Atendimento educacional a alunos hospitalizados é limitado

Em geral, de acordo com a Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) e a Secretaria Municipal da Educação (SME), o plano de atendimento é feito de forma domiciliar. A ida aos hospitais, porém, é uma "possibilidade"

Escrito por Barbara Câmara ,

Entre tantas mudanças que afetam pacientes internados para tratamento de saúde, a quebra de rotina é uma das mais impactantes, seja a curto ou a longo prazos. No caso de adolescentes e crianças, a necessidade de se ausentarem das salas de aula durante um período pode representar um obstáculo para o processo de aprendizagem, ainda que não sintam tanta saudade da escola.

Para assegurar o atendimento educacional ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde, seja em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, o Ministério da Educação (MEC) destaca a Lei nº 13.716, sancionada em setembro de 2018, que altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).

No Ceará, tal atendimento é garantido, porém com ressalvas. A Secretaria da Educação do Ceará (Seduc) informa que as escolas da rede pública estadual já faziam um plano de atendimento a alunos com esse tipo de necessidade, em geral, domiciliar, mas que também poderia chegar a uma unidade de saúde. Em nota, a Pasta explica que as atividades (trabalhos escolares) são articuladas com os familiares e alunos para que não haja prejuízos no ano letivo, ou seja, o aluno não perde nenhuma etapa daquele período. "Diante da Lei, a Seduc analisa a melhor maneira de se adequar à legislação para orientar as escolas", ressalta.

Já em Fortaleza, conforme a Secretaria Municipal da Educação (SME), ainda não foi recebida nenhuma demanda de aluno da Rede Municipal para atendimento hospitalar. "A Rede Municipal de Ensino de Fortaleza já dispõe do atendimento domiciliar, quando o aluno recebe conteúdos e atividades em casa, para garantir que, ao se restabelecer da enfermidade, retorne à rotina escolar sem maiores prejuízos", ressalta a Pasta, em nota.

Déficit

O atendimento para pacientes em regime hospitalar, contudo, ainda é incerto. A realidade vivenciada de segunda a sexta-feira por Martha de Castro abre espaço para questionamentos.

Ela coordena o projeto ABC Mais Saúde, iniciativa pedagógica hospitalar da Associação Peter Pan, em parceria com o Hospital Infantil Albert Sabin (Hias). "(O projeto) foi iniciado a partir da queixa dos pais das crianças, dos pacientes, com relação ao déficit de aprendizagem, porque eles passavam muito tempo hospitalizados, sem frequentar a escola. É uma ação humanizadora que faz com que a criança não perca o vínculo com a escola".

Para repassar os conteúdos escolares aos jovens pacientes, é realizado planejamento com a elaboração de um currículo flexibilizado, uma vez que, devido ao tratamento, não é possível manter o ritmo da sala de aula.

O atual objetivo do projeto é criar um convênio entre as secretarias de saúde e de educação, a fim de formalizar a classe hospitalar. "Nós enviamos ofício para a SME e a Seduc em 2005; também enviamos no ano passado, assinado pela diretora do Albert Sabin, e estamos aguardando. Tem que enviar um professor para o hospital, e eles alegam falta de profissionais", diz a coordenadora do ABC Mais Saúde.

É entre as paredes coloridas da sala situada no espaço de convivência do ambulatório de oncologia da Associação Peter Pan que o aprendizado se desenrola, pouco a pouco, no ritmo dos pacientes. O ambiente reproduz uma sala de aula para crianças e adolescentes de 6 a 14 anos.

Gratidão

Rotineiramente, após passarem pela quimioterapia logo de manhã, os jovens pacientes são encaminhados para as atividades do ABC e, ao fim do dia, são liberados para casas de apoio ou suas residências. "As crianças internadas não podem se deslocar até o espaço de convivência; então os alunos bolsistas de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará (UFC) atendem na beira do leito, através de um projeto de extensão".

Ao longo de um ano e um mês, a vendedora Renata Neves, 32, viu sua gratidão pelo ABC Mais Saúde crescer - tempo pelo qual vem se estendendo o tratamento de seu filho, diagnosticado com leucemia. Aos seis anos, o pequeno Bruno teve de interromper seus estudos para se tratar, logo após concluir o Infantil 5.

Teste

"Ele não sabia ler quando foi internado. Aí eu o levava pras aulas do projeto aqui. Um dia, quando ele já podia voltar para casa depois da quimioterapia, chegou em casa, pegou um panfleto da igreja e começou a ler as palavras, em voz alta. Eu tomei um susto: 'meu filho, você tá lendo!'. Foi emocionante", lembra Renata, sentada em uma das cadeiras dispostas pelos corredores da Associação Peter Pan enquanto esperava a sessão de Bruno terminar.

A vendedora, que teve de suspender suas atividades para se dedicar aos cuidados do filho, explica que logo que o menino recebeu alta para ir à escola, ela e o marido providenciaram para que ele fizesse o teste de nível na escola onde estava matriculado.

"Nas aulas do projeto, ele manteve o conteúdo em dia, não atrasou nada. Voltou paras as aulas no dia 17 de janeiro deste ano. Adorou, reencontrou os amigos, foi como se nunca tivesse saído", diz.

O retorno à escola ainda é uma expectativa para os pais de Gabriel Gomes, que, aos nove anos, também recebe tratamento para leucemia. "Eu gosto de mexer no tablet", revela, sem dar muita importância à menção das aulas.

"Ele teve que parar de estudar aos cinco anos. Aqui é bom porque ele vai aprendendo mais alguma coisa, não fica tanto pra trás", conta Francisco de Assis, pai de Gabriel.

As atividades do ABC Mais Saúde acontecem de segunda a sexta, no período da manhã e à tarde. Para balancear a programação ao longo do dia, atividades lúdicas, jogos pedagógicos e trabalhos de arte são mesclados às atividades escritas. "A média por dia é de 10 a 15 alunos atendidos, divididos por faixa etária. A gente observa que contribui para a adesão ao tratamento, torna o ambiente menos hostil. Tem ainda a questão da socialização", detalha a coordenadora.

Ainda em fevereiro, a sala destinada às aulas do projeto deverá ser interditada para reforma. A previsão para reinauguração do novo espaço é de dois meses, segundo a socióloga Aurea Barbosa, que também trabalha com o ABC. "Até então, os alunos vão ficar na sala dos adolescentes, que é bem próxima. Lá tem computadores, e eles adoram".

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