Epilepsia: Conhecimento e Inovação Contra o Estigma

Imagine viver com a constante incerteza de quando seu corpo pode falhar, sem aviso, sem controle. Agora imagine que, além dessa tensão física, você também precise lidar com olhares desconfiados, piadas veladas ou portas que se fecham por puro desconhecimento. Essa é a realidade de milhões de pessoas no mundo que convivem com a epilepsia, uma condição neurológica tão comum quanto incompreendida.
A epilepsia atinge cerca de 50 milhões de pessoas no planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. No Brasil, estima-se que 2% da população tenha algum tipo da condição. Mesmo assim, o tema ainda é cercado de mitos: há quem acredite que epilepsia é contagiosa, que quem convive com a doença não pode trabalhar, estudar ou tomar decisões importantes. O que deveria ser encarado como uma questão de saúde se transforma, muitas vezes, em exclusão social.
Essa exclusão tem efeitos reais e dolorosos. Pessoas com epilepsia relatam dificuldades para conseguir emprego, manter relacionamentos ou até mesmo buscar ajuda médica sem serem tratadas com preconceito. E o mais cruel: em muitos casos, não é a doença que compromete sua qualidade de vida, mas o modo como os outros reagem a ela.
Felizmente, há avanços significativos vindo da ciência. Tecnologias baseadas em inteligência artificial estão ajudando médicos a identificar com mais precisão áreas do cérebro relacionadas a formas graves e resistentes da epilepsia—aquelas que não respondem bem aos medicamentos tradicionais. Isso significa novos caminhos para o tratamento, como cirurgias mais assertivas e individualizadas. Uma luz no fim do túnel para quem já passou por anos de tentativas frustradas. Recentemente, avanços na tecnologia trouxeram esperança para aqueles que convivem com a epilepsia refratária. Um estudo publicado na revista JAMA Neurology revelou que uma ferramenta baseada em inteligência artificial foi desenvolvida para identificar lesões cerebrais associadas à displasia cortical focal, uma das principais causas de epilepsia resistente a medicamentos. Essa tecnologia promete melhorar o diagnóstico da condição e oferecer novas possibilidades de tratamento cirúrgico para pacientes que não respondem aos anticonvulsivos.
Mas enquanto a tecnologia avança, a sociedade precisa acompanhar. É urgente abrir espaço para a conversa, trocar o preconceito pela empatia. A epilepsia precisa deixar de ser vista como um mistério ou um risco e passar a ser reconhecida como o que é: uma condição tratável, que faz parte da vida de muitas pessoas que têm muito a oferecer.
A mudança começa com informação. Falar sobre epilepsia em casa, nas escolas, nos locais de trabalho. Aprender a identificar uma crise, saber como ajudar, e—acima de tudo—entender que a condição não define ninguém. A pessoa com epilepsia é, antes de tudo, pessoa: com sonhos, talentos e direito à dignidade.
Numa era em que tanto se fala sobre diversidade e inclusão, não podemos continuar invisibilizando quem convive com a epilepsia. A crise mais perigosa não é a que acontece no cérebro, mas a que se instala no preconceito coletivo. E essa só pode ser combatida com consciência e humanidade.
Luiz Bevilaqua é médico