Direito do consumidor na pandemia: veja 5 dicas para resolver seu problema

O Código de Defesa do Consumidor já prevê revisões contratuais em contextos como o que estamos enfrentando, mas, para evitar mal estar nas relações de consumo, ideal é apostar em negociação extrajudicial

Legenda: Mesmo com a reabertura gradual das atividades econômicas, consumidores podem ter contratos revisados em razão da pandemia de Covid-19.
Foto: José Leomar

Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil impondo à população uma vida social restrita e cheia de cuidados, se compreendeu, de pronto, que as relações de consumo não seriam as mesmas por algum tempo. Afinal, onde e como procurar o direito do consumidor em tempos de pandemia?

Pela urgência de diminuir a circulação e a aglomeração de pessoas e, assim, o contágio da Covid-19, tiveram de ser canceladas ou suspensas, por exemplo, viagens, festas, casamentos e matrículas em academias e instituições de ensino, bem como revistas formas de compra e venda de produtos e serviços. 

À época do início da pandemia, a chave para diminuir o impacto dessas rupturas no pacto comercial era “negociação”. Quase seis meses depois, os acordos extrajudiciais ainda são essenciais para garantir que, de forma simples e rápida, ninguém — dentre consumidores, produtores e fornecedores — seja prejudicado enquanto não for retomado o que entendemos por “normalidade”. 

'Fatos supervenientes'

Amélia Rocha, professora de Direito do Consumidor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e titular da 2ª Defensoria do Consumidor de Fortaleza, ressalta que, para além do bom senso que norteia as negociações neste momento, modificações de cláusulas contratuais são previstas pelo Código de Defesa do Consumidor em razão de “fatos supervenientes”, ou seja, que acontecem depois e que oneram excessivamente os processos, como o aumento do desemprego e a perda de renda decorrentes da crise sanitária que estamos enfrentando. 

Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE), Leandro Chaves lembra ainda que consumidores são o elo mais vulnerável das relações de consumo e que, portanto, devem ser amparados e poupados mesmo num momento de retomada gradual das atividades econômicas. “Requer, neste momento, cautela. De ambos os lados. E muita negociação”, compreende o jurista.

O Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon), coordenado pelo Ministério Público do Ceará, registrou crescimento de 5,5% entre 2019 e 2020 (considerando períodos entre 19 de março e 31 de julho) no número de atendimentos feitos pelo órgão, que recebe reclamações, dúvidas, denúncias e outras demandas dos consumidores do Estado. 

No entanto, segundo o assessor jurídico do Decon, Ismael Braz, as frequentes negociações extrajudiciais possibilitaram a resolutividade de 98% dos atendimentos. “No início do isolamento social, entramos em contato com a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e com as instituições financeiras para saber o que elas iriam fazer. E as próprias instituições já estavam concedendo alternativas para os consumidores negociarem dívidas ou postergarem”.

Segundo o assessor jurídico do Decon, Ismael Braz, as frequentes negociações extrajudiciais possibilitaram a resolutividade de 98% dos atendimentos
Legenda: Segundo o assessor jurídico do Decon, Ismael Braz, as frequentes negociações extrajudiciais possibilitaram a resolutividade de 98% dos atendimentos
Foto: Shutterstock

Denúncias aumentam quase 300%

O Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor (Procon Fortaleza) registrou, por sua vez, aumento de 292,64% entre 2019 e 2020 no número de denúncias recebidas no período equivalente à pandemia (16 de março a 5 de agosto). A maior parte relacionada a compras em lojas físicas e online e dificuldades no cancelamento de serviços como academias e viagens. 

292,64%
foi o aumento no número de denúncias ao Procon Fortaleza durante a pandemia

Especificamente sobre as academias, Cláudia Santos, diretora do Procon Fortaleza, destaca que o órgão tem se empenhado para garantir que os estabelecimentos cumpram com os cuidados obrigatórios para evitar o contágio pela Covid-19 e permitam o cancelamento de matrículas sem cobrança de multa. “Se o consumidor quer cancelar e a academia cobra multa, para o Procon, é considerado cobrança indevida”, afirma a gestora, lembrando que, apesar de ter sido permitida a retomada das academias, há pessoas que não se sentem seguras para ir.  

