Mulher trans e da periferia, Loma de Fortal divide com os seguidores a dor e a delícia de ser quem é
A digital influencer fez sua transição enquanto conquistava seguidores. Ganhou não só o respeito de sua comunidade, como realiza seus sonhos
Sentada em uma poltrona de frente para uma penteadeira estava Maria Eduarda ainda se arrumando. “Espera só um momento que estou ficando bonita para as fotos”, disse entre risos. A digital influencer iniciou na internet há três anos, momento em que ainda não havia iniciado o processo de transição de gênero. Hoje, Eduarda é conhecida como Loma de Fortal em seu Instagram, colecionando mais de 400 mil seguidores.
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A história de Loma é contada na série de matérias que Diário do Nordeste publica sobre mercado de criadores de conteúdos e sobre influenciadores digitais da periferia de Fortaleza. Até sábado (5), vamos divulgar, a cada dia, o perfil de um influencer e mostrar como eles chegaram ao sucesso nas redes sociais.
Crescida e criada em um bairro da periferia de Fortaleza (não identificado por pedidos da entrevistada), ela revela que, no começo, os moradores caçoavam dela devido aos seus vídeos, cujos principais conteúdos são dança, música e seu cotidiano. De lá para cá, ela reconhece que reverteu o quadro e conquistou o público que mora ao lado. Eles a admiram e se orgulham do seu trabalho, garante.
A mudança veio após a jovem alcançar o reconhecimento na internet. Afinal, ela conseguiu provar a todos ao seu redor que aquele bairro constantemente marginalizado abriga pessoas que podem realizar seus sonhos.
No quartinho apertado, na casa com algumas paredes sem reboco, a digital influencer repetidamente se desculpava pelas condições de sua moradia. Mas as desculpas eram acompanhadas da certeza da gratidão: “Tudo o que tenho hoje, como esse quarto pequeno, mesmo não sendo tão ‘chique’, fui eu que construí graças aos meus seguidores”.
Ela afirma que a internet tem conseguido proporcionar conforto também a sua famíllia, que ela ajuda financeiramente.
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Atualmente, a jovem faz parte da Mansão Maromba, local que abriga diversos influencers no Estado de São Paulo.
Autoestima
O reconhecimento não foi só pelo outro. Aconteceu também por dentro. À medida que ficava mais conhecida na internet, ela passava a se entender também enquanto mulher. Como se os vídeos gravados não apenas refletissem sua aparência mas também o seu interior.
“Antes eu não me sentia confortável com o que eu fazia, que eram coisas de menino, eu não me sentia bem com isso. Nunca houve um momento em que eu tive que me assumir, tudo aconteceu de forma muito natural, e meus seguidores acompanharam".
Graças ao trabalho de Loma com a internet, ela conseguiu também se tornar a mulher que era apenas internamente. Com os recursos financeiros e 'parcerias', a jovem conseguiu colocar implante nos seios, adotou um cabelo mais longo, além de outros procedimentos estéticos que garantiram maior autoestima para a jovem.
"Quando eu olho meus vídeos antigos, eu mudei muito. Mudei o rosto, o cabelo, mudei tudo. Hoje em dia eu vejo que tudo está progredindo”
Com seus 19 anos, ela revela que construiu uma boa autoestima e que não se importa com os comentários negativos que recebe, seja por sua aparência ou sobre sua identidade de gênero.
"Quando vem uma pessoa com comentário negativo, eu finjo que não estou vendo. Muito antes de colocar minhas próteses eu conversei com a minha mãe e minha família. Eles sempre me apoiaram do jeito que eu sou. E eu não ligo para críticas", relata.
Representação LGBTQI+
Graças ao seu histórico de vida e por ser uma mulher trans, Loma reconhece que é uma figura representativa no meio LGBTQI+. Seu vídeo “de príncipe para princesa”, já atingiu a marca de 1,2 milhões de visualizações.
“Eu sou uma pessoa muito cobrada, por ser uma mulher trans eu tenho que me posicionar publicamente. E quando eu erro, eu tenho que pedir desculpas. As pessoas pensam que trabalhar na internet é uma grande brincadeira, mas não sabem como é difícil”, afirma
Relação materna
Um dos pontos que foi sempre muito delicado para Eduarda foi pensar em assumir que não se identificava enquanto menino. "Eu tinha medo de contar para minha mãe, até porque eu nunca contei, eu só fui vivendo e mudando", diz.
Porém, para a sua mãe, mulher evangélica, não era a identidade de Loma que a preocupava, mas sim o mundo fora do pequeno quarto rosa, que era violento. Em 2019, o Ceará foi o segundo estado no qual mais pessoas trans foram assassinadas, segundo dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil.
Por isso, a mãe de Loma, Erilene Silva, revela ser “extremamente preocupada” com a filha. O afeto entre às duas mulheres, mãe e filha, invadia o cubículo. Os gestos de carinho das duas não eram ensaiados, mas tinham a intimidade de quem por anos, repetidamente os fazia.
A personalidade calma e tímida de Loma, destoa da que ela apresenta nas redes sociais, que sempre está dançando ou fazendo palhaçadas com os amigos. A entrevista era entrecortada por risos de preocupação e com uma frase dita quase como súplica: “de novo”. Esse traço de personalidade foi adquirido de sua mãe, Erilene Silva, que afirma que “é de família, somos todos tímidos assim, embora não pareça”.
“Meu nome é Maria Eduarda porque minha mãe quando estava grávida de mim, pensava que eu seria menina, mas nasci menino. Por isso não abro mão desse nome, e como ela não teve nenhuma menina, sempre foi um sonho”, disse ela olhando para sua foto ainda bebê.
“Sempre quis e hoje tenho” afirmou Erilene cortando o silêncio. “Nunca vou entender como uma mãe não ama o filho só por ele não ser do jeito que todo mundo acredita que deveria”, ensina a mulher de poucas palavras.