Covid-19 em gestantes acelera partos e deixa sequelas em mães e bebês durante a pandemia no Ceará
Reabilitação é necessária para que mães recuperem a qualidade de vida. Bebês prematuros passam por tratamento para desenvolver funções motoras e trabalhar problemas pulmonares
Mulheres que tiveram complicações na gravidez causadas pela infecção por coronavírus relatam a necessidade de manter cuidados mesmo após meses do parto. Além de enfrentar nascimentos prematuros e internações, mães e bebês precisam de assistência médica para superar sequelas deixadas pelo quadro grave de Covid-19. Os tratamentos vão desde sessões de fisioterapia até acompanhamento psicológico para lidar com traumas.
No Ceará, 14 gestantes e 18 puérperas morreram devido ao coronavírus durante a pandemia, de acordo com dados da plataforma IntegraSus, da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Apesar de serem grupo de risco para a doença, grávidas não estão incluídas nos grupos prioritários do plano de imunização. Isso ocorre porque ainda não há estudos concluídos que comprovem a eficácia e segurança das vacinas disponíveis para este grupo.
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Partos prematuros
Quando grávida, um dos principais medos de Lívia Santiago (35) era passar pelo parto e sair do hospital antes do filho. Em 2020, durante a gestação de Lorenzo Tarcísio, hoje com 8 meses, o cenário parecia distante. Os exames de pré-natal mostravam bons resultados e ela não tinha comorbidades. Na 30ª semana da gravidez, quando o bebê tinha acabado de completar 7 meses no útero, Lívia precisou passar pelo parto prematuro devido a complicações da Covid-19.
Com a oxigenação baixa e o pulmão comprometido, Lívia teve de passar pela cirurgia cesariana de emergência dentro da UTI. Lorenzo nasceu, mas precisou ser reanimado e enviado para a UTI Neonatal. “Só vim ter contato com ele 34 dias depois que ele nasceu”, diz Lívia. Ela também ficou internada por quase um mês tratando da Covid-19.
"Um verdadeiro milagre"
Mesmo depois de acordar do coma e receber a informação de que o bebê estava se recuperando bem, ela não conseguia acreditar no que ouvia, pois a última coisa que lembrava antes da cirurgia era dos médicos falando sobre não escutar mais os sinais vitais de Lorenzo.
“Até então eu achava que eu tinha perdido ele. Eu só vim acreditar quando eu tive alta pro apartamento e que meu esposo me mostrou a foto. Eu fiquei sem acreditar que a gente tinha conseguido passar por aquilo tudo. É um verdadeiro milagre”, afirma Lívia.
"Eu poderia não sobreviver. Assinei um termo para salvar a vida da minha bebê”
O mesmo ocorreu com Lídia Pereira da Silva. A jovem de 19 anos estava grávida de Laila Ágatha, agora com 6 meses, quando foi infectada pelo coronavírus em setembro de 2020. Na 26ª semana de gestação, Lídia foi internada na Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) e precisou passar pela cirurgia cesariana.
“Como tava muito grave a minha covid, eu poderia não sobreviver. Assinei um termo para salvar a vida da minha bebê”, relata. Por ter nascido com menos de sete meses, Laila passou os dois primeiros meses de vida internada. “Ela ficou cerca de 24 dias no oxigênio. Fiquei um mês sem ver ela, só por foto e vídeo”, relata.
Riscos para a mãe e o bebê
Sabrina Forte, médica atuante no Eixo Covid Obstétrico do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC), afirma que quando as gestantes se contaminam no início da gravidez, é observada uma maior taxa de abortos. Já as que se infectam no último trimestre têm risco de precisar passar por um parto prematuro.
“O fato de eu tirar o neném pode melhorar o contexto clínico dela, mas ao mesmo tempo fico naquela corda bamba, pensando se é um bebê muito prematuro ou é um bebê que aguenta”. A complicação do quadro de saúde da mãe, segundo a obstetra, influencia na permanência do bebê no útero. “Vai ter uma hora que ali vai estar tão agressivo que eu prefiro tirá-lo e cuidar dele na UTI Neonatal, que infelizmente é a decisão que a gente toma quando essas pacientes estão na UTI”.
No HGCC, até esta quarta-feira (10), 14 pacientes, entre grávidas e puérperas estavam internadas com casos suspeitos ou confirmados de Covid-19. O hospital conta com 16 leitos de enfermaria e cinco de UTI para atendimento de gestantes e puérperas infectadas pelo vírus. Na UTI Neonatal de pacientes com coronavírus, bebês ocupam quatro das 10 vagas disponíveis.
Recuperação e sequelas da Covid-19
De acordo com Lívia, depois de sair do hospital, precisou fazer um mês de fisioterapia. A mãe de Lorenzo conta que não tinha forças nem para ir “do banheiro para a cama”. Só após voltar a conseguir andar sem cansar é que pôde ir ao hospital vê-lo. Depois de 8 meses, Lívia convive com uma miocardite, que é uma inflamação no coração. “Tomo medicação pro coração e estou fazendo acompanhamento até agora por conta disso”.
A fisioterapeuta intensivista Roberta Catunda afirma que tanto pacientes grávidas com Covid-19 ou que não estejam em gestação, geralmente precisam da reabilitação pulmonar em casos graves. “Se você tem um paciente que foi intubado, que foi ventilado mecanicamente, ele tem perda de força muscular. E essa perda de força é geral, não só em relação a membros superiores ou inferiores”.
Roberta explica que mulheres que acabaram de dar à luz e precisam lidar com o bebê recém-nascido em casa devem fazer fisioterapia para recuperar a qualidade de vida e funcionalidade plena do corpo. Por isso, são feitos treinamentos musculares e exercícios respiratórios.
Os movimentos fracos e dormência também foram sentidos por Lídia. Ela continua tendo acompanhamento de fisioterapeutas. Além disso, a jovem faz psicoterapia para lidar com o trauma da experiência. “Eu me senti culpada de ter pegado e ela ter passado por isso. Também ainda tenho trauma de dormir, tive muitos pesadelos e tenho aquele medo de não acordar de novo. Para não usar remédios, porque querendo ou não a Laila é uma bebê que acorda à noite e eu preciso estar acordada para ficar com ela, tenho psicóloga”, diz.
Assim como as mães, os dois bebês precisam de acompanhamento médico. Lorenzo e Laila também fazem fisioterapia. Apesar do nascimento prematuro, Lorenzo não tem sequelas pulmonares, segundo a fisioterapeuta que o atende, Beatriz Barreto, mas sim motoras.
“Por ser prematura extrema, ele é uma criança que precisa acompanhar o desenvolvimento motor com sua idade corrigida. Então, a gente faz estimulação precoce, ajuda o Lorenzo a alcançar os marcos iniciais, como sentar, rolar, engatinhar”, explica Beatriz. Por meio da fisioterapia é também que Laila vai aprendendo a sentar, se expressar e se comportar de acordo com a idade, segundo Lídia.