Academia decreto
Legenda: A decisão surpreendeu e revoltou os estabelecimentos, segundo o Sindifit-CE
Foto: Camila Lima

Audiências de conciliação

A partir desta segunda-feira (10), de acordo com Ismael Braz, o Decon deve voltar às audiências de conciliação para os casos em que não houver consenso extrajudicial entre consumidores e produtores/fornecedores. À priori, as audiências vão ser virtuais. Entretanto, o Decon deve, também, fazer audiências mistas — metade presencial, metade virtual. 

“Há um sentimento de que as empresas tiveram sensibilidade para tentar solucionar os problemas dos consumidores sem intervenção, mas tivemos uma quantidade de empresas que não resolveram e, a essa quantidade, será dado prosseguimento judicial”, garante Ismael.

O Procon Fortaleza deve, por enquanto, permanecer promovendo audiências virtuais. “A gente tenta pelo menos em três situações a conciliação. Judicializar não é bom para nenhuma das partes”, ressalta Cláudia Santos. Só neste ano, do início da pandemia até o fim do último mês de julho, o órgão municipal recebeu 1.299 reclamações e 4.696 denúncias.

Reclamações frequentes

As reclamações mais frequentes que têm chegado ao Decon e ao Procon Fortaleza durante a pandemia de Covid-19 estão relacionadas a cobranças indevidas/abusivas, prazos para trocas e devoluções de produtos, ressarcimentos ou abatimentos e descumprimentos de ofertas.

O Procon Fortaleza tem se empenhado em garantir que os estabelecimentos cumpram com os cuidados obrigatórios para evitar o contágio pela Covid-19
Legenda: O Procon Fortaleza tem se empenhado em garantir que os estabelecimentos cumpram com os cuidados obrigatórios para evitar o contágio pela Covid-19
Foto: Fernanda Siebra

Problemas de consumo na pandemia: como resolver?

A melhor forma é a negociação direta entre clientes e produtores/fornecedores.

Comunicação

O primeiro passo para o cliente requerer seus direitos de consumidor é buscar os canais de comunicação do produtor/fornecedor para informar suas reclamações e exigir soluções. 

Ressarcimento ou disponibilização de crédito

O cliente pode requerer o ressarcimento do valor pago pelo produto ou serviço ou, se preferir e não fizer falta, pode deixar reservado o crédito para usufruir quando for mais conveniente.

Flexibilização de troca

Normalmente, o Código de Defesa do Consumidor estabelece 30 dias para a troca de serviços e produtos não duráveis e 90 dias para a troca de serviços e produtos duráveis. Mas, devido à pandemia de Covid-19, o governador do Ceará, Camilo Santana, sancionou lei que suspende em âmbito estadual prazos de garantia, troca, devolução ou reembolso de produtos ou serviços pagos antes e durante a pandemia, independentemente do modelo da compra. 

Formalização de negociações

Uma troca de e-mails, uma gravação telefônica ou mesmo uma conversa de WhatsApp pode ser utilizada para formalizar compras e negociações. É fundamental documentar tudo.

Bom senso

É necessário ter consciência e bom senso para consumir nesse período. Se o cliente comprou, por exemplo, um carro, antes do início da pandemia, e sofreu perda de renda depois, comprometendo o pagamento, pode ser mais fácil, para ele, negociar essa dívida. No entanto, se a compra foi feita durante a pandemia e não houve perda de renda que comprometesse a quitação da dívida, não há razão justificável para alegar a inviabilização do pagamento.

Orientações e ações judiciais

O Decon Ceará e o Procon Fortaleza recebem reclamações, dúvidas, denúncias de crimes de relações de consumo e demandas similares. A Defensoria Pública do Ceará também disponibiliza ao público o Núcleo de Defesa do Consumidor, que atua de forma preventiva, proativa e indenizatória, tanto no âmbito administrativo como no judicial.



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