A vacina e o oportunismo político de celebrar a ciência quando convém
A mudança de discurso em relação à CoronaVac deve vir acompanhada de outros consensos no enfrentamento à pandemia
A vacinação contra a Covid-19, que avança aos poucos no Brasil, parece finalmente ser consenso entre políticos - mesmo em lados opostos. Se meses atrás a vacina chinesa CoronaVac era desacreditada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e por seus aliados, inclusive no Ceará, o discurso, hoje, é outro.
Declarações do chefe da República ao longo da pandemia do novo coronavírus mostram a guinada de postura sobre o tema: em 2020, ele chegou a dizer que não compraria a “vachina” para o Brasil; depois, ainda em janeiro deste ano, voltou a colocar em xeque, publicamente, a eficácia do imunizante. Muitos de seus seguidores, entre eles parlamentares, fizeram o mesmo.
Mas não era sustentável politicamente insistir nisso se, atualmente, as doses produzidas pelo Instituto Butantan, em São Paulo, em parceria com o laboratório chinês Sinovac são as responsáveis pela maior parte da vacinação, ainda pouco abrangente, da população brasileira.
É fato: não fosse a CoronaVac, o ritmo do Plano Nacional de Imunização (PNI) estaria ainda mais lento. A primeira aposta do Governo brasileiro, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford junto à farmacêutica AstraZeneca, chega a conta gotas ao País, acumulando atrasos no cronograma de entrega de doses inicialmente previsto.
Os contratos recentemente assinados para a aquisição de mais de 100 milhões de doses da vacina da Pfizer e também da vacina da Janssen são celebrados em meio a uma corrida mundial por imunizantes, mas, por enquanto, o que há é expectativa.
Pressões de todos os lados
Diante de pressões de diversos setores, alguns que outrora patrocinaram ações do Governo Federal, o discursou mudou. A vacinação em massa virou, com meses de atraso em relação a outros países, prioridade declarada no Palácio do Planalto. Rapidamente, o recado foi passado aos apoiadores do presidente, que se encarregam, agora, de aderir a ele.
É positivo mesmo que o discurso seja outro. A vacinação em massa, colocada por especialistas como a forma mais eficaz de se controlar a pandemia, precisa ser defendida pelas autoridades, capazes de influenciar a adesão popular a uma estratégia vital de saúde pública.
Fica evidente, ao mesmo tempo, o oportunismo político por trás de muitos movimentos. Não à toa: a vacinação é vista como uma fonte de capital político em ano pré-eleitoral. Sim, a prioridade agora é outra, muito mais grave, mas, mesmo que alguns digam o contrário, atitudes apontam já para 2022.
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Hora não é de disputa por quem fez mais
O oportunismo se infere a partir das contradições. As mudanças de posicionamento vêm acompanhadas da busca pelos holofotes. Chamou atenção, por exemplo, a fileira de parlamentares de oposição ao governador Camilo Santana (PT) à espera da chegada do mais recente lote de imunizantes enviado ao Ceará, na última quinta-feira (1º).
Com celulares a postos, a cena rapidamente foi parar nas redes sociais. A narrativa que valoriza o esforço do Governo Federal como principal responsável pela ampliação da vacinação no Brasil vem, com frequência, com críticas à gestão estadual. O objetivo não parece ser apenas comemorar a chegada de vacinas, mas sobretudo disputar a versão da história sobre quem fez mais.
O governador, aliás, fez menção durante uma “live” no mesmo dia às “fake news” com conotação política que vêm sendo espalhadas no Ceará. Sustentou que o momento não é de “politicagem”, e sim de “união”.
A declarações vieram dias após o petista se juntar ao youtuber Felipe Neto em um embate com o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) no Twitter. Os dois rebateram publicação compartilhada pelo filho do presidente, que colocava as vacinas enviadas ao Ceará como resultado de um trabalho apenas do Governo Federal.
O tempo gasto nesse tipo de conflito, certamente, poderia ser empregado em urgências maiores. Para além das fotos, vídeos, cada agente público deve mostrar contribuição efetiva ao enfrentamento da crise sanitária. Garantir que mais doses cheguem aos braços da população não é mérito de um ou outro ente federado apenas; é obrigação de todos. O PNI é claro: municípios, estados e União têm responsabilidades definidas, e interdependentes, para o êxito da imunização.
Outros consensos urgentes
Provar que a intenção no discurso é boa passa ainda por disposição dos diferentes lados para buscar outros consensos. Enquanto a vacinação não é realidade à grande maioria dos brasileiros, medidas de distanciamento social seguem sendo apontadas por autoridades sanitárias como forma de contenção da circulação viral. Mesmo assim, em nome da dicotomia entre saúde e economia, como se possível fosse cuidar só de uma ou de outra, isso é motivo persistente de embates políticos.
Um Comitê Nacional de combate à Covid-19 foi criado há pouco mais de uma semana como sinalização a uma cobrança recorrente por unidade. Até agora, porém, não foram anunciadas ações em comum além da defesa da vacinação em massa.
Já passou da hora de a unidade extrapolar o campo da retórica. É claro que o enfrentamento ao novo coronavírus, se eficaz, tende a trazer ganhos políticos. E todos os lados querem isso - que o diga João Doria (PSDB), governador de São Paulo, que reafirma a CoronaVac como “a vacina do Brasil”. Mostram não embarcar no oportunismo político aqueles que não se envolvem na busca por soluções apenas quando convém.
Celebrar a vitória da ciência e seguir agarrado a negacionismos, por parte de qualquer agente público, é um desrespeito a uma Nação que quer viver.