Policiais militares encerram motim após 13 dias de paralisação

O Governo do Estado prometeu rever casos individuais de irregularidades dos servidores. Uma comissão permanente será instalada para acompanhar a execução do acordo, que será assinado às 9h de hoje, na sede do MPCE

Escrito por Wagner Mendes ,
Legenda: Uma comissão será formada para acompanhar o cumprimento do acordo entre categoria e governo
Foto: Foto: Fabiane de Paula

"Anistia do jeito que nós queremos não vai sair". O anúncio do vereador Sargento Reginauro (Pros), por volta das 20h de ontem, ao grupo de policiais que estava amotinado há 13 dias no 18° Batalhão da Polícia Militar, no bairro Antônio Bezerra, foi o primeiro sinal de que o acordo estava próximo. Pelo voto dos que estavam presentes no local, a maioria dos manifestantes decidiu voltar ao trabalho, hoje, sem conquistar a principal demanda que foi exigida do grupo nos últimos dias: a anistia geral.

O Governo do Estado, porém, se comprometeu a rever casos de forma individual e tratar cada um deles conforme as garantias constitucionais. Foi decidido também que haverá uma Comissão Externa constituída pela Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Defensoria Pública, Ministério Público Estadual e Federal para acompanhar a tramitação do acordo.

Os termos acertados para o fim do motim serão assinados pelos representantes da comissão dos três poderes que mediou o diálogo entre o Governo e a categoria, observadores externos e representantes dos policiais às 9h de hoje, na sede do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE).

Erinaldo Dantas, presidente da OAB-CE, disse que "essa comissão independente vai atuar nos processos que já foram instaurados e nos que vão ser abertos para garantir a isenção e o devido processo legal. A garantia nossa, fechada no acordo com todas as partes, é de que não haverá perseguição".

Foi acordado ainda o reestudo da tabela salarial sem alteração dos valores já anunciados pelo Governo; e o Ministério Público Estadual também pedirá à Justiça Estadual a suspensão por 90 dias de uma Ação Civil pública contra as associações representantes dos militares para discutir ajustamento de termo de conduta.

Um dos porta-vozes do anúncio da proposta, o vereador Sargento Reginauro pediu que à tropa confiasse nas instituições mediadoras da negociação. O argumento apresentado aos policiais foi que as instituições garantiriam que o acordo fosse cumprido à risca. "A diferença grande nesse momento para aquele (primeiro acordo) está na presença desses atores".

Minutos antes da votação, a Defensora Geral do Estado, Elizabeth Chagas, falou aos amotinados que não havia mais margem para a negociação e defendeu que era o momento de encerrar o movimento. "De tudo o que eu vi hoje, digo a vocês que é o máximo que a gente consegue extrair. Rogo a vocês que aceitem essa proposta. É pensando em cada um de vocês e na Segurança Pública do Estado do Ceará", declarou.

Proposta

O episódio que marcou o encerramento da paralisação de quase duas semanas foi movimentado, com discussões entre os servidores e críticas por parte dos líderes da paralisação. Familiares dos policiais incitavam a manutenção do protesto durante o ato.

O acordo só ocorreu após quase um dia inteiro de negociações e reunião da comissão dos três poderes estaduais. Reunidos no anexo da Assembleia Legislativa, integrantes da OAB-CE, Defensoria Pública, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Exército, Força Nacional, Poder Legislativo e Poder Executivo construíram uma proposta para levar ao Batalhão.

"Desse diálogo, tivemos um produto que está sendo encaminhado para o 18° Batalhão e vamos ficar aguardando o posicionamento para que nós possamos, definitivamente, ter uma resolução desse movimento", declarou em coletiva ao fim da reunião o deputado estadual Evandro Leitão (PDT). Também estiveram na mesa de negociação o deputado estadual Soldado Noelio, o vereador Sargento Reginauro e Cabo Monteiro.

