Especialistas explicam porque o intervalo entre vacinas contra a Covid-19 pode mudar

Anvisa autorizou estudos para aplicação da terceira dose da AstraZeneca, enquanto estados optaram por antecipar a aplicação da segunda dose

Escrito por Lígia Costa / André Costa , metro@svm.com.br
Legenda: As vacinas aplicadas no Brasil têm diferentes intervalos entre as doses. Agora, a Anvisa autorizou estudos para aplicação de uma terceira dose da AstraZeneca
Foto: Thiago Gadelha

A corrida para descoberta de um imunobiológico contra a Covid-19 monopolizou esforços de cientistas do mundo inteiro no ano passado. Quanto menos tempo, menos vidas perdidas. Ao fim de 2020, a vacina havia sido desenvolvida em tempo recorde. Em 2021, ela começou a ser aplicada no Brasil. Coronavac, Pfizer, AstraZeneca, Janssen. São diferentes fabricantes com distintas especificidades na bula.

Janssen é de dose única. Já a Coronavac, por exemplo, recomenda-se o intervalo entre uma dose e outra de 14 até 28 dias. Por sua vez, AstraZeneca Pfizer, têm intervalo de até 12 semanas. No Ceará, essas duas últimas começaram a ser aplicadas com intervalo entre as doses de três meses. Contudo, essa orientação pode mudar.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou, nesta segunda-feira (19), a realização de estudo clínico de uma terceira dose da vacina da AstraZeneca. A análise deve avaliar a segurança, a eficácia e a imunogenicidade do fármaco. 

Mas, e então, qual a importância do intervalo entre as doses? O que ela significa para a completa imunização e, porque esse intervalo pode mudar tendo até uma terceira dose? Para responder essas e outras questões, o Diário do Nordeste ouviu especialistas sobre o assunto. Entre eles, um consenso: a mudança de intervalo entre doses das vacinas contra Covid não altera eficácia da imunização. O importante é completar o ciclo. 

O imunologista Edson Teixeira, professor do Departamento de Patologia e Medicina Legal da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que a estratégia de três meses foi adotada, inicialmente, no Reino Unido, onde o imunizante da AstraZeneca foi desenvolvido.

"O previsto em bula era menos [de 120 dias], mas o Reino Unido decidiu esticar [o intervalo entre as doses].  Como não se tinha no Reino Unido o número de doses suficientes para fazer as duas doses [no período encurtado], eles por conta de terem uma boa eficácia na primeira dose, preferiam deixar a segunda dose mais esticada. Ou seja, eles propuseram esticar [o intervalo entre as doses] para doze semanas", explica.

Cenário semelhante esteve o Brasil no início do processo de imunização, com baixa oferta vacinas. Desta forma, ainda segundo o especialista, "o prazo [da segunda dose] foi esticado". Originalmente, a bula da AstraZeneca informa que a segunda dose pode ministrada de quatro até 12 semanas após a primeira injeção.

O infectologista Keny Colares explica que a diferença entre os intervalos das vacinas que estão sendo aplicadas no Brasil deve-se, apenas, pelas informações colhidas durante as fases de teste. O especialista detalha que, durante o desenvolvimento do imunobiológico, as farmacêuticas fazem diversos estudos até para encontrarem respostas tais como o número de doses e intervalo necessário.

"A maioria ficou nesse intervalo de até 30 dias [para aplicação da segunda dose]. A AstraZeneca permite até 3 meses, pois os testes realizados em diversos países contaram com tempos distintos entre uma dose e outra. E, todos os resultados, se mostraram efetivos, por isso a bula permite de 4 a 12 semanas", ilustra Colares.

A Sociedade Brasileira de Imunização (SBIM) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) emitiram, em parceria, nota técnica reforçando que a estratégia de estender para 12 semanas o intervalo entre as duas doses das vacinas AstraZeneca e Pfizer não é uma iniciativa isolada do Ministério da Saúde do Brasil, "mas sim uma estratégia adotada por diversos países em situações em que havia necessidade de acelerar o processo de vacinação e uma oferta limitada de vacinas".

