Coronavírus: Isolamento social melhora terra e ar, mas ameaça água no Ceará

Apesar de coleta de dados estar limitada durante a pandemia, pesquisadores e órgãos públicos do Ceará apontam efeitos benéficos e maléficos à natureza após diminuição da intervenção humana, entre março e maio

Escrito por Theyse Viana e Cadu Freitas , metro@svm.com.br
Foto Cocó
Legenda: Apos isolamento, período de abertura do parque do Cocó será repensado. Durante a pandemia, foram vistos ganhos para fauna e flora
Foto: Nilton Alves

É preciso reconhecer: o mundo seria muito mais saudável sem a nossa presença. A prova disso está no ar, mais limpo desde que estacionamos nossos veículos; na terra, mais habitada pelo verde na ausência do nosso pisotear diário; e até na vida animal, mais livre e sossegada após a reclusão humana. Nesta Semana Mundial do Meio Ambiente 2020, iniciada hoje (1º), especialistas e órgãos ambientais do Ceará têm coleta de dados comprometida pela pandemia, mas são unânimes: o isolamento social libertou a natureza.

Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) monitoraram a qualidade do ar em Fortaleza em três períodos distintos - antes do isolamento, durante e na vigência do lockdown -, e constataram que a presença de poluentes na atmosfera, como partículas inaláveis, teve queda de até 58%. A principal razão é a diminuição do fluxo de veículos nas vias, como aponta Rivelino Cavalcante, professor do curso de Ciências Ambientais da UFC.

De acordo com o pesquisador, a melhora da composição atmosférica seria mais perceptível se houvesse mais estações móveis de coleta de dados - e se não estivéssemos em meio a uma pandemia. "Quando o ar melhora, influencia diretamente na diminuição das internações ligadas a doenças cardiorrespiratórias. Mas, claro, estamos passando por um momento difícil de dizer, porque a saúde está saturada por outro problema. Porém, mais à frente, essa melhora será percebida", projeta Rivelino Cavalcante.

A titular da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma), Águeda Muniz, reforça que dados obtidos por meio de uma estação de monitoramento instalada na sede da própria Pasta, no bairro Cajazeiras, constataram que "o ar melhorou bastante". Novas estações devem ser instaladas em vias de grande circulação no entorno de terminais de ônibus. "O isolamento social nos fez assumir muito a tecnologia, o home office, a redução do deslocamento. As pessoas vão ter mais consciência. Não acredito que a gente retome a poluição em médio e longo prazos", avalia.

Respiro

Os ares também são outros para as vidas vegetal e animal. É o que tem se observado nas 26 Unidades de Conservação (UCs) da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), segundo o articulador Leonardo Borralho. Com a adoção da restrição de acesso a essas áreas, como os Parques Ecológico do Cocó e Estadual Botânico do Ceará, as transformações são visíveis.

"A natureza vai se regenerando. Nas áreas onde havia trilhas, antes pisoteadas, a vegetação está repovoando. As espécies da fauna têm menos interferência externa, de poluição sonora, de afugentamento causado pelos seres humanos. Isso foi bom pra elas, é uma forma de terem sossego maior", pontua Borralho, revelando que novas decisões sobre a preservação ambiental têm sido motivadas por esse novo período.

"O Parque do Cocó funcionava de segunda a segunda. Estamos avaliando fechá-lo durante, pelo menos, um dia na semana, para a natureza respirar, descansar. Precisamos manter, claro, o trabalho de gestão, fiscalização e policiamento, porque na própria pandemia tem quem se aproveite para cometer crimes ambientais", lamenta o articulador das UCs, informando que houve condução de pessoas a delegacias por essas práticas. "Enquanto tem gente que está em casa, resguardando a vida, outros estão fazendo coisa errada", critica. Leonardo não detalhou os crimes.

Lixo e água

O #FicarEmCasa, por outro lado, gerou um problema: o aumento da produção de lixo. Os números, ainda preliminares, expressam um crescimento de até 1 tonelada na coleta de resíduos sólidos em Fortaleza, no período de dois meses, segundo o coordenador especial de Limpeza Urbana, Albert Gradvohl. Em março e abril de 2019, foram coletadas 116,1 toneladas na Capital. Já neste ano, foram 117,9 t no período.

O aumento numérico é relativamente pequeno, mas, segundo Gradvohl, considera um contexto em que a produção de resíduos da construção civil, de empresas e o recolhimento em vias públicas, por exemplo, estão bem menores - evidenciando a responsabilidade de quem está em casa.

Esse lixo, entre outros prejuízos, influencia em outro indicador: a poluição hídrica. A dedução é pela lógica, já que a coleta de dados sobre mares e rios cearenses, ao contrário do monitoramento do ar, está suspensa devido ao isolamento social, de acordo com Gustavo Gurgel, gerente de análise e monitoramento da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). "Historicamente, as praias ficam mais poluídas, porque a população continua jogando lixo e matéria orgânica nas ruas. Com a chuva, isso chega ao litoral, assim como as redes clandestinas de esgoto, usadas de forma mais intensa", declara Gustavo.

O professor do Instituto de Ciências do Mar da UFC (Labomar), Marcelo Soares, reitera o impacto negativo do esgoto lançado ao mar e da falta de dados atuais sobre questões hídricas, mas aponta que o aumento da demanda da rede de esgotamento, por outro lado, deve favorecer estudos sobre a Covid-19. "O teste em massa é muito caro, e só as pessoas sintomáticas fazem. Mas o vírus no esgoto vem tanto dos sintomáticos e dos assintomáticos, e vamos fazer um estudo para saber quantas pessoas estão infectadas em determinada região, pela concentração do vírus no esgoto", destaca. Os primeiros dados devem ser consolidados em cerca de um mês.

Quanto à chegada aos mares do lixo descartado de forma incorreta, o pesquisador aponta "dados contrastantes" do período pandêmico, o que reforça ainda mais a responsabilidade individual e industrial dos cuidados com o meio ambiente - que devem se perpetuar após a crise sanitária. "Devido à paralisação de várias indústrias, o lançamento de efluentes industriais reduziu. Mas 80% da poluição que chega ao mar vem da terra, e isso continuou, porque as pessoas estão em casa", finaliza.

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