O temor pela derrubada de um dos últimos prédios históricos localizado no Centro de Fortaleza mobilizou o arquiteto Romeu Duarte a remeter à Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza (Secultfor) um pedido de tombamento em prol de preservar a casa 907, na Rua Sena Madureira. A solicitação foi encaminhada por e-mail nessa sexta-feira (7).
Coordenador do Ateliê de Patrimônio Cultural do Departamento de Arquiteto, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), Duarte acredita que um muro da edificação já tenha sido derrubado e obras na casa estejam a caminho. O caso chamou a atenção de um grupo de arquitetos. O pedido de tombamento foi remetido, em cópia, ao Instituto de Arquitetos Brasil (IAB).
Em nota enviada pela Secultfor na tarde deste sábado, a Pasta informou ainda não ter sido protocolado oficialmente pedido de tombamento para este imóvel. Sem um processo dessa natureza em trâmite, não há impedimentos legais para que o imóvel seja demolido, desde que respeite as regras ordinárias para realização de obras.
Veja imagens do edifício
A reportagem procurou identificar e localizar o proprietário do imóvel, mas não conseguiu contato até a publicação desta matéria.
Importância
Professor do curso de Arquitetura da UFC há 30 anos, Romeu Duarte destaca que o edifício é um dos últimos da virada do século XIX para o século XX ainda em pé no Centro da Capital. "É uma residência que evoca o período da Belle Époque de Fortaleza, com elementos ecléticos, assimetria da fachada", descreve.
A residência, avalia Romeu Duarte, tem valor estético e arquitetônico, histórico e ambiental. Está localizado na margem esquerda do Riacho Pajeú, corpo de água que está inscrito na história da capital cearense. "Fortaleza existe devido ao Forte de Nossa Senhora da Assunção e ao Pajeú, que proporcionava o fornecimento da água. Já temos alguns edifícios tombados na cidade com ligação ao Pajeú. Na vizinhança imediata do prédio, está a Cidade da Criança”, pontuou o docente.
Parece que o passado machuca as pessoas. Cearense gosta mais de lembrar do que preservar. Sempre estamos atrás do novo, é um problema antropológico nosso”
O arquiteto critica a proliferação de estacionamentos em imóveis no Centro, alguns erguidos onde antes haviam edificações antigas. "Nunca fez sentido andar de carro no Centro de Fortaleza, porque é um espaço que foi feito para se andar de carroça. Hoje sobram estacionamentos no Centro”, disse.
Presidente da seção cearense do IAB, Jefferson John Lima acompanha Romeu em sua preocupação, e acrescenta o temor do prédio estar indo ao chão já neste fim de semana enquanto, segundo ele, o Poder Público não toma providências possíveis.
"Me preocupa se será preciso, mesmo diante a uma pandemia, protocolar pessoalmente o pedido, com a burocracia. Por enquanto, proprietário do imóvel pode fazer o que bem entender, porque para o prédio não há nenhuma proteção de patrimônio. Porém, para uma demolição, é preciso pedir um alvará e licenciar isso na Prefeitura, além de precisar de um responsável técnico", explicou o presidente do IAB-CE.
No local, não há placas indicando que o prédio passa ou passará por obras.
Na opinião de Romeu, tombar o imóvel da rua Sena Madureira representa um ganho para a cidade. “Vejo potencial de uso e transformação daquele edifício. Temos que ver usos necessários ao centro. Se derrubarem, cria-se o fato consumado. O que a cidade ganha com mais um estacionamento no Centro?”, questionou Romeu Duarte.
Prédios tombados
Em 2020, a Secultfor informou ao Diário do Nordeste que quase 60% dos prédios tombados provisoriamente em Fortaleza estão no Centro da Cidade. Dentre as edificações que estão nesta situação, há a Casa Frei Tito de Alencar; o Hotel Excelsior; o Conjunto Educacional do Centro; a Escola Jesus Maria José; os colégios Justiniano de Serpa, Imaculada Conceição e Liceu do Ceará; a Igreja do Pequeno Grande e as caixas d'água da Faculdade de Direito da UFC.
Professor de Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza, Humberto Cunha pontua que para uma edificação ser considerada histórica ela teria que estar inventariada. De acordo com o especialista, o inventário é um instrumento que pouco se usa no Brasil, sendo um estágio importante e anterior ao tombamento.
"Se não tem inventário e nem tombamento, o proprietário, em princípio, está livre (para realizar obras) desde que siga as regulamentações urbanísticas. É um problema grande e congênito da estrutura de patrimônio cultural de Fortaleza e do Ceará. O sistema de proteção deve ter distintos níveis. O tombamento é um tipo de proteção elevada que impede a destruição, controla modificação e o Poder Público pode entrar na propriedade a qualquer tempo para fiscalizar. Nesse caso estão fazendo um pedido pelo fato do início de uma demolição. Isso não deveria ser a regra. O interessado pode propor embargos, pedir uma medida judicial", explica o professor do ponto de vista jurídico.
Ainda no ano passado, quando parte do Casarão dos Fabricantes foi atingida por um incêndio, se levantou a questão que a edificação construída em 1830 para ser a residência de Joaquim Ignácia da Costa Miranda não era tombada pelo Município.