Repercussão

Nas redes sociais, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, comemorou o fim do motim. "Recebo com satisfação a notícia sobre o fim da greve dos policiais no Ceará. O Governo Federal esteve presente, desde o início, e fez tudo o que era possível dentro dos limites legais e do respeito à autonomia do Estado. Prevaleceu o bom senso, sem radicalismos", disse. Usando a palavra "greve", o secretário de Segurança Pública do Ceará, André Costa, também comemorou o encerramento da paralisação. "Vitória do povo cearense! Fim da greve da PMCE!", escreveu em uma rede social.

Números da paralisação

A paralisação dos policiais militares resultou num salto vertiginoso no Ceará dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLIs), que englobam homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Conforme dados não consolidados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), até o dia 27 deste mês, foram registrados 405 assassinatos no Ceará. É o maior índice em oito anos e o número também cresceu 174% em relação ao registrado em fevereiro do ano passado, quando houve 164 homicídios.

O motim dos PMs começou na noite do dia 18 de fevereiro. Entre o dia 19 e a última quinta-feira (27), foram registrados 239 homicídios. Em média, foram mais de 26 casos por dia; ou um assassinato a cada 54 minutos e 20 segundos. A Força Nacional de Segurança e o Exército Brasileiro foram convocados para atuar durante a paralisação, mas os índices de violência não recrudesceram.

Além dos homicídios, os relatos de roubo também se avolumaram nos dias de paralisação. Ocorrências de grupos armados praticando assaltos em série se espalharam pelas redes sociais. Um dos episódios de violência que chamaram a atenção do Brasil foi o atentado contra o senador licenciado Cid Gomes, no Batalhão da PM de Sobral. No dia 19, Cid tentou entrar, com uma retroescavadeira, no quartel ocupado por policiais.

Durante a ação do parlamentar, tiros foram disparados contra ele e o atingiram no peito e na clavícula. Cid foi levado para um hospital de Sobral, transferido para Fortaleza no dia seguinte e já teve alta médica. Desde o início do motim, 47 policiais militares foram presos, sendo 43 deles por deserção ao não comparecerem para atuar na Operação Carnaval; três por participarem do motim secando pneus de viaturas; e um outro por incendiar um carro particular no Município do Crato.

Na última quinta (27), em audiência de custódia, a Vara da Auditoria Militar converteu as prisões de 43 PMs em preventivas. Os militares permaneciam presos até ontem. Outra medida adotada pelo Governo foi o afastamento de 230 militares das funções por motim, insubordinação e abandono de posto de trabalho. Os pagamentos dos salários foram suspensos por 90 dias. Além disso, o envolvidos devem devolver o distintivo, a identidade funcional, a algema e a arma.

Principais pontos da proposta aceita: 

- Na apuração administrativa da responsabilidade disciplinar do militar envolvido em atos ilícitos e infracionais cometidos durante o período de 1º de setembro de 2019 a 1º de março de 2020, será garantido a todos um devido e justo processo.

- Na tramitação dos processos disciplinares, será assegurada, atuando junto à Controladoria Geral de Disciplina (CGD), a participação de comissão externa, integrada por representantes da OAB, Defensoria Pública, Ministério Público do Ceará e Ministério Público Federal, com o fim de assegurar a observação do devido processo legal. 

- Não haverá transferências, durante seis meses, contados a partir do acordo.

- Pedido de suspensão de 90 dias de Ação Civil Pública contra associações militares para discussão de termo de ajustamento de conduta. 

- Criação de uma Comissão Paritária Permanente, formada por representantes do Poder Executivo, Poder Legislativo, MPE, MPF, Defensoria Pública e OAB, a fim de analisar e encaminhar soluções às demais reivindicações.

- Todos os policiais militares deverão se apresentar prontos para o serviço às 8h de hoje nos respectivos Batalhões em que estão lotados.

- Haverá, no curso do processo legislativo, o reestudo e a efetiva rediscussão da tabela salarial enviada por mensagem do Poder Executivo à Assembleia Legislativa, respeitados os limites orçamentários ali previstos.