O Direito, a interpretação e o aluno

Outra característica da área do Direito é que o aluno que conclui seu curso só será mesmo advogado se for aprovado em rigoroso exame da OAB, podendo morrer apenas como Bacharel

Escrito por
Agapito Machado producaodiario@svm.com.br
Juiz federal e professor da Unifor
Legenda: Juiz federal e professor da Unifor

O Direito ostenta uma peculiaridade que talvez não exista em outras profissões, notadamente as regulamentadas no nosso País, por depender totalmente da norma jurídica que é abstrata, geral e impessoal, diferente do ato administrativo que é uma norma de efeito concreto. Afirma Hans Kelsen, em sua conhecida obra “Teoria Pura do Direito”, que a norma jurídica permite mais de uma interpretação válida. Todavia, pensamos que não deve ocorrer aquele tipo de interpretação que constitua uma “forçação de barra”, beirando o chamado ativismo jurídico e até político, eis que o Poder Judiciário não deve atuar com meras opiniões pessoais de nenhum de seus membros, desrespeitando a lei constitucional e a Constituição feitas pelo Poder Legislativo.

Como exemplo de ser razoável a “mais de uma interpretação válida”, temos o caso do STF, composto de 11 (onze) Ministros indicados pelo Presidente da República, portanto, não concursados, como são os magistrados de primeiro grau que só ingressam na carreira, por sua própria competência, após aprovado em rigoroso concurso público, onde os julgamentos naquele colegiado normalmente não são unânimes, existindo caso de votação por 6x5, como foi o de só admitir a prisão de um condenado, após exauridos todos os recursos ( a chamada presunção de inocência), que podem durar anos e ensejando a impunidade, mesmo em crimes gravíssimos. Outra característica da área do Direito é que o aluno que conclui seu curso só será mesmo advogado se for aprovado em rigoroso exame da OAB, podendo morrer apenas como Bacharel.

Mas a principal característica é a de que sempre estará obrigado/limitado/amarrado/amordaçado a seguir os chamados precedentes judiciais previstos no art. 927 do Código de Processo Civil, o que implica dizer que quem cursa Direito visa primeiramente ser advogado e, querendo, depois de anos de prática forense, pode se submeter a diversos concursos públicos: magistrado, ministério público, defensor público, procurador, assessor jurídico, professor, entre outros. E nesses casos, mormente como magistrado terá, queira ou não, goste ou não, de julgar simplesmente tendo de aplicar (seguir) as decisões vinculantes do STF, entre outros Tribunais ”verbis”:  “Art. 927: Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. § 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º , quando decidirem com fundamento artigo. § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese. § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. § 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. § 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores”. Dispõe ainda o art. 489,§ 1º, VI, do mesmo Código Processual, que são elementos essenciais e que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

A grande realidade é a de que todos que vivem no meio jurídico são meros robôs do que determina esse artigo 927 do referido Código de Processo Civil que, inclusive, subsidia o Código de Processo Penal (art.3º do CPP) e outros ramos do Direito, tais como os processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos (art.15 do CPC).  

Queiramos ou não, na área jurídica a palavra final sobre a lei e a Constituição é a dada pelo STF. E quem ousar não responder questões de concursos com base no que ele considera o certo, o caminho é a reprovação. E quem perde o tempo eterna perda chora. Assim, cabe sempre lembrar ao aluno que pouco importa a sua opinião, ainda que relevante, ou a do professor. É importante também lembrar que o Professor de Direito, para preparar seus alunos para novas exigências do mercado de trabalho, deve elaborar as suas provas seguindo solicitação/orientação da Universidade onde leciona, como fazemos na Unifor, observando os modelos dos exames do Enade, OAB, Enem e diversos outros certames/concursos (magistrado, ministério público, defensor público, procurador, delegado, tal como previstos na Taxonomia de Bloom, evitando, todavia, e principalmente repetir ou copiar esses quesitos, por serem autorais e, destarte, não incorrer em plágio. Seguir os modelos não é “copiar e colar” tais questões, para facilitar a correção das provas dos seus alunos.

Desde 1985, muito antes dessas novas modalidades de confecção de provas previstas na Taxonomia de Bloom, ou outras semelhantes, sempre lembrei aos meus alunos da área de Penal que não basta apenas decorar ( o famoso decoreba) o texto das leis, nem apenas assistir às aulas teóricas, mas também buscarem aprender, desde logo, os aspectos práticos do Direito, comparecendo às audiências nas Justiças Federal, Estadual, do Trabalho, Militar e Tribunais Judiciários, entre outros. O mundo mudou bastante com a tecnologia, principalmente com a inteligência artificial, tema esse que explico ao aluno, sempre lembrando que ele tem de saber fazer a pergunta de modo correto e objetivo à IA, para não obter resposta que não atenda ao caso concreto solicitado, sempre concitando-lhe, também, primeiramente ler a legislação em vigor, que muda constantemente, a Doutrina e a Jurisprudência, em sites oficiais, e ainda de que, em sala de aula, não convém discussões religiosas, esportivas ou com viés político, principalmente agora em que vivemos uma exagerada politização entre esquerda e direita, assuntos estes que não interessam ao estudo jurídico.

É importante o professor utilizar a linguagem formal, evitar impressões e expressões pessoais, bem como não usar chavões e gírias. Ademais, para que não fiquem apenas no aspecto teórico das aulas e obtenham o aprendizado prático do Direito, lembro aos alunos que a UNIFOR põe às suas disposições, dois (2) Juizados (um Federal e outro Estadual), júri simulado, Vara do Júri, anexo do TRE, escritório de prática forense, entre outros. 

Especificamente no Juizado Federal (21ª. Vara), concito aos alunos para ali comparecerem às audiências, pelo menos durante 3 (dias), nas 2ª e 4ª feiras, onde a eles faculto, no intervalo entre uma e outra ( audiência), tirarem dúvidas comigo ou com outro colega Juiz que ali presida as audiências, Procurador das Pessoas Jurídicas de Direito Público (União, Autarquias , Fundações e Empresas Públicas Federais) e Advogado das partes, além de lhes assegurar 1 (hum ponto) em cada um dos AVS(1,2 e 3). Quanto ao feedback, divido-o em dois (2) aspectos: a) corrijo cada prova, manualmente, com caneta vermelha, explicando com destaque em que o aluno possa ter se equivocado em sua resposta, evitando aquela correção com um mero X; e b) antes de entregar as provas aos alunos, em sala de aula, faço uma nova correção e, caso ainda sobeje alguma dúvida, vejo novamente o quesito que o aluno insiste em que possa ter havido erro na correção de sua prova. Se o aluno tiver razão, faço como Juiz: acolho os “embargos de declaração com efeito modificativo do julgado” e lhe concedo a respectiva pontuação.

Afinal, só quem não erra é Deus. Resumindo: para o aluno que cursa Direito não é suficiente apenas obter o tradicional aprendizado teórico, em sala de aula, mas ser preparado desde o inicio na Universidade para obter a prática do “dia a dia”, notadamente no Fórum porque, com as habilidades adquiridas, resolverá com sucesso os casos concretos que irá enfrentar quando se tornar um profissional do Direito.  

 

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