Em 6 meses, CE usou 91% de vacinas da Covid recebidas, mas tem 13% da população totalmente imunizada

O atraso e a demora no envio de vacinas gerou, em parte desse tempo, lentidão no processo, inclusive com dias sem aplicação. A função de garantir imunizantes é do Governo Federal

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
vacinação ceará
Legenda: Com o volume fornecido pelo Governo Federal, o Ceará só teria capacidade para aplicar, em seis meses, a primeira dose em 38% dos habitantes.
Foto: Thiago Gadelha

Quando a técnica de enfermagem, Maria Silvana Souza, de 51 anos, primeira pessoa vacinada contra a Covid-19 no Ceará, recebeu o imunizante na noite do dia 18 de janeiro, esse processo já havia começado em mais de 40 países. Até aquele dia, 10,8 mil pessoas morreram devido à doença no Ceará. De lá pra cá, a fila da vacina, marcada pela lentidão no envio dos imunizantes por parte do Governo Federal, segue grande.

Em seis meses, o Ceará recebeu 5,4 milhões de doses da vacina (entre D1, D2 e dose única), conforme dados do vacinômetro da Secretaria Estadual da Saúde, e aplicou 91% do total. Contudo, até o momento, apenas 1,3 milhão de cearenses, 13,6% da população, receberam as duas doses e estão integralmente imunizados.

Com o estoque fornecido pelo Governo Federal, o Ceará só teria capacidade para aplicar, nesses seis meses, a primeira dose em 38% dos 9,1 milhões de habitantes. Mas, hoje, 3,6 milhões, 39,31%, já receberam isso porque algumas prefeituras, durante a campanha, chegaram a usar a segunda como primeira dose.

O fato gerou gargalos, com a interrupção de aplicação da segunda. Foi preciso, inclusive, acionar a Justiça para que o Estado pudesse receber mais vacinas do Ministério da Saúde. 

O ritmo de vacinação é distinto em cada uma das 184 cidades do Estado. Mas, no geral, ainda que os municípios tivessem assegurado agilidade máxima, a falta de imunizantes limita a capacidade de uma ampla cobertura vacinal. 

Nesses seis meses de vacinação sobram esperas e esperanças. No total, o Governo Federal enviou ao Estado, até o momento, 5,4 milhões de vacinas, e dessas: 3,5 milhões foram para D1, 1,4 milhão para D2, 397 mil de doses reservas e 137 mil de doses únicas.

No Estado, somente Guaramiranga conseguiu concluir a aplicação da primeira dose em 100% da população cadastrada. A marca foi alcançada no final de junho. No município, já foi iniciado até o processo de monitoramento de resposta imune à vacina, para que seja verificada a efetivada do imunizante no mundo real, fora do ambiente lamboratorial onde ocorrem os testes.  

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Entre atrasos na entrega e desafios logísticos como os relacionados à dimensão da campanha, cadastros da ampla população, e a aplicação simultânea de quatro imunizantes distintos (Coronavac, Astranezeca, Pfizer, Janssen), equipes de saúde avançam. 

Sensações no processo

Quando o Brasil começou a vacinar a população em 17 de janeiro de 2021, e consequentemente o Ceará no dia seguinte, países como Rússia, Reino Unido e Estados Unidos já realizavam o procedimento há mais de um mês. Havia iniciado ainda em dezembro de 2020. 

No Ceará, naquela altura, em meio à segunda onda, 376 mil casos de Covid estavam confirmados. Na família da jornalista Sâmila Braga, moradora da Vila Manoel Sátiro, na Capital, a expectativa era de logo imunizar a matriarca: dona Terezinha Braga Mota, de 80 anos. Em fevereiro, a idosa tomou a primeira dose da vacina, mas antes de completar o ciclo de imunização, infelizmente, contraiu o vírus. Após quase 20 dias internada, em março, a idosa faleceu. 

“Minha avó ia fazer 81 anos. Ela só tinha dado início ao processo de vacinação Na pandemia ela tinha ficado em casa. Tentamos tomar os cuidados, mas quando foi nesse período, que ela estava até bem alegre com a vacinação (primeira dose), ela começou a ter os sintomas. Ela também tinha alguns problemas respiratórios e já tinha tido um câncer, mas era uma mulher muito forte”.
Sâmila Braga
Jornalista que perdeu a avó, vítima da Covid

Se antes da perda da avó, a agilidade na vacinação já era uma demanda, com o luto, a exigência se acentuou. “Ela tomou só a primeira dose, então estava muito claro que não estava completo, não tinha como ter evitado completamente. Se essa vacina tivesse ocorrido antes, a gente poderia pensar em problematizar o porquê aconteceu. E eu tentava explicar isso para quem é mais negacionista”, ressalta Sâmila. 

