Fortaleza perde mais de mil hectares de floresta em cinco anos

Redução da cobertura vegetal na capital cearense, entre 2013 e 2017, foi superior à registrada nos 20 anos anteriores, segundo levantamento do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas)

Escrito por Renato Bezerra , renato.bezerra@diariodonordeste.com.br
Legenda: Levantamento mostra que Capital perdeu 1.156 hectares de floresta entre os anos de 2013 e 2017
Foto: Foto: JL Rosa

Queda na biodiversidade, empobrecimento do solo e aumento das temperaturas são apenas algumas das consequências do processo de desmatamento, gerando não apenas o impacto direto nas áreas verdes, mas também nas grandes cidades. Em Fortaleza, o alerta vem da perda de cobertura florestal, que em cinco anos chegou a mais de mil hectares, quantidade superior a perdida nos 20 anos anteriores no município. Os dados são do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas).

De acordo com o levantamento, a Capital perdeu 611 hectares de floresta entre os anos de 1992 e 2012. No período de 2013 a 2017, no entanto, essa redução na cobertura vegetal chegou a 1.156 hectares, totalizando 5.911,06 ha. Para os resultados, o projeto utiliza sensoriamento remoto e ciência da computação, que utiliza processamento em nuvem e classificadores automatizados a partir da plataforma Google Earth Engine, gerando uma série histórica de mapas anuais de cobertura e uso da terra em todo o País.

O desmonte das políticas públicas ambientais em Fortaleza nos últimos anos está entre os principais fatores para essa brusca redução, segundo afirma a advogada e ativista do Instituto Verde Luz, Beatriz Azevedo. Entre elas, segundo destaca, a flexibilização das licenças ambientais, emitidas de forma virtual desde 2017.

"O licenciamento agora é online e autodeclaratório, o que significa que o empreendedor não passa por uma análise, é realizada a licença automaticamente. E associado a isso, a gente perdeu a fiscalização ambiental. A lei federal trata muito claramente que o ente responsável pelo licenciamento deve fazer a fiscalização e em Fortaleza é a Seuma, a Secretaria de Meio Ambiente, que não faz a fiscalização. Quem realiza é a Agefis, um órgão geral, que pela lei federal não tem competência para fazer esse tipo de fiscalização", comenta Beatriz.

A Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) rebateu a informação da advogada e informou, por meio de nota, que "tem competência legal para as ações de fiscalização ambiental e participa do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama)".

Segundo a Agefis, em 2019, foram realizadas 6.262 fiscalizações relacionadas à proteção ambiental, que resultaram em 2.179 autuações. A ação da Agência, explica em nota, "contempla o controle da poluição (sonora/visual/atmosférica/hídrica/solo); a desocupação de áreas verdes e de proteção ambiental; o monitoramento das licenças ambientais concedidas; a fiscalização a maus tratos contra animais; e a punição à supressão vegetal irregular, dentre outras infrações ambientais".

A advogada denuncia, ainda, o corte no número de Zonas de Proteção Ambientais (ZPAs) de Fortaleza, aumentando, assim, a liberdade de desmatamento nessas regiões, assim como as obras de infraestrutura e alargamento de vias realizados na cidade, projetadas para se retirar as árvores ao invés de se integrar as áreas verdes já existentes.

Entre as iniciativas municipais visando o reflorestamento está o Plano de Arborização de Fortaleza, o que, segundo a prefeitura, possibilitou diversos projetos e programas que estão ampliando a cobertura vegetal da cidade. Neste ano, foram distribuídas e plantadas mais de 15mil novas árvores, conforme a pasta.

Impactos

Mas para a integrante do Instituto Verde Luz, no entanto, tal medida não recompensa todos os impactos gerados pela redução da cobertura vegetal da Capital, principalmente em áreas de floresta.

"Não se compara uma muda ou uma árvore jovem com uma mata. Uma floresta que é desmatada já existe uma biodiversidade local não só de flora mas de fauna, com várias espécies. Existem serviços ecossistêmicos que essas áreas estão prestando para a cidade, como, por exemplo, de redução da temperatura, absorção da água da chuva, contenção do solo. Então essas áreas não só estão desprotegidas e impermeabilizadas, mas impedindo que esses serviços sejam prestados para a cidade", diz.

Se analisados os impactos acumulativos desses danos ambientais, a partir das projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em áreas urbanas, Fortaleza pode se consolidar como uma cidade insustentável, ou seja, com baixa qualidade de vida, segundo avalia o professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jeovah Meireles.

O que significa, conforme exemplifica, uma cidade com mais ilhas de calor, inundações frequentes mesmo com precipitações menores e uma atmosfera com excesso de dióxido de carbono.

"Isso precariza a qualidade de vida, principalmente nas populações mais periféricas, porque quando se analisa esse processo crescente de desmatamento da cidade, demonstra que todos esses indicadores, que estão relacionados ao serviços ecossistêmicos, estão fortemente colapsados por conta da ocupação do solo aonde deveriam ser área de preservação permanente", pontua Jeovah Meireles.

A Secretaria de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma) não confirmou se houve redução no número de Zonas de Preservação Ambiental. Esclareceu, contudo, que junto aos parques urbanos e Unidades de Conservação, formam uma área de 7.350,03 hectares - equivalendo a 73,50 Km² - de regiões onde não podem ser construídas edificações. As áreas com restrição de uso correspondem a 23,41% da área total do Município.

A secretaria municipal afirma, ainda, atuar com rigor técnico, transparência e cumprimento das legislações vigentes no licenciamento ambiental, e explica que o processo virtual é utilizado apenas para as licenças com baixo e médio potencial poluidor.

"Já as licenças com alto potencial não são emitidas pelo Programa Fortaleza Online mas, de forma física. Outras autorizações ambientais também são emitidas apenas de forma física, como Autorização Ambiental Para Supressão Vegetal, Nivelamento de Terreno, Escavação, Canteiro de Obras e Manejo De Fauna Silvestre, por exemplo", afirma a Prefeitura de Fortaleza.

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