Segundo os órgãos, "a decisão baseia-se no racional de que, em um cenário de estoque limitado de doses (como é o caso do Brasil), ao estender o intervalo, é possível acelerar a vacinação e assim, alcançar mais rapidamente uma proporção maior da população com pelo menos uma dose, antecipando desta forma a proteção de um maior número de pessoas".

O imunologista e docente da UFC concorda e avalia a estratégia como "interessante". "Como tem a variante Delta e as vacinas só protegem depois da segunda dose, você vai ter um número maior de pessoas com as duas doses completas", acrescenta.

Importante lembrar que para muitas vacinas, de maneira geral, intervalos maiores entre doses oferecem respostas imunes mais robustas após a segunda dose, o que, em princípio, pode se traduzir, inclusive, em respostas protetoras mais duradouras.
Nota técnica SBIM/SBP

Keny Colares também analisa pontos positivos na estratégia de utilizar o prazo máximo - 12 semanas - para a aplicação da segunda dose, mas, ressalta que, "se existisse doses suficientes, seria interessante encurtar esse tempo, para mais pessoas ficarem imunizadas com as 2 doses mais rapidamente".

Essa realidade, contudo, ainda não é possível no Brasil. Até agora, pouco mais de 34 milhões de pessoas completaram o ciclo de imunização (duas doses ou dose única), o que representa cerca de 16% da população brasileira. 

Mudança prevista

Agora, após um semestre interior de imunização, o intervalo entre as doses também já sofreu variações em alguns estados. Na Capital cearense, pessoas foram convocadas para tomarem a segunda dose antes do prazo final de 3 meses. 

Assim como antecipado por Edson Teixeira, a secretária-adjunta da Saúde de Fortaleza, Aline Gouveia, aponta que a antecipação respeita orientação da farmacêutica desenvolvedora do fármaco. Contudo, ontem (19) o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, orientou que cidades e estados mantenha o intervalo de 12 semana entre uma dose e outra, conforme preconizado no Programa Nacional de Imunização (PNI).

O período recomendado pelo laboratório da AstraZeneca para o intervalo entre a dose 1 e a dose 2, é de 30 a 90 dias. "Portanto, qualquer agendamento que esteja dentro desse intervalo não está sendo um agendamento nem atrasado e nem antecipado", pontua Teixeira.

Pelo menos outros dez estados (Acre, Roraima, Goiás, Piauí, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) já anteciparam a aplicação da segunda dose. A principal justificativa é para proteger a população da variante Delta.  

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Para Edson Teixeira, a decisão de antecipar não trará impacto negativos na imunização do indivíduo, mas, pode criar uma confusão de datas entre a população. "Além disso [de ter que olhar listas de agendados logo após o 1º mês], você cria uma segunda informação nesse momento que a gente está precisando vacinar mais gente, o mais rápido possível".

Essa dubiedade de informação atrapalha. Por isso avalio que seria melhor continuar no mesmo esquema proposto desde o início [de 120 dias].
Edson Teixeira
Imunologista

Quanto a eficácia, Teixeira e Keny Colares garantem que independentemente de ser com 4 semanas ou 12, a vacina trará resposta ao organismo. "A eficácia completa se dá a partir de duas semanas após a segunda dose. Então, não tem problema você antecipar ou esticar essa dose", diz Edson.

Ele acrescenta que estes prazos, quando respeitado o que preconiza a bula, são apenas de "questão logística e de estratégia" de cada País, e que "não muda nada do ponto de vista imunológico". Keny, no entanto, lembra que diante do surgimento de novas variantes, como a Delta, "o quanto antes as pessoas tiverem completamente imunizadas, melhor será".

O infectologista ilustra que em países onde a variante tem avançado, mas que há grande parte da população já está vacinada, "os indicadores de óbitos e casos graves não tem avançado na mesma proporção, o que confirma mais uma vez a eficácia e importância da vacina".

Os especialistas Keny Colares e Edson Teixeira concluem acrescentando que, para garantir a completa imunização, é necessária uma janela de 14 dias após a data de aplicação da segunda dose. 

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