"Sommeliers de vacina": cearenses que escolhem laboratórios podem atrasar imunização coletiva

Prática é malvista por especialistas e autoridades em saúde pública, pois todas as vacinas contra Covid-19 usadas no Brasil têm eficácia comprovada cientificamente

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(Atualizado às 12:11)
Legenda: A eficácia dos imunizantes têm sido posta em dúvida mesmo com estudos comprovando redução de internações e mortes.
Foto: Thiago Gadelha

Todas as vacinas em utilização no Brasil - Astrazeneca, Coronavac, Janssen e Pfizer - foram testadas, liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e conferem proteção geral entre 50,4% e 95% contra a Covid-19, segundo os estudos clínicos divulgados pelos laboratórios fabricantes.

O início da aplicação na população geral acima de 18 anos, desde junho, no Brasil e no Ceará, trouxe à tona um grupo específico de candidatos à vacina: aqueles que querem escolher qual “marca” tomar, ou “sommeliers de vacina”, como a internet os apelidou.

“Não existe uma ‘vacina melhor’. O melhor imunizante é aquele que está disponível. Todas as vacinas são testadas e somente liberadas se comprovada a sua segurança. Quando chegar a sua vez, vacine-se”, alerta a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

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Conforme relatos ouvidos pela reportagem, a vacina da Janssen tem sido especialmente cobiçada pela oferta da dose única. Já a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a biofarmacêutica chinesa Sinovac, tem sido rejeitada em relação às demais.

A reportagem conversou com um homem de 26 anos, morador de Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, sem formação técnica na área da saúde, que relatou desconfiança sobre esse imunizante.

“Eu gosto muito de acompanhar essa questão e li que, cientificamente, a vacina Coronavac não tem uma eficácia tão grande como as outras. Eu não tomei ainda, mas, se no dia que eu for chamado, for Coronavac, eu não vou tomar. Se tivesse só ela pra tomar, mundialmente, eu tomaria. Mas como tem Pfizer, Astrazeneca, Janssen, não. Até a Sputnik eu ficaria na dúvida. Mas a Coronavac eu esperaria”, alega.

Segundo o médico infectologista Keny Colares, consultor da área da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP-CE), se cada pessoa se tornar exigente sobre o tipo de vacina, não será possível atingir a proteção coletiva, estimada minimamente quando 70% da população for imunizada.

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Um estudo realizado pelo epidemiologista Wanderson de Oliveira, ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, concluiu que a Coronavac previne até 97% de casos graves que levam à morte de pessoas contaminadas no Brasil.

No mesmo estudo, que investiga dados disponibilizados pelo próprio Ministério, verificou-se que ela apresenta taxa de eficácia contra casos graves maior que as vacinas Astrazeneca (90%), Janssen (85%), Sputnik V (85%) e Pfizer (80%).

A análise aferiu ainda que a Coronavac tem 50,4% de eficácia para casos muito leves, que não exigem nenhum atendimento médico, e 77,96% de eficácia para casos leves que necessitam de atendimento médico.

No Ceará, um levantamento realizado pela Sesa em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), entre janeiro e abril, mostrou que tanto a CoronaVac quanto a AstraZeneca geraram índice de segurança próximo a 90% para idosos entre 75 e 79 anos; de cerca de 95% naqueles entre 80 a 89 anos; e de quase 100% para idosos acima de 90 anos.

De jogo político à manipulação genética

Mas a decisão do caucaiense não é apenas com base em argumentos “científicos”. Para ele, a recusa também tem outro motivo: político.

“A Coronavac foi politizada demais. Eu acompanho muito jornal, leio muita revista, e vi que o Dória (governador de São Paulo) politizou demais. Não sei se foi jogo… como posso dizer... para ser presidente da República, mas fiquei com um pé atrás em relação a ela, diferentemente da Astrazeneca e da Pfizer”, comenta.

Legenda: Primeira vacina aplicada no Ceará, Coronavac têm encontrado resistência de parte dos candidatos.
Foto: Thiago Gadelha

Uma moradora de Fortaleza, que não será identificada, também indigna-se com dois conhecidos próximos. A primeira é uma vizinha de bairro, de cerca de 50 anos, que já teria sido chamada pelo menos duas vezes para ser vacinada com a AstraZeneca e recusou. O motivo: só quer ser vacinada com a Janssen

O outro é um amigo de 33 anos, ainda não convocado por causa da faixa etária, que tem suspeitas sobre a vacina russa. “Ele me falou: ah, mas se for a Sputnik, eu tenho medo, não vou vacinar com ela de jeito nenhum. Invento algo quando for minha vez”, relata.

Outros relatos colhidos nas redes sociais descrevem até que a Pfizer, cujos estudos clínicos encontraram até 95% de eficácia, é uma “experiência genética” mundial, ou que usa tecnologia “que a humanidade ainda não tem domínio”. 

Há até mesmo uma teoria da conspiração sobre o porquê de os Estados Unidos estarem doando doses da Janssen ao Brasil. Independentemente do motivo específico, todos esses exemplos se unem no argumento do direito à liberdade de escolha.

Por outro lado, a maioria dos comentários da rede é de pessoas defendendo a aplicação do imunizante, independentemente de qual seja. Alguns chegam a pedir uma medida já aplicada em São Bernardo do Campo (SP) e Criciúma (SC): quem escolher a vacina será enviado para o fim da fila.

"Vacina não é vinho para você ficar escolhendo", disse o prefeito de Criciúma, Clésio Salvaro.

Tecnologias diferentes, mesmo resultado

É preciso sair desse comportamento. Sempre nos vacinamos contra a gripe, o tétano, sem precisar saber de que país vem a vacina ou ler a bula. Sempre acreditamos que há um Programa Nacional de Imunizações que faz as melhores escolhas, com base nas melhores informações. Procuremos evitar essa polêmica e tomar aquela que estiver disponível.
Keny Colares
Infectologista

O especialista explica que cada vacina é produzida com uma tecnologia diferente, com testes em populações específicas, por isso apresentam números distintos. Contudo, na prática, endossa que “todas elas se aproximam de um valor bem mais alto e parecido, por volta de 80% a 90%” para evitar hospitalizações e mortes.

“Sempre lembrando que nenhuma se propõe nem tem a capacidade de proteger 100%, e não só aqui no Brasil. Existem pessoas que, mesmo assim, têm doença grave e evoluem para óbito. A vacina dá uma proteção muito boa, mas não o suficiente para abrirmos mão das outras ferramentas que temos, especialmente uso de máscara e evitar aglomerações”, conclui.

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