Em protesto, pesquisador da UFC e outros 20 cientistas renunciam à outorga concedida por Bolsonaro
O grupo recusou a indicação após Bolsonaro retirar da lista de homenageados 2 pesquisadores responsáveis por trabalhos que desagradaram ao Governo
O professor e pesquisador da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aldo Ângelo Moreira Lima, e outros 20 cientistas brasileiros condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, em decreto presidencial do dia 3 de novembro de 2021, renunciaram à outorga. Isso, após o presidente Jair Bolsonaro retirar da lista de homenageados, o cientista Marcus Vinícius Guimarães, da Fiocruz, contrário ao uso da cloroquina para Covid, e a pesquisadora Adele Benzaken, atual diretora da Fiocruz Amazônia.
Em uma carta aberta, divulgada no dia 6 de novembro, Aldo Ângelo, do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da UFC, e os outros 20 pesquisadores de diversas instituições brasileiras, destacam que “vêm a público declarar sua indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados”.
“Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas”.
Os pesquisadores enfatizam que não compactuam com a forma pela qual o negacionismo, as perseguições a colegas cientistas e os cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia são usados “como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade científica brasileira nas últimas décadas”.
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O professor Aldo Ângelo, conforme estudo divulgado em outubro de 2021, com base no SciVerse Scopus, banco de dados de resumos e citações de artigos para jornais e revistas da editora holandesa Elsevier, consta com um dos cientistas com produções de grande impacto ao longo de toda a carreira e também como um dos pesquisadores de destaque no mundo em 2020.
O que é essa homenagem?
Na carta aberta, os pesquisadores explicam que a Ordem Nacional do Mérito Científico foi criada em 1993 e é um instrumento de Estado para reconhecer contribuições científicas e técnicas de personalidades brasileiras e estrangeiras.
A indicação dos membros agraciados é feita por uma Comissão na qual constam três membros indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, três membros indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três membros indicados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
“Consideramos, portanto, gratificante nossa presença nessa lista, e ficamos extremamente honrados com a possibilidade de sermos agraciados com um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso país. Entretanto, a homenagem oferecida por um Governo Federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas”.
Quem foram os cientistas retirados pelo Governo?
A lista com os cientistas agraciados foi publicada no dia 3 de novembro no Diário Oficial da União e no dia 4, outro decreto presidencial retirou os 2 nomes da lista. Um deles, o do pesquisador da Fiocruz, Marcus Vinícius Guimarães, responsável por um dos primeiros estudos no Brasil que apontou a ineficácia da cloroquina contra a Covid-19. Ele coordenou uma pesquisa no Amazonas sobre o assunto.
Outro o da médica sanitarista, Adele Benzaken, que atualmente é diretora da Fiocruz Amazônia. Ela chefiou a área de enfrentamento ao HIV/Aids no Ministério da Saúde durante os governos Dilma Rousseff e Michel Temer, porém foi demitida do cargo no início da gestão Bolsonaro.
Veja a lista de pesquisadores que assinam a carta:
Aldo Ângelo Moreira Lima (UFC)
Aldo José Gorgatti Zarbin (UFPR)
Alfredo Wagner Berno de Almeida (UEMA)
Anderson Stevens Leonidas Gomes (UFPE)
Angela De Luca Rebello Wagener (PUC-RJ)
Carlos Gustavo Tamm de Araujo Moreira (IMPA)
Cesar Gomes Victora (UFPel)
Claudio Landim (IMPA)
Fernando Garcia de Melo (UFRJ)
Fernando de Queiroz Cunha (USP)
João Candido Portinari (Projeto Portinari)
José Vicente Tavares dos Santos (UFRGS)
Luiz Antonio Martinelli (USP)
Maria Paula Cruz Schneider (UFPA)
Marília Oliveira Fonseca Goulart (UFAL)
Neusa Hamada (INPA)
Paulo Hilário Nascimento Saldiva (USP)
Paulo Sérgio Lacerda Beirão (UFMG)
Pedro Leite da Silva Dias (USP)
Regina Pekelmann Markus (USP)
Ronald Cintra Shellard (CBPF)
Confira a carta da íntegra:
Carta aberta dos cientistas condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico em 03/11/2021
"Os cientistas abaixo assinados, condecorados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, em decreto presidencial de 3 de novembro de 2021, vêm a público declarar sua indignação, protesto e repúdio pela exclusão arbitrária dos colegas Adele Schwartz Benzaken e Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda da lista de agraciados, em novo decreto presidencial na data de 5 de novembro de 2021.
Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à Ciência e Tecnologia por parte do Governo vigente.
Enquanto cientistas, não compactuamos com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência e tecnologia têm sido utilizados como ferramentas para fazer retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas.
Como bem pontuaram a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em notas divulgadas no dia 5/11/2021, a Ordem Nacional do Mérito Científico, fundada em 1993, é um instrumento de Estado para reconhecer contribuições científicas e técnicas de personalidades brasileiras e estrangeiras.
A indicação de membros agraciados é realizada por uma Comissão, formada por três membros indicados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, três membros indicados pela Academia Brasileira de Ciências e três membros indicados pela SBPC. Nossos nomes foram honrosamente indicados por essa comissão, reunida em 2019.
O mérito científico (como não poderia deixar de ser) foi o único parâmetro considerado para a inclusão de um nome na lista. Consideramos, portanto, gratificante nossa presença nessa lista, e ficamos extremamente honrados com a possibilidade de sermos agraciados com um dos maiores reconhecimentos que um cientista pode receber em nosso país. Entretanto, a homenagem oferecida por um Governo Federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas.
Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação.
Outrossim, desejamos expressar nosso reconhecimento às indicações da Academia Brasileira de Ciências e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, entidades que têm respeito duradouro em defesa da Ciência, Tecnologia e Inovação na sociedade brasileira.
Esse ato de renúncia, que nos entristece, expressa nossa indignação frente ao processo de destruição do sistema universitário e de Ciência e Tecnologia. Agimos conscientes no intuito de preservar as instituições universitárias e científicas brasileiras, na construção do processo civilizatório no Brasil.
Brasil, 6 de novembro de 2021"