De onde vem a energia elétrica que abastece o Ceará? Saiba como funciona
Sistema de geração, transmissão e distribuição faz parte de um processo complexo que envolve todo o território brasileiro. Estado tem cerca de 4 milhões de consumidores.
O encarecimento da conta de luz com a nova da bandeira tarifária sobre o consumo de energia elétrica deve vigorar até abril de 2022 pela escassez hídrica. Até o momento, o racionamento está descartado, mas o próprio Governo Federal recomenda a economia. Diante das dúvidas sobre o abastecimento, de onde vem a energia elétrica distribuída no Ceará? O Estado corre risco de apagão?
Ao contrário do que muitos podem pensar, as Unidades Federativas não produzem eletricidade para elas mesmas. Para esclarecer como funciona a distribuição, o Diário do Nordeste conversou com o professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Tomaz Nunes Cavalcante Neto.
Segundo o especialista, a gestão dos recursos energéticos mudou radicalmente após a “crise do apagão”, entre 2001 e 2002, causada pela escassez de água nos principais reservatórios vinculados a usinas hidrelétricas. À época, a dependência do País a esse modelo chegava a 90%.
Com o tempo, novas fontes energéticas ganharam mais espaço, como a eólica, a solar e a queima de biomassa (como cana de açúcar). Atualmente, a dependência do sistema hidrelétrico está em torno de 60%, conforme o professor. Para ele, essa diversificação diminui a probabilidade de um novo racionamento.
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Distribuição regional
Outro fator que minimiza o risco é a interligação nacional do sistema. Ou seja, o Ceará faz parte de uma rede complexa que fornece e transfere eletricidade entre os Estados.
Antes de 2001, nosso sistema de energia não era integrado, e isso dificultava muito a transferência de água entre as diversas regiões. Com a integração do sistema, que passou a ser chamado de SIN (Sistema Interligado Nacional), a energia que estamos gastando agora pode estar sendo gerada em Tucuruí ou Belo Monte (usinas no Pará), no Rio Grande do Sul ou Itaipu (Paraná). Quando há mais água em determinada região, aquele excedente pode ser transformado em energia elétrica e ajudar regiões em que a situação nos reservatórios esteja mais crítica.
Para explicar melhor, o professor compara o SIN com uma “panela de energia”. “Todas as fontes jogam energia para dentro. Existe um "cozinheiro" que vai distribuindo nos pratos - os Estados - a quantidade de energia que eles precisam. Esse cozinheiro é o Operador Nacional do Sistema (ONS), a empresa que faz a operação de despacho de energia”, explica.
Hoje, a rede do SIN é formada por mais de 300 empresas, entre transmissoras e distribuidoras, com quase 146 mil km de linhas de transmissão. Ele possui quatro subsistemas - Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e a maior parte da região Norte (exceto Roraima) - que trocam energia entre si, aproveitando os diferentes regimes de chuva nas diferentes regiões.
Das usinas às residências
Segundo o ONS, das usinas geradoras, a energia é transportada por linhas de transmissão até as subestações (que podem corrigir os níveis de tensão), para depois chegar às redes de distribuição nas cidades.
No Ceará, o sistema de transmissão conta com 18 subestações geridas pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), sendo a maioria abaixadoras, ou seja, que reduzem o nível de tensão. Elas ficam nos seguintes municípios:
A Chesf tem a responsabilidade de fornecer energia às concessionárias e, essas, de fazer a distribuição para os consumidores. Nos 184 municípios cearenses, esse trabalho é feito pela Enel Distribuição Ceará, através de 118 subestações de distribuição.
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Situação crítica
A Aneel considera que o cenário de escassez hídrica atual é o pior em 91 anos. Na região Centro-Sudeste, onde estão 70% da capacidade das usinas hidrelétricas, o nível está em 26%. O Nordeste tem cerca de 51%.
“Nossa situação hídrica hoje é mais severa hoje do que pré-2001”, alerta o professor Tomaz Cavalcante.
“Se não houvesse ocorrido todas essas transformações, provavelmente já estaríamos num racionamento. Mas isso não exclui a necessidade de, no próximo período úmido, de novembro a maio, rezar para São Pedro dar chuva suficiente, sobretudo nas áreas dessas hidrelétricas, para que elas fiquem com água confortável”, projeta.
Matriz energética do Ceará
A contribuição do Ceará para o sistema energético brasileiro está em 2,68% do total nacional. Ela se dá principalmente pelas usinas eólicas, com 50% do total estadual, e termelétricas, com 45%. Os dados são do Sistema de Informações de Geração da Aneel, do último dia 7 de setembro.
Um estudo de 2018 do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece) explica que o Estado tem menor potencial hidrelétrico porque tem irregularidade de chuvas e deficiência de recursos hídricos de superfície. Por outro lado, apresenta vantagens naturais competitivas nas fontes eólica e solar.
De uma maneira geral, evidencia-se que a produção energética do Estado se concentra no litoral tanto pela disponibilidade da infraestrutura, tanto pelas condições dos recursos naturais necessários, como o vento, por exemplo, quanto pela proximidade do mercado consumidor de maior demanda, sobretudo a Região Metropolitana de Fortaleza.
Conforme relatório de desempenho da Enel para o segundo trimestre de 2021, o Ceará tem 4,088 milhões de consumidores de energia elétrica. Destes, 3,6 milhões são residenciais, correspondendo a 79,7% do total. Há ainda 182,6 mil comércios (4,4%), 47,9 mil prédios públicos (1,17%) e 6,2 mil indústrias (0,1%).
Horário de verão
Em meio às discussões sobre racionamento, o horário de verão voltou a ser mencionado como opção para poupar energia. Criado na década de 1930, ele foi extinto pelo Governo Federal em abril de 2019 sob a justificativa de que a eficiência na economia vinha caindo ano após ano.
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O professor da UFC, porém, rebate que a medida tenha impacto positivo no Ceará. Isso porque o Estado se encontra praticamente sobre a Linha do Equador, então os dias tendem a ter a mesma duração que as noites.
“Pra gente, não adianta nada. Pelo contrário, aqui a gente gasta mais. O pessoal que trabalha na construção civil, por exemplo, vai acordar mais cedo. Se está escuro, liga a luz”, avalia.
Segundo Tomaz, estudos técnicos também provaram que o custo-benefício da economia real em relação ao sacrifício imposto à população “não se mostrava atraente”.