De servente a 'marginal influencer': Eclético utiliza o preconceito contra a favela para fazer humor
Com 800 mil seguidores, o digital influencer acredita que incorporar o "estilo vetin" é também uma forma de resistência
O grafite na parede de tijolos vermelhos já anunciava quem ele era: Eclético, mas seu nome de batismo é Mateus de Sousa. Com um histórico de vida permeado por dificuldades, ainda criança teve que se mudar de Pacajus para Fortaleza com sua mãe, que buscava oportunidades de trabalho. Hoje ele mantém a família criando conteúdo para a internet e já coleciona 800 mil seguidores.
A história de Eclético é contada na série de matérias que Diário do Nordeste publica sobre mercado de criadores de conteúdos e sobre influenciadores digitais da periferia de Fortaleza. Até sábado (5), vamos divulgar, a cada dia, o perfil de um influencer e mostrar como eles chegaram ao sucesso nas redes sociais.
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Com 23 anos, ele é o mais novo de seis irmãos, embora nem todos tenham sido criados juntos devido às dificuldades financeiras enfrentadas pela família. Por isso, cedo ele começou a trabalhar, foi servente e entregador de quentinha, mas sua paixão sempre foi o humor e a dança.
Em 2013 ele conheceu o ‘passinho do reggae’, estilo de dança criado no Ceará. A paixão foi tanta que além de se tornar integrante de um grupo de passinho, também foi professor, ensinando jovens e crianças a dançarem nos Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte (Cucas), mantidos pela Prefeitura de Fortaleza, por meio da Coordenadoria Especial de Políticas Públicas de Juventude. E quando a febre do passinho foi passando, ele decidiu produzir conteúdo na internet.
'Estilo vetin'
O caminho até se tornar viral, foi permeado de diversas desistências. “Eu criei um canal no YouTube, mas nunca dava certo, nunca tinha visualizações". Nessa jornada, nem o influencer sabe quantas páginas, canais de YouTube e perfis seus ele apagou.
Desistir, ele pondera, sempre parecia a melhor opção, principalmente para ele que tinha que conciliar as dificuldades econômicas, que não permitiam que ele tivesse bons equipamentos para produzir seu conteúdo, com a depressão. “Eu era muito negativo, qualquer coisinha eu já ficava triste e já queria desistir", reflete.
Mas foi em uma dessas desistências, que Mateus teve a ideia de recomeçar. A inspiração veio do local onde ele morava: a favela. A pedido do influencer, não vamos identificar o bairro onde vive. Mas é de lá que Mateus se inspira. Ele decidiu imitar o estilo de um grupo de moradores da periferia: os chamados 'vetin', gíria para descrever o jovens periféricos lidos como marginais em decorrência da sua aparência.
O estilo ‘vetin’ foi completamente apropriado por Eclético, ao ponto do influencer com mais de 800 mil seguidores se autodenominar “marginal influencer”, o que Mateus considera ser uma forma de resistência.
“Os conteúdos que produzo é muito regional, muito periferia, e o pessoal acreditava que eu era bandido, como eu sempre estava de personagem, eles me perguntavam se eu já fui preso, se usava droga, e eu respondia: Não, é só personagem”.
Preconceito por ser da favela
Embora Eclético tenha utilizado as influências de seu território para produzir humor, não apenas na internet, mas em sua vida cotidiana, ele sofre preconceito por ter o estilo 'vetin', que se tornou, para a sociedade um demarcador do que é bom e ruim, explica. Ele recorda de uma vez em que estava indo para a maternidade com a esposa e o motorista de aplicativo mandou eles descerem do carro.
Hoje, o influencer acredita que seus vídeos não apenas provocam humor, mas também se tornaram porta-voz da resistência na periferia.
"Qualquer pessoa que não me conhece, quando me olha, já acha que sou bandido, critica só com o olhar. E fazendo isso, produzindo conteúdo, estou atraindo gente de outro patamar, que não mora na favela, com mais condições financeiras. Através das redes sociais, elas me veem, não apenas como personagem, mas no dia-a-dia. Dessa forma as pessoas percebem que não é toda pessoa que mora na favela que é bandido", explica.
Superação
As conquistas de Eclético hoje são muitas, já gravou com Tirullipa, conseguiu comprar seu tão sonhado carro, é pai, paga suas contas por meio do seu trabalho como produtor de conteúdo e ajuda a favela com doações de cestas básicas. Mas até chegar nisso, ele já teve que trocar a sua primeira página de sucesso por um celular porque não tinha condições de entregar conteúdo com qualidade de imagem.
“Foi muita luta para estar onde estou. Tinha dias que eu tentava fazer vídeo para o meu canal, e não tinha luz, eu pegava a do banheiro colocava num soquete e gravava lá mesmo, fazia um calor do inferno, foi muita luta para estar onde estou, mesmo o pessoal pensando que foi fácil”.
Dos agradecimentos por hoje estar podendo realizar sonhos, ele dedica não só a Deus mas também ao amigo Matheus Gadelha, que já era famoso nas redes sociais e o seguia no Instagram. “Fomos para o shopping para gravar, eu não tinha dinheiro nem para passagem, imagina para comer lá. Gravamos e postamos, ai o vídeo começou a dar visualização, e fui me tornando mais conhecido”.
No entanto, Eclético acredita que seu sucesso está depositado nas mãos daqueles que o acompanham pelas telinhas dos smartphones, e que conseguiram provocar esperança em um jovem já tão machucado pela vida.
"Não desisti porque via o pessoal rindo dos meus vídeos, e isso me alegrava. Porque a depressão, tem dias que você pode está circulando de gente, com várias pessoas ao redor de você, e você quer ficar sozinho, isolado. Mas o pessoal rindo dos meus vídeos me alegra e vou vivendo”.
Dos sonhos que Eclético tem para realizar, um dos que continuam sempre como item principal da lista é proporcionar conforto e segurança para o seu filho, que para ele será o sonho constante.