governo Federal, por outro lado, também é possível - o que mudaria estratégias para a disputa. 

"Se até agosto ou setembro avançar a vacinação, o discurso será favorável ao Governo. Se a economia melhorar, o que é a tendência, isso vai ser utilizado pelo Governo", destaca Cleyton Monte. "De qualquer forma, a vacina foi politizada, tanto por governistas quanto pela oposição".