“Estava sem fumar há 23 anos, e voltei”, relata morador de edifício demolido na Maraponga

Ansiedade, preocupação e frustração pela perda de objetos irrecuperáveis descrevem a rotina de Rogério, morador do segundo andar do prédio que desabou na Maraponga

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@diariodonordeste.com.br
Legenda: Rogério, o cachorrinho Max e os filhos vivem, agora, na casa da sogra do logístico, junto à esposa
Foto: Foto: Arquivo pessoal

A garrafinha térmica de café completaria 48 anos, em 2019. “E funcionando, viu?” A resistência do objeto reside, inclusive, na história dele: foi a única coisa que sobrou do acidente de carro que matou o pai do logístico Rogério Lima, 45, de modo que era uma lembrança de valor inestimável. Queria ter resgatado a tempo, como fez com o cachorrinho, Max. Agora, está soterrada junto a todos os pertences de quem morava no edifício Benedito Cunha, na Maraponga, cuja demolição iniciou em 28 de junho.

Mesmo um mês depois do desabamento parcial da construção, os detalhes da “tragédia anunciada” borbulham na cabeça do morador todos os dias, nas duas vezes em que ele passa em frente à montanha de entulho, voltando do trabalho. Para o logístico, não dá para esquecer que a esposa e os filhos mais novos já estavam dormindo na casa da mãe dele, alertados pelos sinais evidentes de que algo estava errado na estrutura do prédio.

“Ia fazer a mudança no domingo, porque já tava com medo de o prédio desabar. E a imobiliária dizia que não tinha perigo. No dia que tava caindo, meu filho tava lá, eu cheguei e já ia entrar correndo, mas aí vi ele fora do prédio. Mas não vi o cachorro, que tinha voltado pra dentro, assustado. Me soltei das pessoas e consegui entrar. O prédio já tava nos estalos finais, mas consegui pegar o Max e sair. Assim que saí, desabou”, relembra, com voz embargada.

Muita gente me chamou de louco, mas só quem tem um animal, é como fosse um filho. Deus me livre se ele tivesse morrido. Tá todo mundo destruído por dentro.

Perdas

De lá até aqui, “é dor e tristeza direto” para ele, a esposa e os três filhos, de 10, 20 e 24 anos. “Falaram que iam tentar resgatar alguma coisa, mas não tentaram. Colocaram a retroescavadeira pra cima. A gente não queria mais móveis, não, isso a gente compra. Queria as fotografias, meu certificado, o do meu filho, meus livros de coleção. Eu tinha uma garrafinha térmica de café que ia fazer 48 anos, era do meu pai, que faleceu num acidente de carro. A garrafa foi a única coisa que sobrou, e eu guardava com muito carinho. Foi toda uma história que eles apagaram sem pena”. 

Fora os objetos de valor imaterial, outros prejuízos intangíveis e até inimagináveis por quem está “de fora” da situação assombram a memória dos moradores. Para Rogério, a frustração é diária. “Eu estava sem fumar há 23 anos, e voltei a fumar. Não quero isso pra ser humano nenhum. Eles esqueceram do lado humano. É triste ver toda a sua história indo pro lixo”, lamenta o morador.

Recomeçar

Atualmente, os poucos fios de esperança ainda se enroscam na frustração – mas resistem. “Quero que isso acabe logo, quero virar essa página. Só tenho dois interesses: minhas duas bolsas com documentos e fotos. Ainda penso em recuperar”, declara Rogério, que vive, agora, na casa da sogra. “Agora é pedir força a Deus pra começar de novo. Do zero. Todo mundo tá vivo, né?”
 

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