Concentração de coronavírus nos esgotos de Fortaleza disparou 125% na segunda semana de dezembro
Dados expõem a necessidade do monitoramento para o enfrentamento à pandemia, mas falta de recursos pode inviabilizar a continuidade das pesquisas
A presença do coronavírus na rede de esgoto de Fortaleza aumentou 125% no último dia 10 de dezembro ante à semana anterior (3/12), conforme alerta enviado à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). A análise de pesquisadores é que o número reflete a retomada das atividades econômicas no Ceará.
Dentre elas, o turismo para as festas de fim de ano. Neste período, a taxa da carga viral de três Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) monitoradas passou de 21 bilhões para 47,2 bilhões de cópias de SARS-CoV-2 (causador da Covid-19), diariamente, por 10 mil habitantes.
A comparação considera as semanas epidemiológicas 49 (10/12/2021) e 48 (3/12/2021).
O estudo é realizado pelo Centro de Inteligência em Saúde do Estado (Cisec), vinculado à Superintendência da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues (ESP/CE), em parceria com a Rede Monitoramento Covid Esgotos.
Pesquisadores acompanham os níveis do vírus no esgotamento sanitário nas capitais brasileiras. Em Fortaleza, o projeto é coordenado pelo professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) André Bezerra.
“É um período considerado um pouco mais crítico porque tem um fluxo maior de turismo, tem alguns congressos acontecendo e maior mobilidade das pessoas”, explica André.
Para o levantamento, são analisadas as amostras recolhidas no sistema de esgotamento sanitário de Fortaleza. Conforme o alerta pondera, contudo, não foi identificada elevação no número de casos de Covid-19 nas semanas citadas.
Últimas semanas de dezembro também registraram aumento
O último boletim, em que consta o levantamento da semana epidemiológica 51 (19 a 25 de dezembro), também mostra o aumento do vírus no esgoto de Fortaleza, sendo com maior índice a Estação Elevatória Reversora do Cocó (Hospital Unimed).
Veja as estações com maior concentração do vírus:
Não detectado (verde):
- Estação de Tratamento de Esgotos José Walter (CE-ETE-01)
Concentração menor (amarelo - abaixo de 4 mil):
- Estação Elevatória Praia do Futuro II (CE-EEE-04)
- Estação Elevatória SD1 - Antônio Bezerra (CE-EEE-02)
Concentração intermediária (laranja - entre 4 mil e 25 mil cópias);
- Estação Elevatória SD2 - Barra do Ceará (CE-EEE-01);
- Estação de Tratamento e Esgotos Conjunto Ceará (CE-ETE-02);
- Poço de visita - Interceptor Leste (CE-SUB-01);
- Estação de Pré-Condicionamento (CE-ETE-03).
Concentração maior (vermelho - acima de 25 mil cópias de coronavírus por litro):
- Estação Elevatória Reversora do Cocó (Hospital Unimed) (CE-EEE-03)
O que isso representa
De acordo com o coordenador do Cisec e cientista-chefe da Saúde do Estado, José Xavier Neto, os números permitem dimensionar os riscos que a Covid-19 ainda representa, mesmo em um cenário mais otimista, com o avanço da vacinação e a redução de casos registrados.
“Esse trabalho nos dá uma ideia do tamanho da ameaça que estamos enfrentando. Em determinadas semanas, a gente vê uma grande variação na presença do vírus em diversas regiões da Capital”, diz.
Xavier destaca que as regiões com alta no número de casos durante a semana epidemiológica 49 foram: Meireles, Praia do Futuro I e II, a região próxima ao Terminal Marítimo e Cocó.
O pesquisador aleta para a importância de manter os cuidados na prevenção à doença e a adesão à imunização.
“O Ceará ainda tem mais de dois milhões de pessoas que não se vacinaram de forma alguma. Temos que continuar usando a máscara, álcool em gel e evitar as aglomerações”, orienta.
O professor André Bezerra observa o aumento da presença do vírus na Estação de Pré-condiciamento (EPC).
“Ela fica próxima ao Instituto Médico Legal (IML) e aos Bombeiros, e recebe aproximadamente 60% da cobertura de Fortaleza, o que, em termos de população, é o equivalente a 1 milhão de habitantes que acabam enviando seus esgotos para lá”, mensura.
“O crescimento demonstra que as concentrações virais no esgoto vêm aumentando por muitas pessoas serem portadoras do vírus e assintomáticas. Por isso, muitas vezes, não chegam aos hospitais, mas carregam consigo o vírus e estão circulando livremente pela Cidade", enfatiza.
André acrescenta ser necessário analisar conjuntamente os dados da Covid-19, com base no esgoto e números ligados às internações e quantas delas resultam em envios de pacientes para Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).
Falta de recursos ameaça monitoramento
A Rede Monitoramento Covid Esgotos foi criada com intuito de ampliar a disponibilidade de informações para o enfrentamento da pandemia de Covid-19 por meio do monitoramento do SARS CoV-2 nos esgotos. A pesquisa teve recursos garantidos para 12 meses de monitoramento, que encerram em janeiro deste ano.
O projeto é financiado pela ANA, coordenado pela UFC e tem apoio institucional da Companhia de Água e Esgoto do Estado (Cagece).
Porém, segundo o professor André Bezerra, um corte de cerca de R$ 1 bilhão da verba dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) pode inviabilizar a pesquisa.
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"Na calada da noite, o ministro Paulo Guedes contingenciou esse recurso, que estava certo de uma parcela que faltava, relativa a um corte de 30% no início do projeto", aponta.
"Devido a isso, não temos mais recursos para pagamento de bolsistas. Essas análises são bastante caras. Não conseguiremos dar continuidade sem esse apoio financeiro, mas estamos tentando continuar a pesquisa com outras frentes. Mas, se não houver aportes, as coletas encerram em 31 de janeiro", explica