Por que ‘velhice’ será tratada como doença pela OMS e o que dizem os especialistas sobre o assunto

Em 2022, Organização Mundial de Saúde vai substituir "senilidade" por “velhice” na Classificação Internacional de Doenças, decisão reprovada por pesquisadores e idosos

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Idoso faz atividade física na Praça da Imprensa, em Fortaleza
Legenda: Uso do termo "velhice" como doença contraria estratégia da própria OMS de promover envelhecimento saudável
Foto: Thiago Gadelha

Nascer, crescer, envelhecer e morrer. Desde crianças, aprendemos que esse é o ciclo natural da vida. A partir de janeiro de 2022, porém, essa noção pode mudar: a “velhice” poderá ser entendida como doença, por decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS). A medida é reprovada por especialistas cearenses e de todo o mundo.

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A OMS pretende substituir, na 11ª versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID11), a ser publicada em janeiro, a “senilidade” (código R54) por “velhice” (código MG2A), categorizando a fase da vida como patologia.

Em agosto deste ano, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) se posicionou contra a inclusão do termo na CID, e direcionou um documento à OMS pedindo que países membros, especialistas, associações e representantes das pessoas idosas sejam consultados para chegar a uma alternativa.

Incluir ‘velhice’ como potencial negativo pode associá-la a doença e aumentar o preconceito e o estigma a esta população, interferindo no tratamento e pesquisa de enfermidades e na coleta de dados epidemiológicos.
Conselho Nacional de Saúde

O CNS destacou, ainda, que “o envelhecimento da população é um fenômeno global”, de modo que deve se chegar a consenso sobre um novo termo que “esteja em consonância com a Década do Envelhecimento Saudável” e contra o “preconceito de idade”.

Efeitos negativos na saúde

Charlys Barbosa, geriatra, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria no Ceará e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta que a encarar a velhice como uma CID é preocupante, e pode afetar o atendimento em saúde.

“Envelhecer é fisiológico, é algo esperado para todo ser vivo, e precisamos, como profissionais, identificar o que são as alterações normais e o que é doença. Que os nossos idosos possam envelhecer cada vez melhor, mais ativos e participativos”, pontua o médico.

Existem doenças cujo principal fator de risco é o envelhecimento, como as coronarianas e a demência, mas isso não torna a própria velhice uma doença.
Charlys Barbosa
Geriatra

Para o geriatra, a decisão da OMS foi baseada em interesses múltiplos, e não necessariamente ligados à saúde, já que vai de encontro ao entendimento de vários países da América Latina e do mundo.

Margem para o etarismo

Para a fonoaudióloga Patrícia Gadelha, especialista em gerontologia – área que estuda o processo de envelhecimento nas dimensões biológica, psicológica e social –, o próprio emprego do termo “velho” já assumiu teor pejorativo, o que deve ser piorado pela inclusão na CID.

Ao contrário do que se deseja, incluir a velhice como diagnóstico fortalece o preconceito e a desvalorização em relação à pessoa idosa: o que é conceituado como “etarismo”, como explica Patrícia.

Uma pessoa que tem 60 anos, super bem, no auge da vida, só pela idade já seria categorizada como portadora de uma doença. E sabemos que isso não é real.
Patrícia Gadelha
Especialista em gerontologia

Além disso, a especialista avalia os impactos científicos da mudança. “Toda a pesquisa de geriatras e gerontólogos sobre patologias que prevalecem na velhice, como se relacionam com a idade, vai se perder. A partir de agora, todo idoso vai morrer de ‘velhice’, não vai mais caber interesse em estudo na área”, lamenta.

Envelhecimento saudável

Os anos entre 2021 e 2030 foram estabelecidos pela própria OMS como a “Década do Envelhecimento Saudável”, com o objetivo de “reunir líderes e organizações para melhorar a vida das pessoas idosas, de suas famílias e de suas comunidades”.

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Patrícia Gadelha pontua que os idosos, sobretudo cearenses, “precisam ter o amparo da família, acesso à saúde, comunicação e mobilidade”, além de mais participação social. “Além disso, o Ceará tem apenas uma instituição de longa permanência para eles – precisamos de mais”, cita.

“A palavra velhice já adoece a gente”

Aos 59 anos, a aposentada Jacqueline Meyer leva rotina de atividades físicas e manuais
Legenda: Aos 59 anos, a aposentada Jacqueline Meyer leva rotina de atividades físicas e manuais
Foto: Arquivo pessoal

Para a aposentada Jacqueline Meyer, 59, o termo “velhice” já é tão estigmatizado que “a própria palavra adoece a gente”. A caminho da terceira idade, ela leva uma rotina ativa de exercícios físicos e autocuidado, justamente no intuito de prolongar os anos de vida com saúde.

“Ando de bicicleta, faço atividade física, trabalhos manuais, crochê, macramê, cuido da casa, ouço música, procuro manter minha saúde mental em dias. Se a gente começar a se achar velha, emborca tudo”, brinca.

A ideia de ouvir que a fase da vida em que “mais tem aproveitado a companhia das amigas e da família” será considerada doença foi definida como “absurda” pela também aposentada Fátima de Souza, 67 – que se orgulha de ser “mais saudável que muito jovem”.

Não tenho diabetes, hipertensão nem essas doenças assim – só um probleminha no joelho, mas é normal, né? Velhice, pra mim, significa é saúde. Cada ano que a gente completa é uma felicidade.
Fátima de Souza
67 anos

 

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