Registros de nascimentos em Fortaleza caem 20% após chegada da pandemia

Janeiro de 2021 teve o menor número de novos fortalezenses registrados desde 2017, segundo Portal da Transparência do Registro Civil

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Registro de nascimento Ceará
Legenda: Ceará e Fortaleza contabilizam queda no número de registros de nascimentos, segundo dados da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais

Primeiro mês após um ciclo completo para gravidez em meio à pandemia no Ceará, janeiro de 2021 teve o menor número de registros de nascimentos em Fortaleza, em quatro anos: 2.718 crianças no período. O número é 20% menor do que o contabilizado em 2020, segundo dados do Portal da Transparência do Registro Civil.

Em janeiro passado, foram registrados nos cartórios de Fortaleza 3.401 nascimentos, quantitativo que já apresentava queda em relação a 2019, quando 3.658 registros foram efetivados no primeiro mês do ano.

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Entre os diversos fatores possíveis para a redução está o adiamento dos planos de engravidar, diante do medo de muitas mulheres em relação aos efeitos que a Covid-19 poderia ter na gestação em meio à pandemia. A enfermeira Ana Aline Lopes, 31, é uma delas.

“Por ser da área da saúde e entender que é uma doença nova e sem estudos, seria muito arriscada uma gestação nesse cenário. Os planos foram cancelados, na esperança de que em 2021 o cenário estaria diferente”, relata.

A frustração, contudo, permanece diante de um panorama de crescimento do número de casos e óbitos pela doença no Ceará. Mesmo já tendo tomado a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus, Aline não considera concretizar a maternidade em breve.

“Ainda tem um longo caminho pela frente para a pandemia acabar. Talvez, com o avanço do plano de imunização, eu consiga me planejar novamente para engravidar”, pontua a enfermeira.

Riscos de engravidar na pandemia

Até 18h de segunda-feira (29), o Ceará já contabilizava 37 mortes maternas por Covid, das quais 16 foram de gestantes e 21 de puérperas, mulheres que estavam no período de até 45 dias após o parto.

A ginecologista e obstetra Sabrina Forte, que atua na ala de Covid-19 do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), é categórica ao afirmar que engravidar ou não em tempos de pandemia “não é uma decisão médica, mas sim da paciente”. 

“A questão é se ela consegue esperar. Depois dos 35 anos, tem risco maior de crianças mal formadas, pré-eclâmpsia, doenças como diabetes gestacional etc. A pandemia está caótica, não existe tratamento para a Covid e ainda não tem vacina pra todo mundo. Mas se a paciente quer muito ser mãe e não tem tempo, ela pode engravidar”, pontua.

A médica ressalta que o desrespeito frequente da sociedade às medidas sanitárias mostra que ela “não está preparada para conviver com a pandemia”, de modo que “não sabemos quanto tempo a crise vai durar”. Os óvulos e ovários, porém, “têm data para acabar”.

“Muitas engravidaram no isolamento, e vão atravessar a pandemia grávidas. Vemos pacientes complicados de todas as idades, inclusive crianças, não existe mais isso de grupo de risco. Você consegue atravessar a gestação com Covid. Mas o que recomendo a quem me pergunta é: se não estiver segura, congele seus óvulos”, finaliza Sabrina. 

Menos registros ou menos nascimentos?

Ao ser informada sobre os dados da reportagem, a médica demonstrou surpresa: “menos nascimentos? Tem certeza?”, frisando que a tendência em um cenário de isolamento domiciliar é um crescimento no número de novas gestações, e que o fluxo que tem visto nas unidades de saúde segue normal.

Bebê na maternidade escola de Fortaleza
Foto: Kid Júnior

De acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa), Fortaleza contabilizou 2.377 nascimentos em janeiro de 2021, 16% a menos que os 2.828 do mesmo mês do ano passado. O quantitativo é o menor registrado desde 1999, quando 2.329 bebês nasceram em janeiro.

Julio Racchumi, pós-doutor em demografia e professor do Departamento de Estudos Interdisciplinares da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que Ceará e Brasil já vinham “num processo de queda de nascimentos há muitos anos” – e que, com a pandemia, isso se acentuou.

Somado ao fator sanitário, aponta o professor, está o econômico. “O mercado de trabalho já é historicamente desigual para as mulheres, que ganham menos. Com a pandemia, muitas foram demitidas, e não vão ter filhos dessa forma, acabam postergando”, avalia Julio.

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O demógrafo alerta, entretanto, que é preciso aguardar mais tempo para obter uma avaliação “mais robusta”, uma vez que “as instituições ampliaram entre 15 e 20 dias o prazo para registro de nascimentos” durante a pandemia, e os números ainda não estão consolidados.

“De todo modo, a queda dos nascimentos aconteceu, e se continuar pelos próximos dois anos, já veremos efeito na pirâmide etária. O boom de nascimentos, como muitos dizem, não vai acontecer mais. Será preocupante. Temos que pensar políticas para que as pessoas entrem no mercado de trabalho e contribuam para a previdência”, sentencia.

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