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Legenda: A idosa Terezinha Braga Mota, na foto junto a neta Sâmila Braga, foi uma das vítimas da Covid no Ceará. Ela chegou a tomar a 1ª dose, mas não deu tempo continuar o ciclo de imunização
Foto: Arquivo pessoal

No núcleo familiar mais restrito, hoje pai, mãe, irmão e namorado, além da própria jornalista, já tomaram, ao menos, a primeira dose da vacina. “Todo mundo aqui seguiu com o processo de imunização e nós fizemos foi fortalecer os cuidados. As pessoas achavam que não viria a segunda onda e veio. Não foi só a minha avó”.

Para a fisioterapeuta Flávia Lavínia, moradora do Papicu, em Fortaleza, que sentiu na pele os efeitos da Covid, o processo de imunização foi uma recarga de esperança para o possível fim da pandemia. Ela, devido à contaminação em agosto de 2020, precisou ser internada e foi intubada. A família chegou a ouvir que “não havia mais o que fazer”. 

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Legenda: A fisioterapeuta Flávia Lavínia sentiu na pele os efeitos da Covid e chegou a ser intubada. Em fevereiro, tomou a segunda dose da vacina
Foto: Arquivo pessoal

Felizmente, apesar da gravidade, Flávia se recuperou e conseguiu deixar o hospital após 29 dias. Em janeiro de 2020, logo nos primeiros dias de vacinação no Ceará, ela recebeu a primeira dose. Em 23 de fevereiro, tomou a segunda. 

“A vacinação é muito importante. Eu fiquei muito feliz quando soube do dia da vacina. Me emocionei no ato da vacinação por tudo o que eu passei. E é muito muito importante. Vacina sim.”.
Flávia Lavínia
Fisioterapeuta

É preciso acelerar e manter o ritmo 

O imunologista e professor da Universidade Federal do Ceará, Edson Teixeira Holanda, avalia que a campanha de imunização, nesses seis meses, é marcada por gargalos como: início com atraso e perdas de oportunidade de adquirir vacinas em volume maior. Para os próximos períodos, mantida a regularidade das entregas, ele estima que é possível acelerar o ritmo de vacinação. 

“Espero que no segundo semestre que se inicia, a gente consiga vacinar com a velocidade que estamos vacinando nas últimas semanas. Isso é fundamental para que a gente tenha o final do ano com certa tranquilidade. A vacinação é a única saída”. 
Edson Teixeira Holanda
Imunologista e professor da Universidade Federal do Ceará

O número de vacinas insuficientes influencia, que tendo uma capacidade instalada muito alta de vacinar, por conta do SUS e da capilaridade do sistema, nós deixamos de vacinar muitas pessoas por falta de vacinas. “Cada dia que você perde de vacinar é uma porção da população que você deixa suscetível a vírus e a casos graves”

A professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e integrante do Programa de Doutorado em Biotecnologia da Rede Nordeste de Biotecnologia (Renorbio/Uece), Maria Izabel Florindo, reforça que é preciso diferenciar indivíduos vacinados e quantos se tornaram imunes. "Imunizado significa que a pessoa desenvolveu uma resposta adequada para combater aquele vírus e essa resposta só o tempo vai nos responder. Mas, com certeza, tem diminuído bastante o índice de pessoas infectadas”. 

Ela também pondera que fica evidente que o Brasil tem uma população enorme com diferentes regiões, sendo algumas de difícil acesso, e que “em outras campanhas isso não foi sentido porque não era uma emergência. Existia tempo, agora é uma emergência para evitar que se contamine com esse terrível vírus”.

Diferenciais e aquisição de vacinas

O titular da Sesa, Dr. Cabeto também pondera que desde meados de 2020, o Ceará faz tratativas com outras empresas, como a Pfizer e Sinovac, para buscar adquirir por conta própria as vacinas. 

190 mil doses
O Estado aguarda o recebimento da vacina Sputnik adquirida pela própria gestão estadual.

O secretário explica que, embora o Brasil tenha tradição em vacinação, com a Covid foi diferente. “Fazia-se necessária uma agilidade muito maior: uma vez recebendo a vacina, entregar de forma imediata à população. O primeiro desafio foi montar um sistema de logística eficiente”. 

“Na época não havia garantia de que o Programa Nacional de Imunização iria funcionar. Houve pressão dos governadores, dos secretários estaduais por meio do Conass, para que houvesse a implantação imediata e a aquisição de vacinas. O Brasil viveu esse momento em que se vivia essa hesitação”.

Ele acrescenta que tradicionalmente as vacinas chegam em Fortaleza, por exemplo, e são distribuídas aos outros municípios. Isso poderia levar mais de 10 dias, pondera. “O primeiro desafio foi montar e fazer isso em menos de 24h”, reforça

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