Retirada de grupos da prioridade para vacinação contra Covid-19 é desrespeito ou avanço da campanha?
Decisão foi autorizada pela Comissão Intergestores Bipartite do Estado (CIB-CE) para que a campanha de imunização chegasse ao público geral
Desde que alguns municípios cearenses como Fortaleza foram autorizados pela Comissão Intergestores Bipartite do Estado (CIB-CE) a avançar na campanha de imunização contra a Covid-19 para o público geral por faixa etária, ao menos seis categorias profissionais perderam prioridade na fila, o que gerou frustração e revolta em muitas pessoas.
Com o avanço, passaram para a vacinação por faixa etária, junto à população geral, grupos profissionais como motoristas de transporte coletivo, trabalhadores de transporte metroviário, ferroviário e aquaviário, caminhoneiros e trabalhadores industriais. Além disso, outras pessoas que por algum motivo não conseguiram se vacinar com prioridade agora também têm de aguardar o chamamento conforme a idade.
O Diário do Nordeste procurou especialistas para debater o assunto e ouviu opiniões distintas.
Idade como principal critério
Para o promotor de Justiça Eneas Romero, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Cidadania (CAOCidadania) do Ministério Público do Ceará (MPCE), a mudança foi justa do ponto de vista epidemiológico.
“A idade continua, epidemiologicamente, sendo o principal critério. Porque, depois da vacinação dos idosos, os óbitos e os casos graves migraram pra essas pessoas [de 40 a 59 anos, principalmente]. E, na medida em que se vacina por idade, independentemente de profissão, se diminui o número de pessoas internadas e que vêm a óbito”, defende Romero.
Segundo o promotor, havia uma disputa diária de pedidos de inserção na fila de prioridade, “alguns com muita legitimidade e razão, outros com menor razão, mas bons argumentos”, disse, citando casos de caixas de supermercado, entregadores, motoristas de táxi e empregados domésticos.
Porém, ele conta que a Comissão Intergestores Tripartite (CIT), em nível federal, já havia previsto a possibilidade de abrir para o público geral antes de concluir as prioridades e cidades como o Rio de Janeiro, por exemplo, já haviam iniciado o processo.
O fator ‘idade’ continua sendo determinante e isso acaba impactando a população geral. Quando você vacina mais as pessoas que têm maior risco epidemiológico, acaba tendo menores números de internações”.
Avançar, mas com repescagem
O pediatra e infectologista Robério Dias Leite, diretor da Regional Ceará da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm-CE), entende que toda campanha vacinal de larga escala precisa elencar prioridades, mas concorda que não se pode conter o avanço do trabalho.
“É necessário incorporar os outros [grupos] e permitir um tipo de recall pra quem é prioritário. Porque o objetivo inicial é evitar morte e prioritários são mais suscetíveis. Agora, não existe contradição em avançar. Porque, à medida que avança para mais pessoas imunizadas, indiretamente você está oferecendo mais proteção. O vírus circula menos. E vai proteger essas pessoas mais suscetíveis também”, compreende o médico.
Veja também
Segundo ele, a definição de quem é prioridade deve seguir critérios epidemiológicos, de vulnerabilidade e de risco de contaminação. “Claro que vai sempre haver um ou outro grupo insatisfeito, e vai ter dificuldade mesmo em definir [prioridade], na escassez da vacina. Infelizmente. Mas é importante seguir esse critério [epidemiológico] e não o de força política ou qualquer outro”, diz. Por isso, segundo ele, o critério da faixa etária “é fundamental”, porque segue o risco de maior complicação.
Inclusive, de acordo com o especialista, já se discute atualmente a inclusão de crianças em situação de risco na prioridade para receber a vacina, apesar de essa faixa etária não ser a mais afetada pela pandemia.
Com a chegada da [vacina da] Pfizer, que está aprovada pra a partir de 12 anos de idade, uma criança que tem várias comorbidades teria prioridade sobre um adulto jovem que não tem tanto risco de morrer por Covid-19. Esse enfrentamento vai sendo feito à medida que a gente vai avançando, inclusive, no conhecimento e nas possibilidades”.
Desrespeito e falta de empatia
Já para a epidemiologista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Caroline Gurgel, a retirada de grupos profissionais que eram prioridade por causa da exposição diária, como a categoria dos motoristas de transporte coletivo, foi injusta. “Desrespeito e falta de empatia”, define.
Segundo ela, os níveis de exposição dos trabalhadores precisam ser levados em consideração. “Não podemos considerar que todos são iguais frente a diferentes graus e formas de exposição. Um motorista de ônibus se expõe muito mais do que outras categorias de trabalho. São pessoas que não pararam em nenhum momento. Serviço essencial”, lembra.
A epidemiologista sugere, portanto, que se diminua a quantidade de doses disponíveis para a população geral para poder concluir as prioridades.